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“A Nação não pode conviver com o malogro de suas Instituições”

5 de julho de 2001

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Desde março passado na Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região com sede em Recife, o desembargador Geraldo Apoliano ao discursar durante sua posse levantou uma bandeira: a da interiorização dos serviços da justiça afirmando que as Seções Judiciárias não podem limitar-se as capitais dos Estados e que ate hoje nesta parte do Nordeste apenas dois Estados dispõem de varas localizadas em municípios interioranos, mas disse – a pratica evidencia que isto e muito pouco.

Deixo que fale o poeta neste momenta de tão grande significado para minha vida de Juiz. ‘Trago dentro do meu coração,/ Como num cofre que se não pode fechar de cheio,/ Todos os lugares onde estive,/ Todos os portos a que cheguei,/ Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,/ Ou de tombadilhos, sonhando,/ E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero’.

Conforta-me chegar a Presidência deste Tribunal com este sentimento. É largo, amplo, generoso? Certamente. Indica mais que simples ambição de realizar. Chegar a ser a consciência de que muito se pedirá àquele que muito esta a receber.

Pois esta é a condição em que me vejo. O Estado acaba de outorgar-me a Presidência da Corte de Justiça que integro como juiz, ampliando suas expectativas em relação ao que posso oferecer a esta Instituição. Inevitavelmente, fica mais nítido para mim o apelo de Justiça que vem das ruas, dos campos, dos lares, sobretudo dos mais simples, daqueles em que não vicejou ainda a flor da cidadania. Há demandas que aqui, e a outras instâncias judiciais, aportam. Grande é a nossa responsabilidade em relação a elas. Mas há, ainda – não sei até quando -, demandas que ficam presas na garganta dos mais modestos, dos que vivem a margem. É ainda que aqui não cheguem, esses apelos devem despertar a atenção de quantos aqui desenvolvam as tarefas da Justiça. É provável que seja este um dos misteres da própria Justiça, o de fazer despertar o cidadão, procurando integrar o homem simples no processo social, que não será legitime se não contar com a energia criadora de todos.

Trago, amadurecidas pelo tempo, as aspirações que me levaram um dia a Faculdade de Direito. Cultivo, robustecido pelo labor diário a que me tenho dedicado, o empenho de contribuir para que sejam superados os obstáculos que impedem a plena realização da Justiça, ao menos em relação as tarefas que me são confiadas. Neste Tribunal, como em toda a região que abrange, tenho recebido li~s diárias de competência e honradez, que muito me fortalecem no propósito de contribuir para que continuem a desempenhar o papel importante que tem assinalado sua existência. E sob esses auspícios que me permito esboçar alguns objetivos que, com o auxilio de todos, bem poderão ser alcançados no biênio que ora se inicia.

Duas vertentes principais orientarão esses objetivos – o acesso efetivo à justiça e a presteza e eficiência da estrutura que deve viabilizá-la. Nada menos que isso interessar aquele que se investe da função de administrar um órgão judiciário. A Nação não pode conviver com o malogro de suas instituições. Ao contra rio, a grande construção a que todos somos chamados exige que nos desincumbamos de modo irrepreensível de nossas tarefas. Nem se diga que o tempo se encarregara de encontrar a solução dos problemas que fustigam a sociedade brasileira. Na verdade, vivemos hoje o momenta crucial, do qual podemos partir para a definitiva consolidação das instituições nacionais, ou de onde emergirão forças desagregadoras que podem ameaçar as mais legitimas esperanças de nossa gente. Tudo esta a depender da atitude daqueles que se investem de parcelas de poder. E é induvidosa a expressiva responsabilidade do Poder Judiciário nesse contexto de construção.

