A ética na administração pública e na política

5 de dezembro de 2002

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Defina-se, inicialmente, o que se entende por ética, administração pública e política – enquanto vocábulos inseridos no contexto da vida nacional brasileira. A palavra política traduz o conceito de arte ou ciência da organização, direção e administração das Nações ou Estados. Por Nação ou Estado entenda-se o conjunto de indivíduos que habitam o mesmo território, falam a mesma língua, tem os mesmos costumes e obedecem a mesma lei.

Ressalte-se, pois, que a administração publica é uma forma de atuação política, e desse modo o Político e o Administrador público trabalham num mesmo campo, embora semeiem em setores distintos. Fundindo os conceitos do tema tratado aqui neste artigo, chegamos, à fortiori, à conclusão seguinte: fazer política, inclusive na forma de administração da coisa publica, e trabalhar para fazer progredir a sociedade brasileira, com base em preceitos que regulem os atos individuais e coletivos, segundo os valores de nossa cultura, com vistas a concretização da justiça e da eqüidade para todos os cidadãos.

No campo legislativo, não adianta apenas ter-se formulado uma regra for­mal (por exemplo, uma lei) se todos e cada um não estiverem intimamente convencidos da necessidade de observar tal regra, em nome de um valor, de um bem maior. Dessa dicotomia entre a norma elaborada e a não convicção de seu valor social e que surgiu, no Brasil, a famosa expressão das “leis que não pegam”. Neste caso, a prevalência de todo sobre as partes, na complexidade social dos homens, e, contrariamente ao que se possa imaginar, justamente, melhor garantia de satisfação da expectativa de realização pessoal dos indivíduos.

Contudo, o político vive intensamente o dilema da ética da convicção versus a ética da responsabilidade, em razão do compromisso que tem com a razão de Estado, com a coletividade que representa. Por isso, o político deve pesar, caso a caso, os desdobramentos previsíveis de suas decisões e considerá-los na sua escolha. É a ética da responsabilidade.

O fato de haver uma dualidade de mandamentos éticos, de o político ter de considerar a adequação entre meios e fins, bem como os resultados posteriores da decisão, não significa que todo curso de ação lhe seja permitido. Muito pelo contrário.

Sentimos que, atualmente, não há mais qualquer tolerância com o predo­mínio de interesses particulares ou setoriais sobre os interesses das pessoas humanas. Aqueles cujas ações tomam os demais homens como grandezas desprezíveis, ou a coisa pública como uma “ação entre amigos” ou o “quintal de sua casa”, são execrados, tanto nas indignadas conversas particulares quanto, cada vez mais amiúde, no espaço público. Assim, criou­-se, positivamente, um clima de clamor por “ética na política”.

Vivemos numa cultura que admite ser a pessoa humana detentora de uma dignidade essencial específica, cujo valor se sobrepõe a quaisquer circunstâncias políticas, econômicas e sociais. Essa certeza coletiva profundamente enraizada inclui a concepção de que o homem em sociedade tem, no respeito aos demais, a garantia da consideração por sua dignidade própria. Não se admite que grupos, corporações, poderosos ou influentes, governantes ou parlamentares, parentes ou amigos, torçam a lei em seu beneficio individual. Lealdade, amizade, senti mento, fidelidade ou parentesco podem ser bons e agradáveis aos diretamente interessados. Não podem, porem, de forma alguma, servir de pretexto para passar ao largo dos valores maiores da sociedade e para os infringir.

Só com a “boa política” – e com sua prática constante – afasta-se a “má política”. Mas ha um preço: não abdicar de sua dignidade e do exercício de sua cidadania. Temos de fazer o que se deseja que todos façam. Insistir diurturnamente, pelo   exemplo principalmente, no processo dinâmico da história, nos valores, na sua sustentação e na sua vigência.

A saturação com o descalabro no funcionamento de alguns governos e com a falta de decoro de alguns governantes, políticos, administradores, funcionários é, infelizmen­te, um fato. Não é raro constatar-se uma espécie de neomaniqueísmo: são maus, ou supostamente “mais”, os que governam; seriam “bons” todos os demais. Essa divisão simplista entre “bons” e “maus” revela um equivoco elementar na opinião pública e nos que a influenciam, formam ou conduzem. Esse equivoco e, muitas vezes, alimentado pela atuação dos meios de comunicação social, pela insistência indiscriminada de que a política e a atuação política sejam “culpadas” de conduta imoral ate prova em contrário.

Cabe concluir, portanto, que a expectativa do cidadão comum e de que efetiva­mente sejam cumpridas as regras e respeitados os valores por aqueles que exigem seu cumprimento por parte dos cidadãos. Ou seja, o mandatário no Estado não é um cidadão “incomum”, mas o primeiro, entre os servidores da sociedade e de seus valores, na defesa da ética na administração pública e na política. Não há1 dúvida de que tais conceitos ganham amplo terreno em todas as camadas sociais e se vão consolidando na consciência dos brasileiros. É uma expectativa feliz para uma Nação democrática.