Edição 81
A ética e o jurídico em Josaphat Marinho
30 de abril de 2007
Francisco Peçanha Martins Membro do Conselho Editorial e Ministro aposentado do STJ
(Aula Magna Proferida na Faculdade 2 de Julho, em Salvador-BA, no dia 06/02/2006)
O comportamento do homem em sociedade vem sendo estudado e discutido desde a remota antiguidade, exacerbando-se na Grécia, berço da civilização ocidental.
Estado, Justiça e Ética foram temas discutidos desde o período que antecede Sócrates, filósofo acusado e condenado a beber cicuta por desrespeitar a religião e incitar a juventude à rebeldia.
Na apologia a Sócrates, o discípulo dileto, Platão, reproduziu suas últimas palavras, misto de condenação e exortação aos governantes:
“Se imaginais que, matando homens, evitareis que alguém vos repreenda a má vida, estais enganados; essa não é uma forma de libertação, nem é inteiramente eficaz, nem honrosa; esta outra, sim, é mais honrosa e mais fácil: em vez de tapar a boca dos outros, preparar para ser o melhor possível.”
A filosofia grega indicou os caminhos do bem, do belo, da busca de ideais de liberdade e de justiça, no cultivo da verdade e do amor.
Identificando no homem a relação corpo e alma, cujo equilíbrio era essencial para alcançar a felicidade, Platão imaginava controlar os instintos, a agressividade, a paixão irracional, para obter-se o amor verdadeiro, puro, que não exige, livre e rebelde à escravidão, e projetou o Estado Ideal, sua “República”, jamais implantada por força do invencível egoísmo.
Aristóteles, discípulo de Platão, estudou com profun-didade o homem e a polis, imortalizando-se com a “Ética a Nicômaco” e a “Política”, e acentuou a ética, não como um simples código de conduta social, mas como norma de promoção do bem social.
O alcance da plenitude da personalidade, a auto-conquista, somente seria possível com a prática das virtudes na comunidade política, por isso que o homem é animal racional e político, “que só atinge a realização de sua natureza na comunidade.” O homem solitário é ficção literária (Robinson Crusoe). Ninguém é virtuoso para si próprio ou pode ser feliz sozinho.
Distinguindo a ética e a política, Aristóteles definiu a polis como uma espécie de comunidade voltada para a obtenção de um bem. Sendo assim, conclui que a comunidade mais elevada de todas, a todas englobando, pois visaria o bem mais elevado de todos, é a polis, comunidade política cuja suprema finalidade é a vida feliz, segundo as virtudes, dentre as quais avulta a justiça.
A reunião em comunidades é comum entre os animais. Ela existe nos formigueiros, nas colméias, forjadas pelo instinto, pela necessidade de sobrevivência. A polis, na visão aristotélica, não é, porém, uma reunião de homens para simplesmente sobreviver, pela ajuda mútua material, mas a comunidade de famílias e aldeias reunidas em uma vida perfeita, conforme a felicidade e a virtude. “A vida feliz, para o indivíduo e para a comunidade, é aquela que é acompanhada pela virtude e seguida de suficiente quantidade de bens externos, porque é impossível, ou pelo menos muito penoso, fazer boas ações quando se está desprovido de recursos materiais”.
O homem faminto não pode ser bom ou cumpridor das leis, cujo respeito é essencial à sociedade civil, constatação que conduziu o filósofo a proclamar:
“A virtude da justiça é a essência da sociedade civil”.
“Homem justo (dikaias) é aquele que se conforma à lei e respeita a igualdade; injusto é aquele que contraria a lei e a igualdade” (Apud: “Ética é Justiça”, de Olinto Pegonaro, Ed. Vozes, 9ª ed).
A evolução filosófica na busca da felicidade do homem tem conduzido as nações à prática de ideologias diversas, todas com o objetivo nobre de proporcionar o bem-estar da polis.
O egoísmo, traço inconfundível do homem, tem impedido o ideal do amor platônico, do Estado político perfeito. E talvez tenham razão os que o dizem inatingível, pela inconciliação das virtudes da liberdade, igualdade e fraternidade.
O amor puro, defendido por Platão e pregado por Buda e Jesus Cristo, continua longe de ser alcançado pelas comunidades onde vicejam a miséria e a fome.
