(Editorial originalmente publicado na edição 59, 06/2005)
Reza o artigo 58, § 3º, da Constituição Federal que:
“3º – As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
Como intérprete da Constituição, nos comentários que Celso Bastos e eu elaboramos para a Editora Saraiva (15 volumes), defendi a tese de que, por revestir-se, o parlamentar, das vestes de magistrado na condução das CPIs – de vez que lhe são conferidos pela Constituição poderes investigatórios próprios da magistratura – deveria se comportar como membro daquele Poder.
Desta forma, deputados e senadores estão obrigados a atuar com competência, a proceder uma investigação séria, a fugir ao sensacionalismo, a manter o sigilo, quando necessário, a se manifestar apenas após a conclusão dos trabalhos, não antecipando votos, por força do poder investigatório que receberam, em face da dicção constitucional.
Como os deputados e senadores, em todas as CPIs que foram instaladas, nunca tiveram a preocupação de agir como magistrados, mas sim como políticos em campanha, opus-me sempre às CPIs de ocasião. Por esta razão, nos longos debates que mantive, no programa “Gazeta ao ½ dia”, desta excelente jornalista, que é Maria Lídia, argumentava com Aloísio Mercadante, José Dirceu, José Genoino, membros fixos, como eu, da bancada semanal daquele programa e, algumas vezes, com Aldo Rebello, Professor Luizinho, Gushinken e outros membros do PT ou de partidos de esquerda, – defensores permanentes e aguerridos de CPIs em face de qualquer suspeita de improbidade- que o que as CPIs buscavam era visibilidade para os parlamentares, e não a séria busca da verdade.
Alguns debates foram memoráveis, confessando Maria Lídia que, principalmente quando Mercadante e eu – discutíamos, às quartas-feiras- terçávamos lanças, a audiência do programa aumentava.
O tempo passou. Continuo contrário às CPIs, como jurista. Curiosamente, os mesmos intransigentes defensores das CPIs nos governos passados, são hoje os maiores obstrutores de sua realização agora, que são governo. E o argumento chega a ser infantil, vindo das brilhantes inteligências, que reconheço todos eles terem. Se a polícia federal recebeu ordens expressas de investigar, por que uma CPI? Ora, a tarefa da polícia federal é rigorosamente esta. Com ou sem CPI, é função obrigatória da polícia investigar, tanto no passado, como no presente. Não faz senão a sua obrigação.
Meus brilhantes opositores do passado, que nunca aceitaram minha tese, por motivação política, aceitam-na hoje, pela mesma motivação política. Eram a favor, no passado, porque estavam na oposição. São contra no presente, porque são situação.
Cada vez mais me convenço de que a coerência não é a maior virtude dos políticos, principalmente dos radicais. Quanto mais radical alguém é no ataque aos adversários, tanto menos coerente se torna, conforme as “conquistas políticas” que obtiver, porque, para os radicais, os meios justificam os fins e os fins são sempre o poder, a qualquer custo. Em outras palavras, para os radicais, vale o verso de Rotrou, de que “todos os crimes são belos, quando o trono é o preço” (“Tout les crimes sont beaux dont le trône est le prix”).
Tenho a certeza, hoje, de que, enquanto a coerência faz o perfil do jurista, ela é virtude descartável para o político radical. É que o jurista pensa no Direito e o político radical no poder. O jurista pensa no país e o político radical em garantir o governo para os seus. O jurista pensa no futuro da pátria e o político radical num presente de domínio.
Por esta razão, hoje meus velhos amigos defendem a mesma tese que eu, ou seja, de que as CPIs só têm sentido se os parlamentares se comportarem como magistrados, na busca da verdade sobre fato grave. Apenas que eu, por coerência, amor ao Direito e à pátria, e meus amigos do PT por incoerência, amor à Política e ao Poder.
Pena que, no momento em que passaram a defender a tese correta, sua motivação não tenha a grandeza que o país esperaria dos que o comandam.