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A Corrupção e a Justiça Dr. Geraldo Brindeiro

5 de agosto de 2001

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A corrupção tem sido um mal crônico no Brasil. Há muitos anos vem sendo noticiados casos de corrupção e fraude dos mais variados tipos no

País. É precise extirpar o mal de vez do nosso meio ou pelo menos diminuí-lo gradativamente, antes que seja tarde demais. As elites devem tomar consciência da gravidade do problema e da necessidade de adotar medidas urgentes e enérgicas para preservar a confiança da população nas instituições políticas e jurídicas.

A eficácia da ordem jurídica não depende apenas da punição dos infratores pelos órgãos do Estado. Depende também da existência de outras normas éticas, alem das normas jurídicas – como as normas morais e religiosas -, cuja validade seja reconhecida e posta em pratica pela maioria da população.

A criminalidade e o desrespeito a autoridade publica resultam quase sempre da ausência de valores. Mas podem ser estimulados por outros fatores condicionantes da liberdade dos agentes criminosos. O mau exemplo e a impunidade sem duvida terão neles um efeito multiplicador.

A impunidade em matéria de corrupção e fraude diz respeito aos chamados white-collar crime, denominação usada pelos criminalistas americanos desde a década de 1950 (vide Edwin H. Sutherland, The White Collar Crime, 1949). Trata-se de crimes sofisticados, praticados no curso da ocupação dos próprios criminosos, geralmente grupos organizados, na administração publica, nos bancos, no mercado financeiro e na industria, dentre outros, em prejuízo da população em geral. São crimes cometidos em detrimento de bens públicos, contra o consumidor, os usuários de bancos e os investidores no mercado de capita is, dentre outros. Sua pratica quase sempre requer o emprego de moderna tecnologia, como computadores, falsificações cientificas, processos químicos modernos, meios de transporte e comunicação contemporâneos etc.

A Justiça brasileira – entendida aqui como o trinômio Policia/Ministério Público/ Judiciário – não está adequadamente aparelhada para com bater a prática de tais crimes. Os fatos falam por si mesmos. É preciso modernizar a Justiça fornecendo-lhes os instrumentos necessários para fazer frente ao crime organizado.

Nos Estados Unidos da America, o Congresso aprovou em 1970 o “Organized Crime Acri, estabelecendo penas rigorosas para os casos de crimes de corrupção, fraude e outros, e definindo-os como crimes federais sujeitos a repressão pelo FBI e a jurisdição federal desde que a pratica envolva atividades

em mais de um Estado da Federação. Dentre as penas mais rigorosas, alem de prisões e multas, estão as de forfeiture e property seizure que implicam perda de bens em face do enriquecimento ilegal por meio do crime ou como compensação pelos danos causados.

A Constituição do Brasil prevê as penas de multa e perda de bens, a serem reguladas em lei (C.F., art. 5°, XLVI, be c). E estabelece também que “infrações cuja prática tenha repercussão interestadual … e exija repressão uniforme” devem ser apuradas pela Policia Federal, cabendo ao Congresso Nacional regulamentar a matéria (C.F., art. 144, § 1°, I),

Pode-se, assim, instituir no Pais penas de perda de bens ou penas pecuniárias de grande valor para os chamados “crimes do colarinho branco”. E isso, a nosso ver, não só tornaria mais eficaz a ação da Justiça contra o crime organizado mas também tenderia a desestimular a pratica de tais crimes.

A Constituição prevê a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes praticados em detrimento de bens e serviços da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas publicas ou contra o sistema financeiro (C. F., art. 109, VI). E o Ministério Público Federal pode promover a ação penal publica, na forma da lei (C.F., art. 129, I).

Restaria apenas emendar a Constituição para incluir na competência da Justiça Federal o processo e julgamento dos crimes de corrupção e fraude cuja pratica tenha repercussão interestadual. E não há dúvida de que as investigações levadas a efeito pela Policia Federal em todo o País sobre a corrupção e a fraude, já previstas no texto constitucional, facilitariam a ação do Ministério Público Federal e da Justiça Federal na repressão uniforme a pratica de tais crimes.

O Congresso Nacional, especialmente o Senado Federal, tem procurado exercer efetivamente o seu papel no combate a corrupção e a fraude na administração publica. Varias Comissões Parlamentares de Inquérito tem sido criadas ao longo dos anos para apurar os fatos criminosos noticiados pela imprensa. A Constituição atual confere poderes de investigação próprios das autoridades judiciais a tais comissões. E suas conclusões, se for o caso, devem ser encaminhadas ao Ministério Publico Federal para promover a responsabilidade criminal dos infratores (C.F., art. 58, § 3°).

No entanto, é preciso evitar que tais iniciativas não resultem em meras cruzadas moralizadoras periódicas sem os efeitos práticos desejados. É necessário paralelamente realizar reformas permanentes através da ação legislativa imediata do Congresso Nacional.

Na verdade, setores responsáveis da vida publica nacional tem observado 0 risco de vir a ser considerada simplesmente lex simulata a legislação em vigor no Pais sobre os chamados white collar crimes. A definição legal de tais crimes não é adequada e as sanções jurídicas a eles impostas são ineficazes por serem excessivamente leves.

As elites esclarecidas dos países mais desenvolvidos do Mundo tem procurado separar o joio do trigo, conscientes do óbvio interesse comum na manutenção da credibilidade do sistema. É evidente que num sistema jurídico moderno, ao lado das garantias constitucionais do direito de propriedade e do due process of law, dentre outras, e imperativa a necessidade de eficácia da ordem jurídica na punição dos culpados.

Finalmente, a modernização do Estado – e não apenas da Justiça – é indispensável para diminuir a prática da corrupção e da fraude na administração pública. O tamanho excessivo do Estado e a falta de controle da burocracia certamente facilitam o cometimento dos chamados “crimes do colarinho branco”.

Os crimes em geral consistem não apenas no desvio de dinheiros públicos, mas também no uso de propinas para “facilitar” a realização de serviços públicos legais. A simples obtenção de certidões, os registros de documentos, os empréstimos, as concessões e as autorizações, dentre outros serviços, podem requerer “custos” extras.

Além disso, a corrupção pode ainda consistir em realizar “serviços” ilegais no âmbito da administração pública. Fraudes nas licitações, facilidades na sonegação fiscal e na liberação de multas, dentre outros, podem ser obtidos por “preços” mais elevados na burocracia corrompida.

O Estado burocrático, por outro lado, tem ocasionalmente oferecido estímulos – não a iniciativa privada – mas a inércia privada ou pública, assegurando recursos públicos a empresas ineficientes e falidas, verdadeiros parasitas da sociedade.

É preciso, pois, modernizar o Estado, reduzindo o seu tamanho, a fim de permitir maior eficácia no exercício do seu papel constitucional de promover o bem-estar geral e garantir as liberdades e os direitos fundamentais.

Um autor francês já disse que o jeito brasileiro pode ser definido como “uma maneira engenhosa de tomar o impossível, possível; o injusto, justo; e o ilegal, legal” (vide C. Moraze, Le Trois Ages du Brasil, 1954). Prefiro acreditar, como Gilberto Freyre, que “a chave para o sucesso do Brasil no desenvolvimento de uma sociedade moderna, forte e humana na America tropical e o talento para o compromisso”.