A defesa do fortalecimento da Defensoria Pública é a bandeira de atuação da Anadep

2 de janeiro de 2025

Rivana Barreto Ricarte Presidenta da Anadep

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A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) consolidou-se, nos últimos anos, de modo definitivo, como força indispensável na promoção da justiça social e na defesa dos direitos humanos no Brasil. O contexto político apontou para desafios que impactaram diretamente o sistema de justiça e populações em situação de vulnerabilidade. A polarização política e as reformas estruturais propostas pelo governo federal trouxeram à tona questões centrais para a Defensoria Pública. Neste cenário de instabilidade política, mudanças legislativas e crescentes desafios no sistema de justiça, a entidade intensificou suas ações direcionadas à articulação legislativa e à incidência em debates jurídicos e institucionais, e assumiu em definitivo o papel protagonista no fortalecimento da Defensoria Pública enquanto instrumento fundamental de acesso à justiça para populações vulnerabilizadas.

Durante os últimos quatro anos de trabalho, a Anadep priorizou ações que conjugaram a preservação de direitos já conquistados e a garantia de avanços legislativos e institucionais. A entidade teve protagonismo na proposição e na defesa de projetos de lei e emendas constitucionais que ampliam o acesso à justiça, bem como na resistência a retrocessos legislativos que ameaçam direitos conquistados. Paralelamente, a associação engajou-se em debates jurídicos cruciais, seja por meio de ações diretas no Supremo Tribunal Federal (STF), seja por articulações institucionais junto a outras entidades.

Cenário Legislativo – Neste cenário, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 32/2020 representou um dos principais desafios para a instituição. A PEC, que ameaçava retirar prerrogativas e garantias das carreiras públicas, mobilizou a associação. Por meio de articulação com lideranças de partidos políticos e outras entidades representativas de servidores públicos, a Anadep conseguiu retardar o avanço da PEC no Congresso, garantindo que os interesses da Defensoria fossem amplamente discutidos. A defesa do tratamento da Defensoria Pública como carreira pública de Estado foi um dos pontos centrais dessa atuação, visando preservar a autonomia funcional e administrativa e a eficiência do trabalho realizado pelas defensoras e defensores em todo o país.

Outro tema central que permeou o trabalho da Anadep nos últimos anos, no que diz respeito a direitos e prerrogativas de defensoras e defensores públicos, foi a defesa de medidas legislativas que valorizem o tempo de serviço e a garantia de verbas indenizatórias.

Um dos grandes marcos neste tema foi a retomada, em 2022, da discussão em torno da PEC no 63/2014, que trata da valorização da magistratura e do Ministério Público. A discussão foi retomada e ampliada para incluir a Defensoria Pública graças à atuação direta da Anadep. Durante a tramitação no Senado, a entidade realizou reuniões com parlamentares e lideranças partidárias, conseguindo, em tempo recorde, que uma emenda ao texto a incorporasse. O relatório final, que previa a inclusão da carreira, chegou a ser levado ao plenário, mas a matéria não foi votada e foi arquivada regimentalmente. Em continuidade a essa luta, a pauta retornou em 2023 por meio da PEC no 10/23. A Anadep novamente liderou a articulação política em defesa da valorização de defensoras e defensores públicos, conquistando a aprovação do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com a inclusão da Defensoria Pública. Atualmente, a PEC encontra-se em discussão no plenário do Senado, e a Anadep segue mobilizada para garantir a aprovação definitiva.

Noutra seara, a Anadep tem argumentado no âmbito do Legislativo que a natureza das indenizações relacionadas ao exercício da função pública é essencial para a manutenção da estrutura da Defensoria Pública, especialmente em estados com menor capacidade orçamentária. A entidade tem apontado as distorções que podem impactar diretamente a redução da prestação dos serviços públicos com a proibição de pagamento de compensações às atividades extraordinárias realizadas por defensoras e defensores públicos em todo o país.

São cerca de sete mil defensoras e defensores públicos do país para atuar nas mais diversas áreas jurídicas e em todas as comarcas em território nacional. Eles atendem cerca de 88% da população brasileira que é potencial usuária dos serviços da Defensoria Pública. Evidente que o número de profissionais está aquém da demanda, e portanto, é imprescindível o pagamento do trabalho extraordinário de caráter indenizatório em razão da acumulação de demandas e para que o acesso à justiça das pessoas em situação de vulnerabilidade não seja comprometido. A articulação política da Anadep contribuiu para a construção de propostas que preservam o respeito a essa e outras especificidades da carreira no PL no 2721/2021 que está em tramitação.

Outros debates legislativos importantes e exitosos dos últimos anos giraram em torno da aprovação da PEC da permuta, que se transformou na Emenda Constitucional no 130/2023, e abre a perspectiva de regulamentar a possibilidade de defensoras e defensores públicos transferirem-se entre estados, promovendo maior mobilidade funcional e ampliando a atuação em áreas carentes e o debate em torno da inclusão da Defensoria Pública no PL no 4015/2023, que reconhece como atividade de risco o exercício de funções de defensoras e defensores públicos. Embora o projeto apresentado pela entidade na Câmara tenha sido inicialmente rejeitado, no Senado, a Anadep trabalhou para demonstrar os riscos inerentes à profissão, destacando os desafios enfrentados em áreas de conflito, como comunidades vulneráveis e zonas de violência urbana. Assim, o projeto foi aprovado no Senado com essa inclusão e, atualmente, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. A Anadep continua atuando para assegurar a manutenção da redação que beneficia a categoria.

