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A despedida do Desembargador Ellis Hermydio Figueira

5 de julho de 2000

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O dia 14 de junho marcou a despedida da magistratura do Desembargador Ellis Hermydio Figueira que, por muitos anos, enriqueceu com a sua cultura e o seu saber o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Seus amigos, com muita justiça, lhe ofereceram um jantar numa churrascaria em Niterói ao qual compareceram as mais altas figuras dos meios jurídicos de nosso Estado. Agradecido pela homenagem, o desembargador Ellis escreveu a seguinte mensagem de despedida:

Registra o calendário preambular do terceiro milênio: 14 de junho. Por imperativo constitucional estamos a nos despedir da Magistratura Colegiada, deixando o cimo e retornando à planice sob o influxo do mesmo entusiasmo, descendo os mesmíssimos degraus que dantes os galgamos, com a mesma fé no Direito que é eterno e tem sua base na Justiça, robustecido pelo aprendizado do dia-a-dia, a experiência vivenciada dos meandros da Corte Judiciária, anteparado pelo calor da estima de quantos conosco somaram as suas vidas nesse caminhar pelos mais diversificantes roteiros que o destino nos descortinou.

Ninguém melhor do que INGENIEROS nos dita lição sapientíssima: ‘A nossa vida não é digna de ser vivida, senão quando algum ideal a enobrece. Os mais altos prazeres são inerentes à proposição de uma perfeição e a sua realização. As exigências vegetativas não têm biografia, na história da sua sociedade só vive o que deixa rastros nas coisas ou nos espíritos. A vida vale pelo uso que dela fazemos, pelas obras que realizamos’.

No itinerário do ciclo existencial cada um escreve sua história pessoal e a marca da sua grandeza reside na semeadura do bem comum, alvíssaras para que outros ceifem.

Por quase meio século nas três áreas do Direito, na Advocacia, no Ministério Público e na Magistratura, nesta exercendo dupla função, Judicante e partícipe da sua Administração, haurimos que o exercício do poder não se alça como privilégio ou título de superioridade, senão responsabilidade partilhável e compromisso para com a coletividade, cujo exercício há de se pautar nos trilhos da legalidade e impessoalidade, na moralidade e transparência.

Atribui-se a PÉRICLES, o notável homem público grego, séculos que precederam ao advento da Era Cristã, sensata, quão profunda advertência: ‘A paixão da honra é a única que não envelhece e, no fim da vida, o prazer não consiste em acumular riquezas, mas em inspirar respeito’.

No exercício da Judicatura fomos discípulos no cotidiano; na Administração do Poder Judiciário, aos mandatos recebidos dos reverenciáveis Eminentes Colegas, os quais conosco somaram suas aspirações por um Judiciário forte e respeitado, como uma abelha que jamais se afastou da sua colméia, ofertamos nosso ardor e desprendimento à causa comum, certo que os frutos colhidos nós os creditamos a quantos nos antepararam, a clarividência e o idealismo dos nossos Juizes-Auxiliares, aliada à dedicação de anônimos servidores em nossa retaguarda.

Gregário que só e ser, o homem não caminha só. É justamente por isso que a Casa não fica vazia porque uns partem. A sucessão é o inexorável na ordem das coisas humanas. Tudo é transitório, queiramos ou não, o que levou JAMES ALLEN, em ‘Vida Triunfante’, memorar esta passagem admirável: ‘A semente morre para que a flor apareça; a crisálida, para que apareça a borboleta…’

Ninguém é eterno e nem insubstituível. De exato, tudo tem o seu tempo. O nosso, nesta Corte Excelsa, está encerrado. Outros virão. É a sucessão natural.

Agora, só nos resta orvalhar a gratidão por quantos anos nos coadjuvaram em nossas labutas, frutificando uma estima recíproca que haverá de nos acompanhar pelos dias restantes do nosso existir, destacadamente a Magistratura Monocrática, plêiade de jovens cheios de calor humano e idealismo, muitos dos quais os acompanhamos desde os seus primeiros passos na judicatura, para nosso gáudio amados como filhos adotivos.

Com sentida saudade estamos a nos despedir. Afinal, na arguta análise do nosso TRISTÃO DE ATHAYDE: ‘O homem sem saudade e sem gratidão é um parasitário, porque é homem desprovido de vida interior’.

Partimos sem lamúrias, mágoas ou ressentimentos, senão tranqüilo e feliz pela exata noção do dever cumprido, posto em paz com a nossa consciência, na forma de julgar e de agir. Mais feliz, ainda, pela legião de amigos que ficam no exercitar na sagrada missão de distribuir o pão ázimo da Justiça, aos quais, à distância, ficaremos em prece para que não esmoreçam ante às vicissitudes que certamente depararão no exercício da jurisdição, e jamais percam a fé no seu ofício.

A todos, enfim, o nosso amplexo de despedida.”