Cuido ser indispensável que o Estado se de conta de seu dever de afastar o que Capeletti chamou de óbices que poderão frustrar o acesso a Justiça. Os de ordem econômica serão vencidos quando os mecanismos da Justiça estiverem a disposição de todos, sobretudo dos mais simples. Os de ordem organizacional devem sugerir a ampliação de instrumentos operacionais que facilitem e acolham o animo postulatório da sociedade. Os de ordem procedimental exigem a simplificação dos códigos de ritos, o que torna inevitável a reforma pela via legislativa.

O acesso à Justiça pode conquistar avanços expressivos com a adoção de medidas que competem ao próprio Poder Judiciário. Um deles, nesta 5ª Região, e a expansão física da estrutura de seus órgãos. Sem duvida, foram grandes as conquistas realizadas ate aqui. Mas e indispensável que pensemos na interiorização dos serviços da Justiça. As Seções Judiciárias não podem limitar-se as capitais dos Estados, deixando ao desamparo as populações humildes, ainda que economicamente ativas, residentes no interior. Ate hoje, nesta parte do Nordeste, apenas dois Estados dispõem de Varas localizadas em municípios interioranos, mas a pratica evidencia que isto e muito pouco. o Juiz de primeiro grau deve estar próximo ao local onde as lides se instalam, exatamente para prover o processo, em geral de duração prolongada, de elementos indispensáveis a melhor compreensão daquilo que se pleiteia, sobretudo quando ele atinge as instancias superiores. É indispensável, pois, que nos debrucemos sobre o mapa da região, para identificar as comunidades que estão a requerer maior atenção dos serviços judiciários federais.

O Superior Tribunal de Justiça, sob a administração irrepreensível do eminente ministro Paulo Costa Leite, campeador incansável na defesa dos postulados do Estado Democrático de Direito e da cidadania, está a empenhar-se, pela voz autorizada de seus ilustrados ministros, dos quais alguns, para alegria nossa, aqui se encontram presentes, em interiorizar ainda mais, notadamente nesta Quinta Região, os ofícios da Justiça comum Federal.

Um esboço do que há de ser encaminhado ao Parlamento para a apreciação e aprovação devidas, esta a ser ultimado. É a iniciativa que há de merecer dos representantes do povo e dos Estados-Membros, a atenção e urgência que a iniciativa esta a exigir.

E aqui me permiti indagar: quem, mesmo que nunca tenha ouvido a advertência do poeta – “assim como é necessário o pão diário, é necessária a justiça diária. Sim, mesmo varias vezes ao dia” -, poderia quedar-se indiferente a um desafio de tal magnitude?!

Nenhum de nos. Ninguém. Suas Excelências, os senhores governadores dos Estados que integram a 5ª Região e que aqui se encontram, Tasso Jereissati – mais uma vez a frente dos destinos da Terra Luz, que se tem projetado no pacto federativo, mercê do trabalho fecundo que o governador de todos os cearenses esta a desenvolver sem descanso; Garibaldi Alves, que com zelo e competência esta a resgatar os anseios mais legítimos dos potiguares, notadamente da queridíssima Mossoró, que me permitiu desfrutar do refrigério do vento Nordeste; Jose Maranhão, líder maior de todos os paraibanos, mesmo daqueles que, como eu, em tempos que já se fazem recuados, albergaram-se sob os encantos da Rainha da Borborema; Jarbas Vasconcelos – líder incontestável dos pernambucanos, nativos e adotivos (incluo-me com orgulho dentre estes últimos) e que está a governar-nos com segurança em meio aos desafios deste novo milênio; Ronaldo Lessa, que tem conduzido as Alagoas e o seu bravo povo rumo ao progresso por todos almejado e Albano Franco que, em Sergipe, e com acuidade, enxergou no turismo, forma nova de fazer as mudanças necessárias ao progresso na Terra de Tobias.

Toda essa plêiade de ilustrados homens públicos, estou certo, engajar-se-á a essa tarefa da efetiva interiorização da Justiça, a qual emprestarei, digo melhor, emprestaremos todos nos, a mais efetiva prioridade.

