A exigibilidade da contribuição social geral do art. 1o da LC no 110/2001

16 de setembro de 2015

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alessandraA análise da contribuição social geral do art. 1o da Lei Complementar (LC) no 110/2001 ganha novamente importância em razão do crescimento das ações judiciais em que se discute a sua inexigibilidade diante do exaurimento de sua finalidade, uma vez que a União teria ressarcido integralmente todos os beneficiários do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cuja lesão foi reconhecida no julgamento do RE 226.855.

A LC no 110/2001 alterou as obrigações do empregador ao estabelecer duas novas contribuições. A primeira, devida no caso de demissão sem justa causa, à alíquota de 10% sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas (art. 1o). A segunda, devida sobre a alíquota de 0,5% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990 (art. 2o). Com relação à segunda contribuição, a Lei expressamente trouxe um limite temporal para a sua exigibilidade (prazo de 60 meses). 

Referida Lei tratou, outrossim, da possibilidade do titular da conta de FGTS celebrar “Termo de Adesão” com o objetivo de ser creditado o complemento de atualização monetária referentes aos Plano Verão e Collor I (período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990).

A instituição e a cobrança de referida contribuição já foram objeto de análise pelo C. Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu por sua constitucionalidade (Adin 2.556). Ademais, a nova tese também já havia sido sustentada naquele processo, mas se entendeu que a apresentação de novo paradigma para fins de análise do controle de constitucionalidade não tinha cabimento no estágio em que o feito tramitava, sem prejuízo de sua apreciação em nova oportunidade.

Cumpre ainda consignar que, nos autos da Medida cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade no 2.556-2, o STF já havia decidido, liminarmente, que referida contribuição tinha a natureza jurídica de contribuição social geral e, de conseguinte, submete-se à regência do artigo 149 da Constituição Federal.

Atualmente, o problema é saber se a contribuição prevista no art. 1o da referida Lei ainda é exigível. A propósito disso, há quem pense que, como a contribuição foi instituída com o objetivo de suprir os prejuízos do fundo em razão do pagamento das indenizações pelos expurgos (e a finalidade da norma será o principal aspecto que será enfocado neste artigo), atualmente não haveria mais espaço para a exigência da exação.

O presente artigo objetiva analisar essa nova linha argumentativa a partir da teoria da norma jurídica.

Segundo Norberto Bobbio (2011, p. 42), norma jurídica é a norma “cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada”.

Aurora Tomazini de Carvalho (2014, p. 284) leciona que o termo norma jurídica pode ser utilizado para
denotar os enunciados do direito positivo, a significação deles construída e a significação deonticamente estruturada:

Toda confusão se instaura porque utilizamos-nos da expressão “norma jurídica” para designar as unidades do sistema do direito positivo, quando este, por manifestar-se em linguagem, apresenta-se em quatro planos: (i) S1 – plano físico (enunciados prescritivos); (ii) S2 – plano das significações isoladamente consideradas (proposições jurídicas); (iii) S3 – plano das significações estruturadas (normas jurídicas); e (iv) S4 – plano da cotextualização das significações estruturadas (sistema jurídico). Temos, assim, pelo menos, três tipos de unidades ontologicamente distintas, dependendo sob qual plano analisamos o sistema jurídico.

Nas duas primeiras situações, trata-se de norma jurídica em sentido amplo e, nas duas últimas, de norma jurídica em sentido estrito.

Ademais, quando se pensa na teoria da norma jurídica, não se pode desconsiderar a três valorações possíveis, conforme ensinamentos de Norberto Bobbio (2014, p. 48):

O primeiro ponto que, a meu juízo, é preciso ter bem claro em mente se quisermos estabelecer uma teoria da norma jurídica com fundamentos sólidos, é que toda norma jurídica pode ser submetida a três valorações distintas, e que essas valorações são independentes umas das outras. De fato, frente a qualquer norma jurídica podemos colocar uma tríplice ordem de problemas: 1) se é justa ou injusta; 2) se é válida ou inválida; 3) se é eficaz ou ineficaz. Trata-se dos três problemas distintos: da justiça, da validade e da eficácia de uma norma jurídica.

Cumprido o processo legislativo descrito para a produção de dada norma, ela integra o ordenamento jurídico e se diz válida (validade da norma jurídica com o sentido de pertencimento a dado ordenamento). Apenas com a publicação é que se pode falar em vigência.

Segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr., vigente “é a norma válida (pertencente ao ordenamento) cuja autoridade já pode ser considerada imunizada, sendo exigíveis os comportamentos prescritos. Vigência exprime, pois, a exigibilidade de um comportamento, a qual ocorre a partir de um dado momento e até que a norma seja revogada”. Em outras palavras, vigência é o tempo de validade da norma.

Após a integração/inserção de uma norma ao ordenamento jurídico (este entendido como conjunto de normas), como regra geral, ela depende de outra norma para deixar de valer, exceto se ela já trouxer o comando limitador de sua vigência, seja referindo a certo tempo, seja referindo a uma condição de fato.

No que se refere à cessação da norma, preleciona Maria Helena Diniz (2011, p. 419-420) que são duas as hipóteses de cessação:

1a) A norma jurídica pode ter vigência temporária ou determinada, pelo simples fato de que o seu elaborador já fixou-lhe o tempo de duração, p. ex., as leis orçamentárias, que fixam a despesa e a receita nacional pelo período de um ano; aquela que concede favores fiscais durante dez anos às indústrias que se estabelecerem em determinadas regiões; ou as leis que subordinam sua duração a um fato: guerra, calamidade pública etc. Tais normas desaparecem do cenário jurídico com o decurso do prazo preestabelecido”;

2a) A norma de direito poder ter vigência para o futuro sem prazo determinado, durante até que seja modificada ou revogada por outra. Não sendo temporária a vigência, a norma não só atua, podendo ser invocada para produzir efeitos, mas também tem força vinculante (vigor) até sua revogação. Trata-se do princípio de continuidade, que assim se enuncia: não se destinando a vigência temporária, a norma estará em vigor enquanto não surgir outra que a altere ou revogue (LICC, art. 2o). 

Tercio Sampaio Ferraz Jr. denomina a primeira hipótese acima de caducidade. Segundo ele (2008, p. 173):

Esta ocorre pela superveniência de uma situação, cuja ocorrência torna a norma inválida sem que ela precise ser revogada (por norma revogadora implícita ou manifesta). Essa situação pode se referir ao tempo: uma norma fixa o prazo terminal de sua vigência; quando este é completado, ela deixa de valer. Pode referir-se a condição de fato: uma norma é editada para fazer frente à calamidade que, deixando de existir, torna inválida a norma. Em ambas as hipóteses, a superveniência da situação terminal é prevista pela própria norma. Mas, do ângulo da decidibilidade, há diferença: quando a condição é dado certo (uma data), não há o que discutir. Quando envolve imprecisão, exige argumentação (por exemplo: quando deixa de existir a calamidade prevista, com todas as suas sequelas?).

Nesse passo, a inexigibilidade da contribuição social geral do art. 1o da LC no 110/2001 em razão do exaurimento de sua finalidade seria hipótese de caducidade. Em outras palavras, haveria caducidade do art. 1o da Lei Complementar no 110, de 29 de junho de 2001, em decorrência da superve­niência da condição de fato, ou seja, o pagamento e extinção da despesa para a qual a contribuição nele prevista foi criada (exaurimento de sua finalidade).

Da leitura do texto legal é possível verificar que, diversamente da contribuição instituída no art. 2o de referida lei (art. 2o, § 2o A contribuição será devida pelo prazo de sessenta meses, a contar de sua exigibilidade), a lei não estabeleceu um prazo final para a contribuição prevista no art. 1o

Em outras palavras, não é possível extrair do texto legal o termo final da norma jurídica estabelecida no art. 1o da Lei Complementar no 110, de 29 de junho de 2001, seja por meio da fixação de um prazo, seja por meio da previsão de uma situação de fato (por exemplo, existência de débitos referentes aos Planos Econômicos).

A Lei Complementar no 110/2001 não trouxe, portanto, qualquer situação de caducidade da cobrança da contribuição prevista em seu art. 1o.

Ademais, em seu parágrafo 1o do art. 3o, o próprio texto legal trouxe a destinação das receitas recolhidas em razão das contribuições que instituiu, ou seja, “as respectivas receitas serão incorporadas ao FGTS”. 

Em não havendo qualquer termo final no próprio diploma legal, os defensores da caducidade da referida exação se valem do que constou da exposição de motivos da Lei Complementar no 110/2001.

