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A nova Lei de Defesa da Concorrência e a eterna busca pelo bem-estar econômico da sociedade

30 de abril de 2012

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O presente artigo tem por objetivo discutir aspectos relativos à interpretação da legislação de defesa da concorrência, haja vista a proximidade da entrada em vigor da Lei 12.529/11 (Nova Lei de Defesa da Concorrência) prevista para a data de 29/5/2012. A reflexão se faz oportuna, uma vez que a instituição do regime prévio obrigatório de análise de atos de concentração econômica reaviva a busca pela sedimentação de conceitos-chave para a adequada compreensão e aplicação da legislação concorrencial no Brasil.

Assim como na Lei 8.884/94, a leitura sistemática da Lei 12.529/11, nova Lei de Defesa da Concorrência – LDC, indica que a concorrência não é juridicamente tutelada como um fim em si, mas sim um meio para se criar uma economia eficiente e se preservar o bem-estar econômico da sociedade.

O estabelecimento dessa compreensão fundamental advém do fato eloquente de que o bem-estar econômico da sociedade, fim último da legislação protetiva da concorrência, pode ser alcançado tanto por meio de estruturas concentradas quanto desconcentradas de mercado, a depender das características específicas do setor da economia em questão e da ponderação cuidadosa entre os efeitos positivos e negativos de uma dada conduta ou concentração empresarial, sobre a eficiência econômica do ambiente potencialmente afetado[1].

Nesse sentido, é absolutamente essencial a compreensão de que a Lei de Defesa da Concorrência não existe para reprimir o crescimento dos agentes econômicos do mercado, seus investimentos e seus lucros, nem, muito menos, para concretizar as condições dos modelos abstratos de competição perfeita, idealizados em uma estrutura atomizada de mercado onde os agentes econômicos não disporiam de qualquer poder de mercado e onde os lucros extraordinários seriam iguais a zero[2].

Em realidade, em sua busca pela promoção do bem-estar econômico da sociedade, a LDC convive harmonicamente com diferentes níveis de concentração de mercados, desde mercados marcados por forte pulverização do poder de mercado de seus agentes, até mercados extremamente concentrados, sendo caracterizadores das situações de monopólios, oligopólios, monopônios e oligopsônios.

Exemplos claros do afirmado acima são: (I) monopólios conquistados pelo pioneirismo e pela capacidade de inovação de um agente econômico, os quais podem ou não ser protegidos por direitos patentários; e (II) monopólios naturais[3], nos quais os custos são menores se produzida uma dada quantidade do produto em uma única firma do que em duas[4].

Destarte, diferentes estruturas de mercado convivem harmonicamente com os preceitos da LDC, na medida em que o surgimento do poder de mercado dos agentes econômicos e o seu exercício se dêem em obediência às regras que impõem o controle dos atos de concentração econômica e de práticas anticompetitivas. É o que se passa a discorrer.

Modalidades de atuação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

O controle do surgimento do poder econômico e o seu exercício por parte dos agentes econômicos é feito pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, nos termos da Lei 12.529/11, por meio de três modalidades de atuação:

I     Prevenção antitruste: caracterizada pelo controle das estruturas de mercado, através da análise dos atos e contratos de concentração, ou seja, no exame de operações societárias – fusões, aquisições, incorporações, joint ventures e acordos cooperativos empresariais;

II     Repressão antitruste: consistente no controle das condutas que possam caracterizar infração à ordem econômica;

III     Advocacia da concorrência: papel pedagógico que visa difundir a cultura da concorrência e seus benefícios.

O controle de estruturas ou o controle das concentrações econômicas

Sob o aspecto da prevenção antitruste – ou controle de concentrações econômicas –, imposto pelo art. 88 da LDC, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE controla as operações de crescimento empresarial externo ou inorgânico, que são realizadas por meio da união de agentes econômicos relevantes, antes independentes e constituídas segundo as formas previstas no art. 90[5] da LDC, avaliando seus efeitos líquidos para o bem-estar econômico em seus mercados de atuação[6].

Por definição, o controle de concentrações econômicas é exercido apenas sobre atos e contratos que caracterizem crescimento empresarial externo ou inorgânico, ou seja, que envolvam ganhos de participação artificial de mercados por meio da união dos agentes econômicos que antes atuavam de forma independente.

Eis a redação do art. 88 da LDC:

Art. 88. Serão submetidos ao CADE, pelas partes envolvidas na operação, os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:

I     pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e

II     pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

As operações de concentração econômica a que se referem o dispositivo e que exigem sua aprovação pelo CADE também podem ser denominadas operações de crescimento empresarial derivado, dado o seu caráter artificial.

O termo “artificial” é empregado para designar o fato de que a aquisição ou a ampliação da participação de mercado dos agentes econômicos envolvidos na operação se dá por meio da soma de suas quotas ou participações de mercado proporcionado pela integração empresarial, e não pela gradual conquista de mercado obtida através de efetiva competição.

Por conta deste denominado “artificialismo”, na obtenção de maior participação de mercado e possivelmente maior poderio econômico, a LDC sujeita tais atos à aprovação do SBDC, nos termos do supracitado art. 88.

Existe, contudo, uma ampla gama de operações de crescimento empresarial que não se subsumem aos termos do art. 88 da LDC. São elas as operações que consubstanciam crescimento empresarial interno, orgânico ou originário, no qual os ganhos de participação de mercado gerados, incremento do porte empresarial do agente e aumento de sua lucratividade são paulatinamente conquistados pelos investimentos por ele realizados, seu pioneirismo, criatividade, eficiência e êxito frente aos concorrentes.

