Edição 69
A determinação e a vontade fazem parte da condição feminina
30 de abril de 2006
Ângela Costa
As mulheres sempre olharam para si mesmas pela ótica masculina, que lhes incutiu preconceitos e determinou um certo sentimento de inferioridade em relação a seu papel na sociedade. Nossas avós e até mesmo nossas mães acostumaram-se a se ver sem capacidade de sobrevivência se não tivessem a seu lado o pai, o marido, o irmão ou o mesmo o filho homem.
A consciência da sua importância é bem recente no mundo moderno e aos poucos a mulher conquista espaço e ajuda a construir um mundo sem discriminação. A mulher participativa, economicamente ativa, desejando igualdade com os homens nas responsabilidades sociais, dividindo com eles, cada vez mais, essas responsabilidades, é fenômeno das sociedades contemporâneas mais evoluídas e, quando penso nestes conceitos, tão genéricos, é para mim difícil não pensar em minha própria experiência pessoal. Na minha própria vida.
Posso dizer que lutei, sempre e da forma renhida, para conquistar lugar num mundo culturalmente masculino, para me livrar de estigmas e para provar competência nas tarefas a que me dediquei.
Filha de um motorista de lotação que prestava serviços no transporte escolar, tive a oportunidade de estudar, por uma condescendência das freiras, num bom colégio, pertencente a uma ordem religiosa e onde estudavam as filhas da elite econômica e política de todo o país. A enorme diferença social entre eu e as outras me foi mostrada logo de início e enquanto freqüentei o Colégio Santa Marcelina tive de provar, a cada dia, que podia ser tão boa, ou melhor, do que qualquer uma das minhas colegas. Tendo de enfrentar o tipo de perseguição quase cruel de que são capazes as crianças e os adolescentes para com os que julgam pertencer a uma classe inferior. Foi minha primeira guerra pela sobrevivência, embora eu guarde, apesar de tudo, ternas lembranças desse período.
Quando terminei o Curso Normal, fiz vestibular em Belas Artes, classificada em primeiro lugar. Escolhi a especialização em Desenho Industrial, determinada a me dedicar a uma profissão ligada ao mundo moderno. Fiz também os cursos de Direito e de Economia. Vieram o casamento e a alegria dos filhos, jovens hoje muito bem sucedidos, dedicados e talentosos. Com a morte do meu pai, assumi o seu pequeno negócio de ônibus de transporte escolar, uma firma cheia de dívidas e problemas que, em quatro anos, transformou-se na maior empresa do seu setor no Rio de Janeiro. Reuni então as empresas de transporte escolar e fundei, junto com os companheiros do setor, a Associação do Transporte Escolar, para prestar serviços e defender os interesses desses pequenos negócios.
Isto foi em 1979, quando senti que não tinha mais oportunidade de crescimento trabalhando no transporte escolar, a não ser canibalizando os concorrentes, algo que não me apetecia porque se tratava de pequenas empresas pertencentes a pessoas que tinham se tornado minhas amigas. Foi também quando meu casamento terminou em separação.
Apesar da separação, dolorosa como costumam ser todas as separações em que o amor não deixou totalmente de existir, recebi o convite do sócio do meu ex-marido para organizar a empresa que pertencia aos dois, em troca de 33 por cento do capital da sociedade, uma indústria de papelão e embalagens de papelão. Dediquei-me com paixão a essa tarefa, disposta a provar, mais uma vez, minha vontade de vencer os desafios que a vida apresentava. Adorei a atividade industrial, preparei-me para um novo desafio, deixei a firma do meu ex-marido e fundei, com 12 funcionários, a Papillon, que começou produzindo 2 toneladas mensais de papelão e hoje, com 160 funcionários, produz 700 toneladas por mês.
Enfrentei desavenças, preconceitos, maledicências. Entrei para o Sindipapel, o Sindicato de Artefatos de Papel e Papelão do Rio de Janeiro e fui a primeira mulher, já como presidente desse Sindicato, a participar da Firjan, a poderosa Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Eu era a única mulher num universo composto exclusivamente por homens. Nesta entidade, sou vice-presidente e presidente do Conselho de Gestão Estratégica para a Competitividade, cujos documentos são os que apresentam o maior número de downloads do site institucional da Firjan.
Por achar que o papel da mulher é de fundamental importância para a sociedade, não só como educadora e formadora mas também como empreendedora, assumi um novo desafio, o de presidir o Banco da Mulher Rio, o BMRIO, entidade que capacita, faz microcrédito produtivo e dá suporte à iniciativa empresarial das mulheres.
Quando relaciono estes dados da minha própria biografia, não estou procurando louvar a mim mesma, pois não tenho mais do que a vaidade natural das mulheres. Mas a minha própria experiência de vida me faz concluir que a questão da igualdade da mulher com o homem passa pela consciência da sua situação e também pela determinação, pela força e a vontade que são inerentes à condição feminina.