De conseguinte, duas questões se colocam. A primeira refere-se à existência de força obrigatória/normativa da exposição de motivos. A segunda, que surge no caso de superação da primeira questão, diz respeito à análise da criação pela exposição de motivos da condição de fato para a cessação da validade da norma jurídica e se referida situação já ocorreu.

No tocante à primeira questão, dada a similitude com o preâmbulo da Constituição, importante trazer à baila trecho do voto do Ministro Carlos Veloso nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 2.076-5, ocasião em que o C. STF firmou o entendimento de que o preâmbulo não integra o corpo da Constituição e, portanto, não é norma jurídica:

O preâmbulo, ressai das lições transcritas, não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. É claro que uma Constituição que consagra princípios democráticos, liberais, não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos. Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta: princípio do Estado Democrático de Direito, princípio republicano, princípio dos direitos e garantias etc. Esses princípios, sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado-membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição estadual, incidirão na ordem local.

Em consequência, embora a exposição de motivos traga valores que auxiliam na interpretação, a exposição de motivos relativa à LC no 110/2001 não possui “força” para vincular a validade de uma norma jurídica a qualquer situação nela mencionada.

Contudo, ainda que ultrapassado esse ponto e fosse entendido pela possibilidade da exposição de motivos trazer hipótese de caducidade da contribuição social, não é isso o que se depreende da análise de suas disposições.

Isso porque, embora a necessidade de pagamento dos valores devidos em decorrência dos Planos Econômicos tenha constado expressamente da exposição de motivos, verifica-se que em nenhum momento foi o único motivo veiculado naquele instrumento com a finalidade de justificar a elaboração de referido Projeto de Lei.

Dessarte, é possível apreender da exposição de motivos a importância do Fundo como patrimônio dos trabalhadores, bem como a sua função social relevante que ultrapassa o mero pagamento dos expurgos inflacionários: “O FGTS, como se sabe, constitui verdadeiro patrimônio dos trabalhadores e cumpre uma função essencial de valorização do tempo de serviço” e mais adiante “não obstante, o FGTS foi afetado em sua capacidade de atender integralmente seus objetivos por elevadas taxas de inflação e por determinados planos econômicos”.

Ademais, vislumbra-se que também constou como justificativa para a criação de referidas contribuições o objetivo de induzir a redução da rotatividade no mercado de trabalho brasileiro.

De conseguinte, a exposição de motivos não poderia e não trouxe qualquer situação de fato apta a ensejar a caducidade da contribuição prevista no art. 1o da Lei Complementar no 110/2001, ou seja, a exposição de motivos não previu que a finalidade para a criação de referida contribuição fosse apenas o pagamento de valores decorrentes dos planos econômicos.

Com efeito, embora tenha constado como justificativa histórica também a cobertura dos expurgos nas correções monetárias das contas fundiárias, extrai-se da própria exposição de motivos e do texto legal que sua finalidade não se limitou a isso. No texto legal houve referência apenas “ao FGTS”, vale dizer, a contribuição foi criada como fonte de recurso à composição do Fundo, sem a necessidade de que fosse voltado a pagar diferenças de expurgos necessariamente.

A finalidade da contribuição do art. 1o da LC no 110/2001, portanto, é que seus valores integrem o FGTS. Em outras palavras, o produto de sua arrecadação está afetado ao FGTS. 

O FGTS, por sua vez, a par de compor as contas fundiárias dos trabalhadores, possui finalidades mais amplas, ou seja, tem por objetivo também a alocação de recursos em política nacional de desenvolvimento urbano e em políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura, nos termos da Lei no 8.036/1990.

De conseguinte, tendo em vista que a destinação legal da contribuição, ou seja, o FGTS, ainda existe e necessita de recursos para o atendimento de suas diversas finalidades, conclui-se que a contribuição em comento não perdeu seu objeto legal.

Referência Bibliografia ___________________________

BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Ariani Bueno Sudatti e Fernando Pavan Baptista. 5. ed. rev. 1. reimp. São Paulo: EDIPTRO, 2014.

____. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. São Paulo: EDIPRO, 2011.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2014.

DINIZ, Maria Helena Diniz. Compêndio de Introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

Nota _____________________________

1 Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 166.