Ainda no âmbito de revisão da atuação legislativa, a Anadep também lidera debates sobre a atualização de importantes legislações, incluindo propostas para garantir maior proteção à população idosa, especialmente em situações de violência e abandono (Estatuto da Pessoa Idosa), incorporação de medidas que promovam a inclusão plena em todos os espaços sociais (Estatuto da Pessoa com Deficiência), alterações para reforçar direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, especialmente no acesso a políticas públicas (Estatuto da Criança e do Adolescente). As discussões, promovidas por meio de audiências públicas e reuniões técnicas, buscam alinhar esses estatutos aos desafios contemporâneos, ampliando a eficácia das defensorias públicas em sua aplicação. Essas iniciativas mostraram o compromisso da Anadep com a defesa de direitos coletivos e a promoção da equidade.

Em esforço para ampliar os recursos destinados às defensorias públicas, a Anadep defendeu, no último biênio, a destinação de percentual da receita do Fundo de Direito Difuso e Coletivo para fortalecer a estruturação da Defensoria. Essa importante iniciativa visa garantir maior autonomia financeira, especialmente para a implementação de políticas voltadas à promoção de direitos coletivos e ambientais.

Com a retomada de agendas progressistas pelo novo governo, pautas ambientais e de direitos digitais ganharam relevância, o que exigiu da Anadep um engajamento direto em discussões sobre o papel da Defensoria Pública em litígios estratégicos e na proteção de direitos coletivos.

Resistência a retrocessos na legislação penal e processual penal também são objeto de intenso trabalho da Anadep no Congresso Nacional. A entidade caminha com diversas organizações da sociedade civil realizando advocacy em pautas que asseguram direitos sociais e mantém a estabilidade democrática. Toda atuação tem como objetivo fortalecer a capacidade de incidência política da Anadep e alcançar impacto no fortalecimento das defensorias estaduais e na construção de políticas públicas que garantam o acesso efetivo à justiça.

Cenário Jurídico – A partir de janeiro de 2023, com o discurso focado na reconstrução de direitos e no fortalecimento do Estado, o governo Lula abriu novas possibilidades para o diálogo institucional e para o avanço de pautas prioritárias da Anadep. A reestruturação de ministérios estratégicos, como o da Justiça e Direitos Humanos, criou espaços importantes para a Defensoria Pública debater pautas sociais, institucionais e políticas públicas voltadas ao acesso à justiça e à proteção dos mais vulneráveis.

A Anadep acompanhou de perto essa transição, atuando de maneira propositiva junto ao novo governo e reforçando demandas históricas, como a necessidade de se ampliar o orçamento das defensorias e de garantir maior presença da Defensoria Pública em conselhos nacionais, de maneira a fortalecer a representatividade da instituição nos espaços de decisão e assegurar sua autonomia funcional. Neste campo, é fundamental a pauta trazida à discussão pela Anadep sobre a necessidade de representantes oriundos da Defensoria nos tribunais superiores, incluindo o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça.

A articulação da Anadep para desenvolvimento de projetos como a estratégia nacional “Defensoria em Todos os Cantos”, lançada e desenvolvida pelo Ministério da Justiça, que busca ampliar a presença da instituição em municípios ainda não atendidos, teve importante lugar de destaque. O trabalho é para que se tenha defensoras e defensores públicos presentes, em todos os cantos, para todas as pessoas em situação de vulnerabilidade, dando concretude ao lema da campanha nacional da Anadep “Onde há Defensoria Pública, há justiça e cidadania”.

A interlocução da entidade com o Poder Judiciário fortaleceu a estratégia da associação em pautas como a regulamentação da atuação da Defensoria Pública no âmbito eleitoral. Além de ter sido selecionada pelo TSE como entidade credenciada a realizar o trabalho de observação eleitoral nos dois últimos pleitos (eleições gerais em 2022 e eleições municipais em 2024), a Anadep defende no Congresso Nacional a presença formal da Defensoria Pública no Código Eleitoral como garantidora dos direitos políticos de populações vulnerabilizadas. Isso porque a função da Defensoria Pública vai além da defesa individual de seus assistidos. A missão constitucional inclui a promoção dos direitos humanos, a defesa da cidadania e a garantia de que todos os cidadãos tenham pleno acesso ao exercício de seus direitos. No período eleitoral, essa atuação se torna ainda mais crítica, considerando que diversos grupos podem enfrentar barreiras para o exercício do direito ao voto, como comunidades indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua e outros segmentos historicamente marginalizados.