As democracias, sejam elas deste ou daquele matiz, não lograram senão assegurar a liberdade, consoante a Lei. A justiça, ideal de virtude do homem, só conseguiu preservar ou impor a liberdade (autonomia) da vontade, consistente na obediência à lei autoprescrita, como assinalou Rousseau.
A desigualdade social está longe de ser vencida. E não raro tem sido perseguida com a supressão das liberdades públicas, como ocorre nas ditaduras.
É certo que são vários os códigos de ética, erigidos em conformidade com as circunstâncias de cada atividade humana desenvolvida em sociedade. Todos os códigos repousam nos princípios do bem-estar, da felicidade, da justiça, do amor ao próximo, com o objetivo virtuoso de proporcionar ao homem a sobrevivência digna e feliz, servindo à comunidade.
Contudo, estamos aqui para dizer da “Ética e o Jurídico em Josaphat Marinho”.
Nascido em Areias, hoje Município de Ubaira, de feliz casamento de Sinfrônio Sales Marinho e Adelaide Ramos Marinho, Josaphat Ramos Marinho educou-se na Vila de Jaguaquara, onde ficou aos cuidados da professora leiga Ana Durcia, a quem proclamou, agradecido, o reconhecimento das primeiras letras, inclusive na língua francesa, e o cultivo do dom da oratória, fazendo-o ler discursos que escrevia para celebrar as festas cívicas ou religiosas ou assinalar fatos relevantes na comunidade progressista.
Recordou-a, com saudade, em discurso que pronunciou agradecendo a homenagem prestada em jantar comemorativo de seus oitenta anos, no Hotel Meridien, em 26/10/1995. Realçou a tenacidade da “admirável preceptora”, ensinando-lhe a ler os discursos após as aulas regulares, com a adequada sustentação do texto nas mãos; a leitura compassada, com elevação da voz e erguimento dos olhos aos ouvintes nos momentos adequados, agradecendo-lhe a iniciação na arte da oratória, que praticou com invulgar talento (Discurso intitulado “Ato de congraçamento e bondade”)
Preparado nesta escola de letras e civismo, ingressou o mestre, em 1930, no Instituto Bahiano de Ensino, dirigido pelo Professor Hugo Baltazar da Silveira, mediante exame de admissão ao ginásio, alcançando a Faculdade de Direito da Bahia em 1934, onde pontificaram mestres do quilate de Filinto Bastos, Aloysio de Carvalho Filho e Nestor Duarte Guimarães, catedrático de Introdução à Ciência do Direito, e que foi, para ele, “o amigo fraterno e o orientador, na profissão de advogado e na política, sem um instante de estremecimento”.(Ob.cit)
A faculdade fervilhava no embate das ideologias. As discussões políticas intensas travadas sob a influência das empolgantes lições de Rui Barbosa, a oposição à ditadura, corporificada na resistência autonomista do grupo civilista de Pedro Lago, João e Otávio Mangabeira, Aloysio de Carvalho Filho, Luiz Viana Filho, Nestor Duarte e tantos outros notáveis políticos bahianos, empolgavam os jovens acadêmicos, atraindo Josaphat, já impregnado do germe do civismo, às fileiras da “Ação Acadêmica Autonomista”, firmando a inabalável convicção democrática, visceralmente contrária às ditaduras. As divergências marcadas pelas ideologias políticas não afastaram a compreensão mantenedora da cordialidade entre os contrários. “A Faculdade, disse ele, ensinou a conviver e a divergir, cultuando a liberdade e a tolerância”.( Ob.cit.)
Bacharelado em Direito, formando-se em 1938, ingressou no escritório de advocacia do mestre Nestor Duarte, social-democrata, autonomista, ardoroso defensor das liberdades públicas, um D’Artagnan, cujas aulas o empolgavam, como retratou em belíssimo discurso nas comemorações de seu centenário de nascimento.
Desde cedo, o jovem causídico chamou a atenção dos mais velhos pelo estilo escorreito e pela agudeza do raciocínio lógico. A descrição da versão dos fatos da vida colhida do cliente, promovida em prosa agradável, forjada na leitura dos clássicos da língua portuguesa, o enquadramento jurí-dico silogisticamente perfeito, agregaram-lhe, de logo, o respeito dos mais conceituados advogados da liça forense.