Ainda com relação a esse mesmo objetivo de aproximar a Justiça da população, e importante que seja estimulada a criação e a instalação dos juizados especiais federais. No meu modo de ver, ha certas questões que devem preceder – e até legitimar – os debates sobre a Reforma do Poder Judiciário. Entre elas, esta exatamente a criação desses juizados especiais. De estrutura mais simples e utilizando uma linguagem que mais os aproximara da sociedade, os juizados especiais haverão de desempenhar um papel importantíssimo na eficientização das tarefas cometidas ao Poder Judiciário. Sem duvida, não podemos desperdiçar a oportunidade de criá-los e de implantá-los, dentro, natural mente, das condições que nos seja possível reunir de forma autônoma, isto é, não condicionada ao exclusivo desiderato de outras esferas de poder.

Outra providencia que não pode tardar e à qual será dada prioridade é a expansão e a otimização de serviços de informática; há condições técnicas para a utilização da rede já existente, de sorte a que seja passível a consulta “on line”, no Tribunal e Seções e Subseções Judiciárias da Região, não só do andamento processual senão que, também, das decisões, singulares ou colegiadas proferidas, tal como já ocorre em segmentos da justiça em outros pontos do pais, inclusive com a disponibilização de quiosques nos grandes centros comerciais, hoje presentes em qualquer grande cidade, o que oferecera a todos, uma maior facilidade de acesso aos serviços da Justiça Federal nesta parte do Brasil. Serão, pois, adotadas as medidas indispensáveis a plena consolidação da rede de fibra óptica, que será a base para uma expansão permanente dos serviços de consulta processual.

Penso que será hora, também, de se experimentar com seriedade a utilização dos chamados “aplicativos de código aberto”, os auspiciosos resultados recolhidos em face da utilização desse tipo de software nos serviços públicos do Estado do Rio Grande do Sul e, já agora, no município do Recife, para mencionar apenas dois exemplos, autorizam a que não se ponha de lado alternativa valida e pouco onerosa de prosseguir-se no esforço de informatização dos serviços da Justiça.

Medida importantíssima se me figura a implantação de uma ouvidoria que atue em conjunto com a Corregedoria do Tribunal. Trago dessa atividade, por tê-la acumulado com as funções da Vice-Presidência, experiências que não podem ser relegadas a margem. A realização do sem-número de tarefas que, até então, eram confiadas a vice presidência e Corregedoria do Tribunal, em muito se beneficiaria da presença de uma forma extensiva de atuação, que viesse de tornar ainda mais eficientes os serviços da Corregedoria. E essa forma, sem duvida, poderá ser a Ouvidoria do Tribunal.

Quanto a eficiência dos serviços judiciários, é importante que sejam enfrentados alguns desafios aos quais não poderemos fugir. Um deles, será o de dotar a Justiça de um numero compatível de Magistrados, o que atenuara o tormentoso problema da sobrecarga de processos que se observa em todas as instancias, e que compromete profundamente a entrega lesta da prestação jurisdicional. É certo que, pelo menos por algum tempo, ainda nos manteremos distantes de alcançar uma relação equilibrada, entre o numero de juízes e as necessidades decorrentes do incremento do numero de demandas. Mas é inadmissível que sucumbamos as dificuldades de recrutamento de novos magistrados. Relaciono, pois, entre as prioridades da administração que ora se instala a adoção de providencias que estimulem a formação e a seleção de novos juízes, até que nenhuma vaga subsista sem a presença do respectivo ocupante. Neste sentido, determinarei a imediata realização de um novo processo seletivo, tão logo se encerrem definitivamente as providencias relacionadas ao IV Concurso, ora em fase de conclusão.

A eficiência das maquinas, por mais avançadas que sejam as conquistas tecnológicas, esta subordinada a qualidade do agente humano que nelas atua. Neste sentido, é preciso identificar formas dinâmicas e permanentes de treinar os servidores e juízes, não apenas para que atuem como integrantes fundamentais de todo sistema, mas sobretudo para que adquiram a dimensão das suas próprias importâncias para o sucesso do empreendimento.