Além de seu protagonismo legislativo, a Anadep exerce papel decisivo no campo jurídico, contribuindo para a consolidação de direitos fundamentais e para o fortalecimento das defensorias públicas como instituições essenciais ao sistema de justiça. A atuação incluiu intervenções em ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de articulações institucionais junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Ministério da Justiça. Com relação ao CNJ e MJ, a Anadep tem participado ativamente de debates, nos últimos dois anos, sobre acesso à justiça e reformas no sistema judiciário. Entre as iniciativas mais relevantes, destaca-se a inclusão da Defensoria Pública em estratégias nacionais como o Plano Pena Justa, o Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIAPN+, Fórum Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Fonavim), entre outros.

Na atuação jurídica litigiosa, a Anadep obteve êxito, nos últimos anos, em diversas frentes como a defesa da prerrogativa de requisição de defensoras e defensores públicos, a reversão de honorários para a Defensoria Pública e a defesa da autonomia administrativa da instituição.

A prerrogativa de requisição das defensoras e defensores públicos, assegurada constitucionalmente, foi alvo de questionamentos em ações propostas por entidades que buscavam restringir ou eliminar essa atribuição. A Anadep atuou de forma incisiva junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e outros tribunais superiores, argumentando que a prerrogativa é essencial para garantir a celeridade e a eficácia da atuação da Defensoria, especialmente em casos que envolvem populações vulneráveis. Por meio de memoriais, participação em audiências públicas e sustentação oral, a Anadep demonstrou que a prerrogativa de requisição não é apenas instrumento técnico, mas garantia de que os direitos fundamentais dos assistidos sejam efetivamente protegidos. Essa atuação resultou na preservação da prerrogativa em decisões judiciais importantes, reforçando a autonomia da Defensoria Pública.

Outro tema central foi o Tema 1002 no STF que trata dos honorários advocatícios revertidos para a Defensoria Pública nas atuações contra o Estado. A Anadep defendeu, em pareceres técnicos e intervenções judiciais, que esses valores são indispensáveis para o fortalecimento da instituição e devem ser utilizados para aprimorar a assistência jurídica gratuita. A associação enfrentou debates complexos sobre o tema, especialmente em contextos estaduais onde havia resistência à destinação dos honorários para a Defensoria, como nas RCL no 69080 e no 68391. A atuação da Anadep garantiu avanços no reconhecimento dessa prerrogativa e promoveu maior alinhamento jurídico em sua aplicação prática.

Essas conquistas reforçaram a autonomia institucional e garantiram recursos importantes para a manutenção da qualidade do atendimento jurídico prestado à população.

A atuação jurídica da Anadep também tem sido crucial em demandas que discutem a constitucionalidade da prestação de assistência jurídica suplementar por advogados privados e que tratam da adoção de critérios objetivos na avaliação de hipossuficiência, quando se aprecia o pedido de gratuidade de justiça.

Para além de atuação jurídica de pautas institucionais, é importante ressaltar o avanço da atuação da entidade em temas de direitos coletivos e ações no STF, contribuindo para geração de precedentes que beneficiaram populações vulneráveis, como comunidades indígenas, pessoas em situação de rua e grupos LGBTQIAPN+. Essas participações não apenas fortaleceram o papel da Anadep como voz técnica e qualificada, mas também contribuíram para a formulação de jurisprudências mais inclusivas.

A Anadep foi, ainda, nos últimos anos, entidade pioneira nas pautas que discutem juiz de garantia, reforma da previdência, o mínimo existencial, entre outras. Todo o resultado dessa atuação não apenas fortalece a Defensoria Pública, mas também consolida a Anadep como referência em advocacia de direitos humanos.

Desafios e Perspectivas Futuras – Apesar dos avanços significativos alcançados nos últimos dois anos, a Anadep encara desafios estruturais e conjunturais que exigirão estratégia, articulação e resiliência no futuro próximo. As perspectivas para a Defensoria Pública e para a associação apontam para a necessidade de consolidação de direitos, fortalecimento institucional e enfrentamento de novos contextos sociais e políticos. Os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas mostram a importância da atuação legislativa, jurídica e institucional da Anadep para o fortalecimento da Defensoria Pública.

À medida que avança em suas metas, a associação reafirma seu compromisso com a construção de um sistema de justiça mais acessível, inclusivo e eficiente. A atuação da entidade nos últimos dois anos destacou não apenas sua capacidade de articular demandas institucionais, mas também sua relevância na proteção dos direitos das populações mais vulnerabilizadas. A experiência obtida pela Anadep, por meio da coordenação do Bloco dos Defensores do Mercosul, lança à instituição o desafio de coordenar pelo próximo biênio a Associação Interamericana de Defensorias Públicas. Essas parcerias permitirão a troca de experiências e o fortalecimento de boas práticas que impactem diretamente o trabalho no Brasil.

Com agenda abrangente e desafiadora, a Anadep demonstra que está preparada para enfrentar as demandas do futuro. A defesa de prerrogativas institucionais, a promoção de políticas públicas eficazes e a articulação legislativa são pilares que continuarão a guiar suas ações. O legado recente da associação reflete sua habilidade de transformar desafios em oportunidades, consolidando-se como agente transformadora na promoção da justiça social e entidade indispensável na valorização da Defensoria Pública no Brasil.

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