Alfredo Amorim, criminalista renomado, lendo as razões que Nestor, seu colega na defesa de constituinte, confiara a Josaphat, e que aprovara sem emendas, escreveu-lhe carta em que elogiou a peça forense, assinalando: “Nestor, este seu menino Josaphat, se continuar escrevendo e estudando como agora, irá mais longe do que nós dois”.
E Josaphat continuou estudando por toda a vida. Dedicado à causa pública, voltou-se ao magistério do Direito, como contratado, mas depois, mediante concursos, tornou-se livre docente e catedrático. No primeiro, prestado no ano de 1953, apresentou a discutida tese do “Direito de Revolução”, sustentando o direito dos povos de resistir e rebelar-se contra a opressão, dispensando o fundamento jusnaturalista e defendendo a opinião de que a Constituição de 1946 implicitamente o abrigara.
À época, tratava-se verdadeiramente de uma tese, de uma proposição original, e, por isso, suscitou intensos debates e críticas da opinião dominante.
Hoje, como assinalou Luiz de Pinho Pedreira, seu colega e amigo fraterno, “importantes juristas estrangeiros aceitam o direito de revolução, resistência ou desobediência civil (como quer que o chamemos), sem base no direito natural, e reconhecem também a possibilidade de estar ele implícito em uma Constituição”.
Mais ainda, com sua autoridade científica, aponta que Gomes Canotilho “faz ver que o direito de resistência coletivo (direito político) contra formas de governo ou regimes carecidos de legitimidade está reconhecido pela Constituição portuguesa vigente, na qualidade de direito dos povos contra a opressão (art. 7º, 3)”.
Ensinava, então, o mestre na cadeira de “Introdução à Ciência do Direito”, conduzindo os jovens acadêmicos à reflexão sobre a ótica do direito positivo. Kelseniano, suas aulas descerravam o palco da vida, submetido às regras da lei, sob o pálio da ciência do direito. Eram empolgantes as discussões fomentadas pelo espírito vibrante do jovem professor, entre alunos formados em cursos secundários de orientações doutrinárias diversas; o ensino laico do Central e o das escolas católicas e protestantes tradicionais: Maristas, Vieira e Dois de Julho, defensoras do Direito Natural que, em nossos dias, vem recrudescendo, a partir da derrocada do materialismo histórico.
Já o conhecia de longe – fora apresentado por meu pai, seu amigo e correligionário – no bairro então agradável, exclusivamente residencial, dos Barris, onde morávamos.
No ano de 1956, passei a ser seu aluno no 1º ano da Faculdade de Direito, e aprendi a admirá-lo pelo talento e brilho de suas aulas. Assisti a seu concurso para a cátedra de Direito Constitucional, nesse mesmo ano, para a qual apresentou a tese “Poderes Remanescentes na Federação Brasileira”, que mereceu a classificação de melhor de seus inúmeros e valiosos trabalhos jurídicos em discurso proferido pelo confrade Fernando Whitaker, na sessão realizada em sua homenagem pela Academia Brasileira de Letras Jurídicas, após seu falecimento.
Contudo, como ocorre com os melhores espíritos, Josaphat dedicou-se à política partidária, objetivando partilhar da luta pela felicidade do povo. Dela se fez constante servidor, exercendo, com altivez, talento, brilho e coragem cívica, os mandatos que a cidadania lhe conferiu. Elegeu-se deputado estadual, por duas legislaturas, e para o Senado Federal, também por dois mandatos.
Estive a seu lado na Secretaria do Interior e Justiça desde 1959, como seu oficial de Gabinete, e posso testemunhar a condução séria e brilhante dos interesses sociais, consoante as regras da democracia, na intransigente defesa das liberdades públicas.
Josaphat foi, em todas as atividades que exerceu, um padrão ético e moral. Serviu sempre a seu semelhante e à sociedade na busca da felicidade, agindo dentro do rigor das regras éticas e morais delineadas na Lei de Deus, impressa por Moisés, e no magnífico “Sermão da Montanha”, embora agnóstico. Combatente profissional na advocacia e na política, o professor jamais humilhou ou maltratou seus adversários.
