A democracia exigente

5 de abril de 2002

Senador, Membro da Academia Brasileira de Letras

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Este e o titulo de um sugestivo ensaio do professor Gianfranco Pasquino, escrito com o intuito de comentar as exigências, cada vez mais disseminadas no mundo, em relação ao processo político contemporâneo. Trata-se de uma reflexão de utilidade universal, não só quanto ao tema da ampliação dos limites éticos da democracia, mas sabre a própria natureza dos sis­temas políticos contemporâneos.

Para isso convém lembrar que a democracia, concebida como sis­tema baseado na responsabilidade dos representantes, escolhidos em eleições livres, competitivas e pluralistas por todos as cidadãos, e uma realidade que só começou a se disseminar, mesmo no mundo ocidental, em meados do século passado, a partir, sobretudo, da segunda grande guerra.

O nosso caso serve de exemplo e é ilustrativo. O Brasil só universalizou a seu eleitorado depois de 1985, quando a Emenda Constitucional n° 25 concedeu direito de voto aos analfabetos, retirando a proi­bição constante do artigo 147 da Constituição então vigente. Mesmo nas democracias mais antigas e tradicionais, restrições e privilégios eleitorais só paulatina e progressivamente foram sendo suprimidos da legis­lação de inúmeros países. Alguns, inclusive, muito recentemente.

Este foi, sem duvida, um passo decisivo e crucial no fim da exclusão política que, em todos as países, discriminou primeiro as mais pobres, com o conceito de “cidadania ativa”, baseado no censo econômica, em seguida as mulheres e, no nosso caso, os analfabetos, privados do direito de voto pela Constituição republicana de 1891. Foi um passo gigantesco, mas seguramente não será o ultimo.

Ha muito se especula, desde o advento das tecnologias da infor­mação, sobre a possibilidade de, ao lado da democracia representativa que praticamos, ampliar-se o exercício da democracia direta, ensejando aos cidadãos decidir, através de plebiscitos e referendos, as questões que mais de perto lhes interessam.

Neste sentido, nenhum pais tem caminhado em relação as con­dições materiais mais rapidamente que o Brasil, cujas eleições já são, desde o ano 2000, integralmente informatizadas e de apuração brevíssima.

Este e a caminho para sistemas políticos cada vez mais exigentes, a que se refere o professor Pasquino. A democracia do futuro seguramente vai extravasar, e muito, a aspecto dos sistemas representativos, transformando-se em democracia verdadeiramente participativa. É claro que sempre haverá riscos envolvidos no excesso de manifesta­ções exigidas do eleitorado, como tem ocorrido em alguns países que já se utilizam profusamente desse recurso. O resultado e que a democracia exigente esta impondo uma redefinição das pautas políticas.

Conquistada a universalização do voto, a política deixara de ser, como na definição dos especialistas, a pura “alocação autoritária dos re­cursos” para se transformar na alocação democrática dos direitos individuais e coletivos.

Para o advento dessa etapa, teremos de superar todas as formas de exclusão, tal como já conseguimos com o fim da exclusão política. Isso exigira conquistas como a inclusão econômica e social de todos, através de ações corretivas e compensatórias das desigualdades que venham a reforçar a solidariedade social, por meio da progressividade tributaria e de políticas de gastos públicos, fundadas em benefícios comprometidos com a justiça social, capazes de par fim a todas as demais formas ainda existentes de exclusão, notadamente a cultural e a profissional, que afligem grande parte do mundo atual.

Esta e a “democracia exigente” para a qual devemos estar preparados. O seu principal resultado e a sua maior conquista serão a humanização da política e dos sistemas políticos que podemos criar, com a usa disseminado do recurso democrático mais eficiente, com direito de voto de cada cidadão, para definir os rumos e os objetivos de toda sociedade. Quanto mais avan­çarmos nesse objetivo, mais exigentes serão as democracias.