A idade de Duro

5 de junho de 2003

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Alguém seria capaz de imaginar um rei cego, com 95 anos, comandando urna tropa de 24.500 soldados e uma frota de 480 navios? Esse homem se chamava Enrico Dandolo. Foi o 39º dodge a governar Veneza e chegou ao poder aos 85 anos. Dandolo comandou a Quarta Cruzada, em 1202, e derrotou o exercito do Império Bizantino ao tomar Constantinopla, hoje Istambul. o feito de Dandolo entrou para a História. Para ganhar essa guerra, de usou tudo o que aprendera em muitas outras guerras. A sabedoria tornou-o um vencedor.

Muito tempo depois, em 1921, um outro sábio era deito senador da República pela Bahia, e membro da Corte Permanente de Justiça da Liga das Nações. Tinha 72 anos e se chamava Ruy Barbosa. Dois anos antes, de havia perdido as eleições presidenciais para Epitácio Pessoa. Ruy foi um exemplo de sabedoria a serviço da pátria.

Tão distante no tempo e na geografia, Ruy e Dandolo tem em comum o fino de servirem bem a seus países na mais alta maturidade. Homens como esses constituem uma parte importante do patrimônio de uma nação. Tirá-los de combate, por meio de uma aposentadoria compulsória, e subtrair nosso direito de aprender com eles. É impedi-los de nos dar o melhor da sua experiência de vida.

Barbosa Lima Sobrinho viveu mais de um século e, com mais de 90 anos, foi um dos líderes do movimento que culminou com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Ele assumiu a presidência da ABI com 80 anos e lá permaneceu até o fim da vida, trabalhando e publicando regularmente seus artigos. Se tivesse ido para casa aos 70 anos, Barbosa Lima Sobrinho teria visto de pijamas a História passar, sem influir um milímetro no destino do Brasil.

Há poucos dias, o ministro Jose Carlos o Moreira Alves, uma das melhores cabeças jurídicas do país, deixou o Supremo Tribunal Federal. Um sábio do direito, foi ministro do Supremo durante 27 anos e foi obrigado a ir para casa porque chegou aos 70 anos.

Quanto custa para o Brasil fazer um Moreira Alves? Sem dúvida, muito dinheiro. Quando um homem do quilate de Moreira Alves vai para casa, não é ele quem perde. Perde o Brasil, perde o seu povo. Além de, também estão se aposentando compulsoriamente os ministros Sidney Sanches e Ilmar Galvão. Todos em plena forma.

No Brasil, infelizmente é assim. Quem chega aos 70 anos é posto para fora do serviço público. Não importa quanto a sua cabeça ainda possa produzir, não interessa quanta falta possa fazer ao país, ele é impedido de continuar ajudando a todos com sua sabedoria e experiência.

Uma lei que obriga homens e mulheres, em plena capacidade intelectual, a deixar o serviço público não serve a um país que paga caro para formar sua elite intelectual. Um país que carece tanto de maturidade, experiência e equilíbrio não pode cometer esta imprudência.

Alguém pensaria em aposentar o professor Cerqueira Leite, um dos físicos mais importantes do mundo? Alguém desejaria ver o ator Paulo Autran, que tem 80 anos, fora dos palcos? Quem conseguiria imaginar Antonio Ermínio de Moraes afastado de sua empresa? Otávio Mangabeira, um dos mais notáveis políticos baianos, usou toda a sabedoria que seus 70 anos lhe conferiam para ajudar a impedir, em novembro de 1955, o golpe militar contra a posse de Juscelino Kubitschek. Ninguém haveria de querer que de estivesse aposentado a essa época. Por que, então, o serviço público exclui o talento dos mais experientes?

Defendo que a aposentadoria do ministro de tribunal superior, da professora universitária, do médico, do burocrata de carreira, passe a ser obrigatória somente a partir dos 75 anos. Há quem ache que um homem de 75 anos não tem Born rendimento profissional. É um engano. Foi-se, há muito, o tempo em que as pessoas de 70 anos calçavam chinelos e ficavam em casa tricotando ou vendo televisão.

Hoje, vive-se mais e muito melhor. Os mais velhos estão viajando, estão praticando esportes, estão se informando. Deixemos que os médicos decidam se eles podem ou não continuar emprestando ao país o seu talento. Para que isso aconteça, é preciso mudar a lei.

Elevar para 75 anos a idade da aposentadoria obrigatória no setor público e uma medida de economia: evitamos que cérebros privilegiados troquem o serviço público pela iniciativa privada, e damos ao país a garantia de que esses cérebros continuarão produzindo, por mais tempo, para a nação. De acréscimo, investimos em sabedoria e experiência. E ainda fizemos justiça com pessoas que desejam continuar sendo úteis para o seu país. Não é por acaso que verso de Caetano diz que o homem velho é o rei dos animais.