A honra ou o vitupério

30 de setembro de 2005

Compartilhe:

(Editorial originalmente publicado na edição 62, 09/2005)

Na história do Congresso Nacional, desde os tempos do Império até os dias atuais, nunca havia acontecido uma imundice imoral e infamante quanto a desmoralização que se abate hoje contra a Câmara dos Deputados.

As denúncias comprovadas do assalto nauseabundo praticado contra o erário público, por ministros e altas autoridades do Executivo, em conluio com deputados e apaniguados do Governo, demonstram claramente a patifaria que está alojada nos altos escalões do Executivo e do Legislativo.

As virulentas palavras do deputado cassado Roberto Jefferson, acusando frontalmente na presença de 489 Deputados, silentes e estupefatos, afirmando debochadamente que a Câmara havia sido tratada pelo Executivo como um prostíbulo, fazendo da Casa o conflito como se fosse um velhacouto de corruptos, são de estarrecer um frade de pedra.

Os conceitos emitidos por Roberto Jefferson da tribuna da Câmara, perante atônita, aparvalhada, calada e humilhada corporação, expondo com seu lancinante mas hipócrita discurso de despedida do Congresso, reflete tristemente o grau de decomposição moral que se encontram os Poderes Executivo e Legislativo em face dos acontecimentos, o que, infelizmente, respalda a conceituação acima.

Os dilapidadores dos dinheiros públicos, arrancados da população que se encontra carente e desassistida, e, sobretudo, revoltada e humilhada pelo espetáculo de vergonha, descrédito e safadezas praticadas pelos traidores da confiança dos eleitores, tem necessariamente de passar pela guilhotina da cassação, expulsão e penalização criminal exemplar, o que se espera venha a ser feita pela maioria da Câmara dos Deputados, – que apesar da tolerância e irresponsabilidade pelos fatos ocorridos, – tem ainda e agora, a oportunidade de tentar recuperar, senão a honra maculada, mas, pelo menos um pouco da dignidade e compostura conspurcada.

Os deputados têm obrigação de limpar o monturo do criminoso descalabro descoberto, buscando todas as minúcias da ladroagem nos meandros das velhacarias praticadas, lancetando o tumor maligno da corrupção e, sobretudo, higienizando exemplarmente o ambiente da Câmara, sob pena de continuar se chafurdando na putrefação dos negocistas inescrupulosos.

A população, que assiste estarrecida pela televisão os infames e infaustos acontecimentos, se sente aturdida, enganada e traída pelos seus representantes, havendo o risco de ocorrer a descrença e a desmoralização irremediável dos deputados, e o mais grave, o repúdio irreversível à Instituição nas próximas eleições de 2006.

A história do Brasil deixou como testemunha dos tempos, episódios que nodoaram e macularam os sentimentos que nos evoca o auri-verde pendão, depreciando e deixando marcas indeléveis na alma do povo.

As tristes lembranças da escravidão, que envergonharam a Nação perante o mundo; o vergonhoso massacre de Canudos e os trucidamentos dos últimos episódios da guerra contra o Paraguai, que se tornaram verdadeiros genocídios; a morte do Presidente Getúlio Vargas em 1954; a deposição de João Goulart em 1964, com a implantação da ditadura militar, com torturas e mortes ocorridas, causando lágrimas e sacrifício do povo e, conseqüentemente, deixando a nódoa da revolta, vergonha e opróbrio.

Agora, mais do que nunca, quando 55 milhões de eleitores foram às urnas e deram seus votos de confiança e esperança, na expectativa de um governo voltado para o social, para a moralidade pública, a implantação da ética na administração, ao se verem frustrados pela contrafação dos fatos e da realidade, só lhes restando a apatia e a desesperança.

Diante dos fatos ocorridos e da realidade fria e contundente dos acontecimentos que já culminaram com a cassação do deputado Roberto Jefferson, é de se esperar que os deputados prossigam através das CPIs, na faina profilática de higienização ética e moral, para restaurar, recuperar e restabelecer o devido conceito de dignidade da Câmara Federal, em especial para que o povo volte a confiar e respeitar o Poder Legislativo, já que o Executivo perdeu a confiança popular, como apontam as últimas pesquisas divulgadas.

As decisões do Supremo Tribunal Federal através dos respeitáveis despachos dos Ministros Nelson Jobim, Carlos Velloso e Ayres Britto,  – ao contrário dos protestos e estranheza de alguns – veio restabelecer e impor a seriedade do respeito à lei e ao legítimo direito de defesa que, apesar das provas contundentes apuradas contra os indigitados e meliantes deputados, – devem e têm de ser obedecida – como havia sido alertada pela eminente deputada e ex-juíza Denise Frossard, que criticou a mesa da Câmara por ter decidido enviar os processos de cassação, diretamente para o Conselho de Ética, sem passar pela Corregedoria, que disse: “O STF parou o Congresso numa função constitucional que é sua, de punir os parlamentares. Mas os equívocos começaram na própria Casa, quando a Corregedoria cometeu o erro grosseiro de não conceder o prazo de cinco sessões para defesa dos acusados”.

Decorridas as sessões da Câmara, em obediência aos prazos determinados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, para observância do direito de defesa dos deputados envolvidos nos escândalos já apurados, é recomendável que as CPIs, apesar dos estafantes trabalhos dos membros das respectivas comissões, melhor se organizem para disciplinação e dar celeridade aos depoimentos, evitando no possível, as reiteradas e cansativas perquirições dos acusados e respectivas testemunhas envolvidas.

Assim, ou se conquista e restabelece a dignidade, o respeito e, sobretudo, a honra da Câmara, – que estão perdidos no seio do povo – com a inapelável cassação dos comprovados e corruptos deputados, ou se instalará definitivamente naquela Casa, o patíbulo do vitupério.