A moderna administração pública aponta para o homem como elemento primordial, por ser ele um criador acima de qualquer outra coisa. Confinar o servidor aos limites dos códigos e dos regimentos e malbaratar uma energia que poderá dinamizar de forma apreciável a rotina administrativa, dando-lhe atrativos que de outra forma não existirão. Submeter o servidor e o juiz de todas as instancias a um processo constante de treinamento, e valorizar a pessoa e expandir de forma admirável a própria administração.

Neste sentido, incluo na pauta das prioridades de realizações do Tribunal o incentive permanente a um constante processo de atualização de conhecimentos e busca de novas opções administrativas que melhor se ajustem as necessidades próprias da Justiça. Tais ações não se confinarão a Corte, mas deverão estender-se a todas as Seções e Subseções, criando entre esses dois níveis um traço de união que os identifique com a busca da melhor solução para os problemas rotineiros, com os quais todos tem de lidar.

Nessa ordem de idéias, ha de considerar-se que o fim colimado não deve restringir-se a eficiência do sistema, mas deve estender-se a satisfação intima dos que nele atuam. Dessa forma, toma-se por prioritária a implantação de um programa permanente de Gerenciamento da Qualidade Total (GQT), que devera imprimir uma orientação mais atualizada a todas as atividades da Justiça Federal na 58 Região.

No cofre do coração, digo de novo como disse o poeta, trago uma experiência que já não é pequena, nas tarefas da magistratura e nas lides acadêmicas. Tenho, por isso, a dimensão de minhas responsabilidades e das dificuldades que me aguardam. Devo confessar todavia que e igualmente vasta minha confiança na solidariedade dos me us pares nesta Casa, na atuação inteligente de todos os juízes federais da 5ª Região, na capacidade e no empenho do corpo de funcionários e assessores que me acompanharão na jornada que ora se inicia.

Essa confiança se robustece, quando antevejo a realidade de que, em pouquíssimo tempo, a chefia do Poder Judiciário da Nação estará confiada a uma das maiores expressões da magistratura brasileira da atualidade.

Falo do eminente ministro Marco Aurélio, que a todos nos honra com a sua presença amiga. Novos tempos hão de vir, e da Justiça desses tempos que se avizinham haverá de exigir-se, sobretudo, uma união irreversível do povo e dos seus juízes.

Esteja certo, Excelência, de que a união, e não um alento outro menos fecundo ou nobre, estará a inspirar as ações de todos os que fazem a Justiça Federal da 5ª Região, agora, e nos instantes em que, sob a sua liderança serena e autorizada, que já se anuncia, o Poder Judiciário do País, consolidar-se na plenitude da independência e da harmonia, no concerto dos demais Poderes constituídos.

As responsabilidades confiadas a esta Casa de Justiça exigira de todos nós, sempre, empenho irrestrito; e da minha pessoa, ainda maior dedicação. Para atende-las, é possível que tenha de sacrificar, mais ainda, interesses de ordem particular. Espero a compreensão daqueles a quem tiver de faltar em função das tarefas que me aguardam. E rogo ao Eterno, Deus compassivo e misericordioso em quem confio, a inspiração e a sabedoria que me permitam corresponder a expectativa que se instala em torno da administração que ora se inicia.

E se certeza há, …. não é a de que tenho a posse de uma estrela, a posse da rosa mais cobiçada ou a do livro mais precioso. Se certeza há, e a de que um homem só e só um homem e jamais conseguira chegar ao promontório que o levara a vitória. Se certeza há e a de que um gesto compartilhado pode fazer ascender a estrela mais promissora, aromatizar a rosa mais adusta e inscrever no caderno mais deselegante, as palavras certas para difundir, não apenas, na lição do poeta, a paz e a alegria, senão que a Verdade, a Justiça e a Paz.