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A maioridade criminal comentários úteis

31 de março de 2007

Luiz Felipe da Silva Haddad Desembargador aposentado do TJRJ

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Nestes dias, quando nossa sofrida sociedade ainda não se recuperou do trauma causado pelo crime hediondo praticado por delinqüentes cruéis em uma criança indefesa e inocente, discute-se muito sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8069/1990 – e, principalmente, sobre o limite mínimo de 18 anos de idade para a responsabilidade na esfera penal. Entretanto, em verdade, muita tinta tem sido derramada acerca desse assunto, já por várias décadas, e sem resultado prático.

O Brasil é o único país do mundo que dá a esse tipo de norma um status constitucional. E, pior ainda, para conceituados juristas, imune à alteração por emendas – “cláusula de pedra” – pela Carta Magna de outubro/1988, a qual, em que pesem suas qualidades renovadoras em prol da cidadania, foi eivada de exageros na proteção de direitos individuais. Talvez pelo clima emocional, que então medrava, de repúdio ao sistema ditatorial, em fases duras e brandas, que perdurou entre abril/1964 e março/1985.

Não faz sentido, em uma democracia equilibrada, que tal limitação etária seja alçada ao nível de garantia fundamental, nem que seja, como exemplo que beira ao ridículo, a proibição de ser identificado criminalmente quem já o tenha sido, civilmente, o que tem causado problemas sérios, quando um meliante pratica crime no uso de carteira de identidade, falsificada, de terceiro. Não se justifica que pessoas de determinada geração “engessem” as de tempos futuros, com ditames de pouco ou médio conteúdo substantivo. Impõe-se uma reforma da Lei Maior para que a natureza “de pedra” se resuma à forma republicano-federativa, à unidade nacional e ao regime democrático, no que lhe seja de essência. Nada mais.

Tirante esse aspecto e pensando-se na norma, pura e simplesmente, observa-se do acerto em baixar tal limite para 16 anos, e isso por experiência lógica, tão-somente. Não há como comparar o adolescente, ou jovem, de 2007, com o adolescente, ou jovem, de 1940, 1950, 1960 ou mesmo de 1970. Além de a informação, sobre tudo da vida, ser bem mais larga, havendo muito mais facilidade para atitudes e experiências diversas, e muito mais autonomia, de fato, sobre pai e mãe, do que antes, não se denota coerência em alguém poder votar, poder contrair casamento, mas ser inimputável se delinqüir. Não se propõe idade mais baixa, nos exageros de alguns outros países, mas a dita acima, que é perfeitamente adequada às circunstâncias da atualidade.

No entanto, de nada adianta alterar a lei sem que mudem os fatores sociais negativos, causadores da sinistra e crescente criminalidade, em nossas plagas. Enquanto nossa beleza normativa continuar em paralelo à feiúra de nossa realidade, muitas reformas terão caráter cosmético. Enquanto os flagelos da droga, da corrupção policial, da “cultura da esperteza”, da fisiologia política, da sonegação fiscal, da imensa desigualdade das rendas, etc, não forem enfrentados para valer, não cessará o pesadelo dos homens e mulheres de bem, sendo obrigados a aprisionarem-se em suas casas e locais de trabalho e lazer, enquanto ruas, avenidas, praças e estradas são entregues, de fato, à sanha dos facínoras.

Quanto ao ECA, que é uma lei muito bem feita, mas que tem certas normas que, em nossa aludida triste realidade, se restringem ao campo da teoria, algumas prontas modificações serão de grande utilidade. Qualquer que seja o limite de idade – 16, 18 anos ou outro – se for cometido, por adolescente ou jovem (nunca, é claro, por criança), crime hediondo, a internação deve ultrapassar o prazo irrisório de 3 anos e persistir até o máximo de 15, por decisão do juiz competente, ouvido o Ministério Público, e com realização de preciso exame social e psicológico, passando o infrator ao sistema criminal comum, automaticamente, ao alcançar a maioridade.

No entanto, nesse campo executório, também tudo será em vão se não colaborarem os poderes públicos territoriais, em verbas e melhor estrutura, para que os locais de internação, como todos os presídios, evoluam do inferno de hoje para um mínimo de decência, no intuito da regeneração.

Em síntese, enquanto, entre nós, se mantiver a sensação da impunidade, vinda mais do alto para baixo, enquanto a lei não valer para todos, enquanto não forem aplicados os dinheiros públicos por justas prioridades, enquanto for débil a cidadania, outras crianças serão vitimadas em nossas cidades cindidas, restando cada vez mais distante a luz no fim do túnel.