Edição 263
A importância das cláusulas híbridas e escalonadas na solução de disputas
1 de julho de 2022
Daniel Brantes Ferreira Diretor Executivo do CBMA
Introdução
As partes, dentro do sistema multiportas, podem optar por distintos mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos (negociação, mediação, dispute boards, arbitragem, etc.).
A arbitragem nasce do exercício da autonomia (assim como as outras formas alternativas de solução de conflito) da vontade das partes que optam por inserir uma convenção arbitral (cláusula compromissória) em seu contrato. Por sua vez, uma cláusula contratual de solução de disputas que prevê a utilização de vários mecanismos distintos é denominada de cláusula escalonada ou cláusula multietapas. Já uma cláusula de solução de disputas híbrida prescreve apenas uma etapa prévia (em regra a mediação) a instauração da arbitragem (por exemplo, a cláusula med-arb).
Ao pactuarem uma cláusula de solução de disputas híbrida ou escalonada, as partes devem ser ainda mais cautelosas. Uma cláusula escalonada típica requer que as partes realizem, de forma prévia à arbitragem, discussões amigáveis (negociação), seguidas de uma mediação ou outra modalidade de alternative dispute resolution (ADR) e, por último, culminando na arbitragem.
Elaborando uma cláusula compromissória
No momento da elaboração do contrato, idealmente o advogado deve analisar de forma minuciosa todos os possíveis conflitos possíveis de surgir. Somente assim poderá indicar a melhor forma de solução de disputas. Idealmente, e para evitar entreveros, vale utilizar as cláusulas padrão sugeridas pelos centros reputados de mediação e arbitragem. Tais cláusulas se remetem automaticamente aos seus regulamentos de mediação e arbitragem. No Brasil os centros mais indicados constam da lista da Leaders League.
Caso não seja essa a opção e as partes decidam elaborar uma cláusula de solução de disputas customizada, alguns cuidados devem ser observados, tais como: (i) possuir clareza quanto a solução de disputa escolhida; (ii) especificar o local da arbitragem; (iii) especificar a lei aplicável; (iv) versar sobre a qualificação exigida dos árbitros e sobre a forma de nomeação; (v) especificar a língua que será utilizada no procedimento arbitral; (vi) afirmar se haverá confidencialidade e, em caso afirmativo, se esta será integral ou parcial; (vii) especificar o escopo de competência dos árbitros, ou seja, que questões deverão ser decididas na arbitragem. São as chamadas carve-out clauses, nas quais as partes decidem encaminhar certos tipos de disputa ao Judiciário e outras disputas ao tribunal arbitral, limitando assim a competência dos árbitros na convenção arbitral.
Cláusulas escalonadas – vantagens e desvantagens
Com relação às cláusulas escalonadas temos como principais vantagens, por exemplo: (i) Menor custo e maior celeridade do que recorrer diretamente a um procedimento arbitral; (ii) a possibilidade de solução de conflito através de mecanismos autônomos (mecanismos não adversariais); (iii) o formato de solução de conflitos por camadas ou etapas pode prover uma etapa que seja mais adequada para solução de conflitos complexos; (iv) a mediação, etapa prévia da arbitragem, também é confidencial e geralmente realizada por profissional distinto do árbitro, ou seja, as informações ali reveladas não serão de conhecimento do árbitro caso as partes não alcancem um acordo; (v) as várias etapas possibilitam as partes refletirem sobre os fatos que geraram a disputa (contractual cooling-off period) e assim, alcançam uma visão mais realista sobre uma possível solução mesmo que seja na arbitragem; (vi) as várias etapas podem gerar maior rapport entre as partes e, por conseguinte, uma melhor relação. Isso se torna essencial se as partes possuem uma relação comercial continuada que desejam preservar.
As principais desvantagens do uso das cláusulas escalonadas surgem quando estas são elaboradas de forma equivocada. As etapas previstas devem, portanto, ser elaboradas de forma detalhada e clara para que possibilitem a efetivação de um acordo. Além disso, quando as partes estão entrincheiradas em suas posições negociais e não há possibilidade de acordo as etapas de negociação e mediação podem significar dispêndio desnecessário de tempo e, portanto, recursos.
Para evitar atrasos desnecessários na solução do conflito as partes devem, idealmente, especificar o período de cada fase prévia à arbitragem (por exemplo, a mediação durará seis semanas e, não sendo possível o acordo, terá início a arbitragem). Portanto, sendo ineficiente a mediação, por exemplo, ao final do período estipulado a disputa será automaticamente encaminhada para a arbitragem (a não ser que ocorra acordo entre as partes para continuarem naquela etapa). São as denominadas time clauses.
Idealmente, conforme já mencionado, e para evitar transtornos, as partes devem utilizar as cláusulas de solução de disputa padrão das instituições. Tais cláusulas encontram-se em seus sites. Como exemplo trazermos a cláusula híbrida do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA):
Todas as controvérsias oriundas ou relacionadas ao presente contrato serão encaminhadas ao CBMA para que sejam resolvidas, primeiramente, por mediação, nos termos do respectivo Regulamento. Não logrando êxito a mediação, a controvérsia será resolvida por arbitragem, nos termos do Regulamento do CBMA, por um ou mais árbitros nomeados nos termos do referido Regulamento.
No CBMA, por exemplo, conseguimos observar o crescimento da utilização das cláusulas híbridas (med-arb). Em nove casos em que foi utilizada a mediação prévia a arbitragem, apenas em um as partes não atingiram acordo e, portanto, ocorreu arbitragem. Em suma, a mediação tem se demonstrado com alto grau de eficácia. O tempo de duração das mediações é variável. O CBMA possui como média de tempo das mediações um período de sete meses, possuindo mediações que se encerraram em apenas 15 dias.
Nota Conclusiva
Tanto na seara doméstica quanto internacional há a percepção de que, a depender do conflito, é salutar a utilização de mais de uma porta de solução de conflitos dentro do conceito de tribunal multiportas.
Os métodos autônomos de solução de conflitos, tais como a mediação e negociação, são muito menos custosos para as partes e se, por vezes, não são capazes de solucionar o conflito na sua integralidade, sempre poderão solucionar partes do conflito e melhorar a relação das partes.
A arbitragem e o Judiciário sempre serão opções finais para a solução de um conflito, no entanto, nesses casos, as partes terão que cumprir a decisão de um terceiro imparcial, ou seja, renunciarão a sua capacidade de solucionar o próprio conflito.
Portanto, se aconselhar com profissional conhecedor do ecossistema de conflitos local e das mais variadas formas de solução de conflitos com capacidade holística de análise de um contrato, sem dúvida, é o início para a solução de um conflito de forma eficiente em termos de tempo e dinheiro.
Notas______________________
1 Disponível em https://bit.ly/3mYv1W2. Acesso em: 14/6/2022
2 Disponível em https://bit.ly/3y2jETs. Acesso: 14/6/2022.