Pautou-se pelas regras éticas da boa convivência, defen-dendo sempre com altivez e veemência suas idéias e posições. Via com naturalidade as opiniões em contrário, as dissensões manifestadas por adversários. Exigia e mantinha sempre o respeito recíproco, mas não convertia a discordância científica e política partidária em desavença pessoal. O antagonista de ontem podia ser, no futuro, o cordial correligionário no serviço à coletividade.
Dessa forma, procedeu desde os tempos da academia, convivendo com os contrários, e, no mundo das idéias, não pode vicejar a unanimidade. A dissonância é a regra na convivência social. Por isso mesmo correta a definição de que a Política é a arte da convivência entre contrários.
A intransigência política conduz ao radicalismo, ao ma-niqueísmo deturpador da ética, entendida como a ciência do amor.
Josaphat, nas aulas e na política, combateu sempre na defesa dos ideais democráticos, com firmeza, altivez, inde-pendência e coragem cívica, arrostando riscos. Sua conduta no Senado da República, nos dias que se seguiram à vitória da Revolução de março de 1964, é digna de ser estudada e proclamada como exemplo a todos os brasileiros. Os discursos que pronunciou contra o regime excepcional, os votos contrários à vontade revolucionária caçadora, figurarão sempre como peças marcantes de atuação desassombrada, serena, coerente e brilhante na defesa do ideal democrático.
Dedicou-se, com entusiasmo, a todas as causas que abraçou, impulsionado pela vocação ética de servir, para conquistar o respeito e o reconhecimento da sociedade pelo amor dedicado ao próximo, ideal dos que “fazem da vida pública um ofício, por ela renunciando a tudo mais, por ela penando, mas perseverando” como acentuou, em discurso, o líder Otávio Mangabeira, cujas lições Josaphat aprendeu e praticou, inclusive no aprimoramento da arte da oratória.
Eu o vejo ensinar-me a técnica do improviso, aprendida com o notável político: “Para o improviso, é necessário pensar como iniciar e como terminar o discurso. O recheio vem naturalmente”.
Combatente pelas melhores idéias em prol da sociedade, “estu-dante exemplar, bastante estimado e admirado pelos professores e colegas”, como acentuou o culto Luiz de Pinho Pedreira, o mais antigo e um dos mais íntimos amigos sobreviventes, Josaphat Marinho foi, por toda a vida, um leitor infatigável. Conheceu e praticou as lições dos sábios. Vocacionado à política, impregnou o espírito das lições de Aristóteles, exercitando, como poucos, a ética em todas as funções exercidas.
Absorveu os conceitos transmitidos a Nicômaco e os praticou como estudante, advogado, professor e político. Dedicado à causa pública, sustentou, com brilho, idéias que o nortearam nos meandros da vida profissional e particular. Foi sempre fiel às diretrizes que defendeu em prol da felicidade coletiva. Na advocacia, advertia que “não há interesse privado que se legitime ofendendo a imagem do Estado. Em sua perspectiva, maior se concentram direitos e valores, que limitam
a livre escolha do profissional”.
Aos que o criticaram por haver aceito apoios políticos de adversários, no passado, respondeu – em discurso de agradecimento à homenagem que a sociedade baiana lhe prestou em comemoração a seus oitenta anos – afirmando que as divergências políticas e ideológicas não impedem ou separam os adversários.
A advocacia e a política são atividades tipificadas pelo confronto de idéias voltadas ao bem estar do povo.
A lide forense se caracteriza pelas divergências de inte-resses submetidos ao julgamento do Estado. A concretização da Justiça é o ideal do homem, virtude essencial da sociedade civil, como acentuou Aristóteles, enfatizando que ela encerra todas as virtudes. No entanto, a defesa das idéias ou dos interesses contrapostos não impede a convivência política e social. As dissensões são naturais e, diria mesmo, essenciais ao exercício dessas nobilitantes funções.
Sendo assim, disse o mestre, neste discurso, “Mudadas as circunstâncias, cessavam as divergências, porque, no fragor dos combates, mantivemos o respeito recíproco, que impede a conversão da discordância partidária em luta pessoal. Ainda agora, exerço o mandato de senador, conquistado com a compreensão dos baianos e o apoio de um adversário de ontem, o ex-governador Antonio Carlos Magalhães, hoje também Senador, e não precisamos da identidade de todas as idéias para conservar a cordialidade e servir à Bahia.”
