A judicialização da política e a politização da justiça

4 de dezembro de 2020

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Cuido, aqui, de duas faces do mesmo problema. De um lado os políticos; de outro os magistrados. E a consequência de suas ações para o desequilíbrio dos Poderes.

A Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na Carta de 1988, a qual, por esses sortilégios que só a democracia explica, mas que a qualidade dos homens públicos ali presentes reforça e que ainda se encontra em vigor, foi o último milagre político produzido pelo Parlamento brasileiro.

As pessoas que ali estavam, que divergiam, que tinham suas diferenças ideológicas e que representavam suas cores partidárias, souberam, no entanto, entender a dimensão superlativa do papel que desempenhavam e resolveram tudo, as diversas, candentes, controversas e importantes questões em pauta nos debates em plenário, no voto, ou através de um trabalhoso consenso. Não passava pela cabeça de ninguém recorrer, por qualquer questiúncula, ao Judiciário, para que este interviesse e dissesse o que tinha de ser feito.

O Parlamento, que é por origem o Poder mais legítimo que existe, porque todo formado por representantes do povo, não abdicava de sua natureza e de suas atribuições. Ganhou, ganhou; perdeu, perdeu. Era do jogo. É do jogo, aliás, quando a política é exercitada com “P” maiúsculo.

Hoje, porém, tudo mudou. Mudaram os homens, mudaram os tempos. Os homens que fazem política, em número esmagador, apequenaram-se. Configuram, não tenho a menor dúvida, a pior safra de nossa história. E é essa turma que renuncia à sublime tarefa que lhes foi conferida pelo voto popular, que reclama do protagonismo do Judiciário. Acontece que o protagonismo do Judiciário é o resultado colateral da incapacidade ou da má-fé do derrotado na seara política de assimilar eventual revés e de reagir, como seria natural e de se esperar, pelas vias políticas. Responde de modo diverso: perdeu no jogo; quer vencer no tapetão.

Mas o Judiciário, em especial em sua cúpula,  deveria também ter uma atuação morigerada e interferir menos em outros poderes. Magistrado não pode, por exemplo, ficar dando entrevistas sobre processos que preside, nos quais atua ou que vai decidir, porque assim estará violando, acintosamente, a máxima segundo a qual “juiz só fala nos autos” e contaminando suas decisões com a mácula do prejulgamento e da falta de parcialidade. Antigamente, em tempo que não vai longe, quando sofríamos ou víamos alguém sofrer uma injustiça, tínhamos a certeza de que o Supremo Tribunal Federal (STF) daria a última e a mais sábia palavra. Hoje, porém, não apenas o STF, mas também outras cortes superiores nos surpreendem, volta e meia, com decisões discrepantes em torno do mesmo assunto, fazendo de outra máxima, a segurança jurídica, apenas um enunciado sem valor.

O que vem acontecendo é que o Judiciário está sendo indevidamente chamado para encontrar saídas jurídicas a questões políticas, o que nunca vai dar certo.

A solução? Um bom começo seria que cada um dos poderes voltasse a atuar de acordo com a sua destinação. E que a política não entrasse nos tribunais e que estes não se deixassem contaminar pela política, pois, não custa lembrar a lição de François Guizot, o qual nos alertava: “Quando a política penetra no recinto dos tribunais, a justiça se retira por alguma outra porta”. E como se tem retirado no Brasil… Já houve tempo, não custa lembrar, que diante de uma pendenga tipicamente política, diziam os tribunais: “Trata-se de questão interna corporis do Parlamento…”. E não adentravam, de maneira sensata, no mérito da causa.

Dos poderes da República, o Judiciário é o único que não tem mandato direto do povo. Não pode cair na armadilha dos maus políticos e nem se politizar, porquanto a politização seria o seu fim.