A negativa de habeas corpus para o governador Arruda

28 de fevereiro de 2010

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O Ministro Marco Aurélio, ao apreciar como Relator o pedido de liminar no habeas corpus formulado pelos advogados José Grossi e Nélio Machado, fulminou a sua decisão com alentada fundamentação a justificar o indeferimento.
Dentre os argumentos usados, fundamentando a negativa, o Ministro enfatizou a displicência, o desrespeito e até o achincalhe contra os princípios da dignidade e da moralidade relegados pelos agentes públicos,  como discorre, indignado:

“Em quadra de abandono a princípios, de perda de parâmetros, de inversão de valores, de escândalos de toda a ordem, cumpre ser fiel, a mais não poder, aos ditames constitucionais, buscando a realização dos anseios da sociedade. Esta não aceita a impunidade justamente daqueles que, a rigor, devem dar o exemplo. Com a obrigatoriedade de licença, posterga-se para as calendas gregas a tomada de providências inibidoras de desvios de conduta, passando os Governantes, quem sabe também os Prefeitos, a gozarem  de verdadeira blindagem, embora temporária, de privilégio — não bastasse a extravagante prerrogativa de foro —, odioso como todo e qualquer privilégio, perdendo-se, no tempo e na memória, os elementos fáticos envolvidos no episódio merecedor da imediata glosa penal. É o momento de tomar-se o período vivenciado — no que vêm funcionando a contento a Imprensa, investigativa e esclarecedora, a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário — como alvissareiro, sinalizando o almejado avanço cultural, dias melhores neste imenso e sofrido Brasil, e de adotar-se postura que mantenha rígidos os freios inibitórios dos agentes públicos e políticos, fazendo-os compreender que o exercício do cargo visa a servir à coletividade e não a si próprio. Com a palavra o Tribunal da Cidadania, o Superior Tribunal de Justiça, e a última trincheira do povo brasileiro, o Supremo. Que oxalá prevaleça o Direito posto, abandonada toda e qualquer acomodação.
Ficam, assim, afastafos esses empecilhos relati­vamente ao implemento da custódia. No mais, a própria Constituição Federal, no artigo 5º —, inciso LVII, excepciona o princípio da não culpabilidade, segundo o qual ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. Viabiliza a prisão provisória — gênero — ao dispor, no inciso LXI, que ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’, dela também constando que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ — inciso LXVI do citado artigo. Daí ter-se como recepecionado pela Carta o disposto nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal:

Art. 312 – A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Art. 313 – Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:
I – punidos com reclusão;

Pois bem, o Ministério Público Federal — em peça subscrita pelo Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, e pela Subprocuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge — requereu ao Superior Tribunal de Justiça, ao Relator do Inquérito nº 650/DF, Ministro Fernando Gonçalves, a prisão preventiva de José Roberto Arruda, Governador do Distrito Federal, Geraldo Naves, Wellington Luiz Moraes, Antonio Bento da Silva, Rodrigo Diniz Arantes e Haroaldo Brasil de Carvalho, pedido que veio a ser colhido pelas razões constantes do requerimento e referendado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.
A peça, tomada como a fundamentar o ato constritivo da liberdade de ir e vir do paciente, fez-se ao mundo jurídico ante esmero insuplantável.  Apontou-se a necessidade das prisões, inclusive a do Governador em exercício, visando a preservar a ordem pública e campo propício à instrução penal considerado o inquérito em curso. De forma harmônica com os elementos coligidos, de forma harmônica com o resultado do que foi apurado pela Polícia Federal, registrou-se a tentativa de subornar testemunha e de utilizar-se documento falsificado ideologicamente para alterar a verdade da investigação. Então, após aludir-se à comprovação da materialidade dos crimes de corrupção de testemunha e de falsidade ideológica, escancarou-se o quadro a revelar a participação do ora paciente, não bastasse a circunstância de este último surgir como beneficiário dos atos praticados.
Tudo ocorreu visando a levar o jornalista Edmilson Edson dos Santos a modificar a verdade no depoimento que viria a prestar, direcionando-o a demonstrar que os fatos relatados no inquérito teriam sido fruto de armação para comprometer o Governador. O auto de prisão em flagrante daquele que por último veio a atuar em nome do Governador, ofertando numerário para a mudança de óptica no depoimento e, mais que isso, o próprio depoimento por ele prestado tornam precisos os parâmetros essenciais a ter-se a adequação do artigo 312 do Código de Processo Penal.
São mesmo geradoras de perplexidade as minúcias retratadas nas peças aludidas, no que foram confirmadas no depoimento do citado jornalista.  Em jogo fez-se a necessidade de preservação da ordem pública e de campo propício à regular instrução penal.  Friso, mais uma vez, não se estar diante de situação a revelar capacidade intuitiva, supondo-se práticas passiveis de serem realizadas, mas sim de dados concretos a evidenciarem desvios de condutas a atingirem a ordem pública e a solaparem a regular instrução própria ao inquérito, a coleta de dados visando a esclarecer, quanto aos fatos que motivaram a instauração do inquérito, a verdade real.  Além disso, tudo veio a ser implementado conforme auto de prisão em flagrante e depoimentos a partir do Palácio do Governo, a partir de iniciativa do beneficiário das exdrúxulas manobras, o Governador do Distrito Federal.”

Após os depoimentos do policial, condutor do agente preso em flagrante; do conduzido; da vítima Edmilson Edson dos Santos, finalizando a sua decisão concluiu:

Eis os tempos novos vivenciados nesta sofrida República. As  instituições funcionam atuando a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário. Se, de um lado, o período revela abandono a princípios, perda de parâmetros, inversão de valores, o dito pelo não dito, o certo pelo errado e vice-versa, de outro, nota-se que certas práticas — repudiadas, a mais não poder, pelos contribuintes, pela sociedade — não são mais escamoteadas, elas vêm à balha para ensejar a correção de rumos, expungida a impunidade. Então, o momento é alvissareiro.
Indefiro a liminar.  Outrora houve dias natalinos.  Hoje avizinha-se a festa pagã do carnaval. Que não se repita a autofagia.
Estando no processo as peças indispensáveis à compreensão da material, colham o parecer da Procuradoria Geral da República.

Brasilia — residência
12 de fevereiro de 2010, às 10h15
Ministro Marco Aurélio
Relator

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, com pauta para a sessão ocorrida no 25 de fevereiro de 2010, levou a julgamento o habeas corpus contra a prisão do Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, cujo pedido de liminar foi justificadamente negado pelo Ministro Relator como retro descrito. Esta questão, por constituir-se em um fato inusitado na vida republicana — devido à apresentação ao vivo dos flagrantes de corrupção, com provas criminosas de suborno, improbidade administrativa e política —, despertou na população uma estupefação de incredulidade e intensa revolta.  O Editor, nesses dez anos de atividade jornalística, dedicados setorialmente com quase exclusividade às questões e problemas vinculados ao Poder Judiciário, nunca havia visto e sentido um fato — como a decretação pela Justiça da prisão de um governante do porte de José Roberto Arruda — que despertasse na sociedade tanta admiração, respeito e satisfação.
O Editor, pezarosamente, não tem o dom e o sentido premonitório, mas ouve e sente o clamor de ansiedade da população, que, aflita, ainda assim se queda esperançosa de que as instituições responsáveis pelo cumprimento da lei: a Polícia Federal, o Ministério Público, o Superior Tribunal de Justiça e, especialmente, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, se encontrem de prontidão, para que, sempre que necessário, promovam os devidos processos legais contra os corruptos, como fizeram com o Governador José Roberto Arruda, para trancafiá-los na prisão, como merecem.