E eram sensíveis as diferenças ideológicas entre eles.
A conduta política de Josaphat, sempre pautada no rigor ético de bem servir à sociedade, condição essencial à personalidade virtuosa, pois ninguém é virtuoso para si ou pode alcançar sozinho a felicidade, foi positivada em sua despedida do Senado, findo seu segundo mandato, quando os senadores de todas as correntes políticas dele se despediram fazendo consignar, na ata da sessão memorável, as homenagens merecidas pelo político exemplar, e, em seguida, deu seu nome à sala de sessões da Comissão de Justiça, onde pontificou, na batalha pelas liberdades públicas, no respeito à lei e ao direito, indispensáveis à realização da Justiça, virtude essencial da sociedade civil.
Tive a satisfação de ser seu discípulo e amigo, e tenho procurado seguir seus conselhos, na trilha segura aberta por meu pai, seu companheiro de idéias e lutas políticas. Dou sempre o testemunho de sua conduta reta e brilhante na vida digna que consagrou a bem servir à sociedade, ideal do homem virtuoso.
Bom marido, pai estremado e fiel amigo, exerceu lide-rança política sem constrangimento de quantos seguiram sua liderança. Foi, sim, um homem singular e virtuoso, realizado na comunidade a que, com méritos, serviu.
Aos jovens ensinou com proficiência em todos os papéis desempenhados com talento no teatro da vida, legando um volumoso caudal de ensinamentos nos livros, discursos, pareceres, petições e artigos que produziu, cujo vulto se encontra registrado nos arquivos da Internet.
A admiração e a amizade que nos uniu me impuseram forças, no momento da celebração da missa de encomendação de seu corpo, no salão nobre da Reitoria da UFBA, a dele me despedir, com essas palavras que pude depois reproduzir:
“Cumprimos o doloroso dever de velar seu corpo e conduziremos à última morada. Fazemo-los contristados.
Encerra-se um agradável e proveitoso convívio de mais de 40 anos. Aprendemos muito com suas lições de direito e vida pública, toda ela dedicada à causa de servir ao povo, o que fez exemplarmente no ensino, na advocacia, na política e no jornalismo. Estivemos juntos nesses caminhos. Suas lições, esteja certo, permanecerão perenizadas nos livros, nos notáveis discursos e nos percucientes artigos, o último deles publicado hoje, em sua ‘A Tarde’, alertando e conclamando para a derrubada dos muros invisíveis levantados pelos países ricos, impeditivos do progresso das nações subdesenvolvidas.
Permanecerão conosco suas lições, e continuaremos a conversar no monólogo com nossas saudades.
Faz pouco, disse, em homenagem prestada a meu pai, que felizes os que têm saudades. É que, ao gosto de fel, a memória acrescenta o benfazejo mel das lembranças, que enchem de felicidade os corações privilegiados dos que as têm. Ficará em nossas saudades, nas recordações de seus muitos amigos e discípulos, antigos e novos.
Cumpriremos o amargurado ritual de levá-lo à sepultura. Entretanto, devolveremos somente o corpo à mãe natureza. A alma, neste dia de Páscoa, como nos disse o pastor, haverá de estar na companhia dos espíritos amigos que antes se foram, passeando nos jardins noticiados por Sócrates e prometidos por Cristo aos homens de boa vontade.”
E não tardou que a Bahia, por feliz iniciativa do consa-grado educandário “Dois de Julho”, onde lecionou o saudoso pastor Basílio Catalá, seu colega na Câmara Legislativa, cuidasse de perenizar sua memória, abrigando sua biblioteca, formada ao longo da vida com gosto e esmero científico e literário, e os inúmeros livros, pareceres e artigos elaborados na profícua e ética labuta para sobreviver com dignidade e virtuosidade, no rigor da definição aristotélica.
Loas a Faculdade “Dois de Julho”, que pode ostentar orgulhosa, como nome, a data magna da independência do Brasil, confirmada pelo sangue, suor e lágrimas dos bahianos, nas batalhas de Cabrito e Pirajá.
Felizes seus professores e alunos que testemunharão, no dia-a-dia nobilitante do aprendizado, a adoção, pela veneranda instituição de ensino, do conselho do notável poeta Castro Alves, no seu poema “O Livro e a América”:
“Oh, bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”