Tais operações, por serem consideradas mecanismos lícitos e legítimos, por excelência de competição no mercado, não requerem qualquer aprovação ou censura por parte do SBDC.

O controle das condutas ou controle das práticas anticompetitivas

Outra importante vertente de atuação da LDC consiste no controle e na repressão às condutas anticompetitivas. No exercício dessa função, o CADE apura a prática de comportamentos nocivos ao ambiente concorrencial levados a cabo por empresas que detêm poder sobre determinado mercado. Tais condutas são classificadas em práticas restritivas horizontais e verticais.

As práticas restritivas horizontais são assim denominadas por afetarem agentes econômicos que são competidores entre si, vale dizer que ofertam o mesmo produto ou serviço em um mesmo mercado relevante[7]. São exemplos de práticas restritivas horizontais: o cartel e a prática de preços predatórios.

Já as práticas restritivas verticais envolvem agentes econômicos distintos, que ofertam produtos ou serviços distintos e que fazem parte da mesma cadeia produtiva. São exemplos: as vendas casadas, os acordos de exclusividade, a discriminação de preços e a recusa de negociação.

Posição Dominante, Poder de Mercado e Ilícito Concorrencial

A Lei de Defesa da Concorrência parte de conceitos-chave para sua aplicação. O primeiro, consiste na delimitação dos destinatários de suas normas, ou seja, dos agentes econômicos que são por ela tutelados e investigados quanto ao seu comportamento perante a concorrência. Para tanto, a legislação antitruste parte do conceito de Posição Dominante.

Em termos jurídicos, ocorre Posição Dominante sempre que uma empresa ou um grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou de uma tecnologia a ele relativa, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.

Por meio dessa definição, o conceito jurídico de posição dominante remete o intérprete a critérios qualitativos e/ou quantitativos para identificação, dentre os agentes atuantes no mercado, do verdadeiro destinatário das normas de defesa da concorrência: o agente econômico detentor de Poder de Mercado.

O conceito de Poder de Mercado é tecnicamente definido como “a possibilidade de uma empresa unilateralmente, ou de um grupo de empresas coordenadamente, aumentar os preços (ou reduzir quantidades), diminuir a qualidade ou a variedade dos produtos ou serviços, ou ainda, reduzir o ritmo de inovações com relação aos níveis que vigorariam sob condições de concorrência irrestrita, por um período razoável de tempo, com a finalidade de aumentar seus lucros.”[8]

De uma forma menos técnica, o poder de mercado é definido como a capacidade do agente econômico de elevar seus preços sistematicamente acima do nível competitivo de mercado, sem com isso perder todos os seus clientes.

Feito esse esclarecimento, fica absolutamente claro que o poder de mercado, como fato natural e inerente aos regimes econômicos de livre mercado, por si só, não é considerado ilegal. Apenas quando uma empresa ou grupo de empresas abusa desse poder, através da adoção de uma conduta que fere a livre concorrência, então tal prática se configura como abuso de poder econômico, conforme disposto no art. 173, § 4o, da CRFB/88[9].

Conceituação de Abuso do Poder Econômico como Ilícito à Concorrência

Por fim, a adequada interpretação da Nova Lei de Defesa da Concorrência demanda a compreensão do conceito de Abuso do Poder Econômico. Este ocorre toda vez que uma empresa se aproveita de sua condição de superioridade econômica para prejudicar a concorrência, inibir o funcionamento do mercado ou aumentar arbitrariamente seus lucros.

Como qualquer ilícito à concorrência, o Abuso do Poder Econômico não se dá a partir de práticas específicas, mas, sim, quando o detentor de parte do mercado age em desconformidade com os seus fins, desvirtuando e ultrapassando as fronteiras da razoabilidade.

Destarte, a prática inquinada de abusiva deve ser tal que acarrete verdadeira distorção do ambiente competitivo, seja em relação aos seus concorrentes (efeitos horizontais da conduta), seja em relação aos demais elos a montante e/ou a jusante da cadeia econômica (efeitos verticais da conduta), gerando efeitos líquidos negativos sobre o mercado e o consumidor.

Logo, verifica-se que a caracterização do abuso de poder econômico é tarefa complexa, que envolve exame criterioso dos efeitos das diferentes condutas sobre os mercados, o contexto específico em que cada prática ocorre, sua razoabilidade econômica e por fim, seus efeitos líquidos sobre o bem-estar econômico, comparando os custos decorrentes do impacto e o conjunto de eventuais benefícios dela decorrentes.

Conclusão

Por todo o exposto, a entrada em vigor da nova Lei de Defesa da Concorrência demandará de seus aplicadores uma compreensão abrangente do contexto, da finalidade e dos conceitos-chave do direito concorrencial, para que seus objetivos de modernização do arcabouço jurídico-regulatório possam ser atingidos em prol do desenvolvimento e da consolidação de um funcional e dinâmico ambiente de negócio no Brasil.

Referências Bibliográficas __________________________

BRASIL. Resolução CADE no 20, de 9 de junho de 1999. Dispõe, de forma complementar, sobre o Processo Administrativo, nos termos do art. 51 da Lei 8.884/94. [Anexo: Práticas restritivas definições e classificação]. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 jun. 1999. Seção 1, p. 2.

BRASIL. Portaria Conjunta SEAE/SDE no 50, de 1o de agosto de 2001. [Anexo: Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal]. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 ago. 2001. Seção 1, p. 12-15.

KUPFER, David; HASENCLEVER, Lia. Economia Industrial. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 516.

STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 139

 


[1] Este conceito consta explicitamente nos itens 10 a 12 da Portaria Conjunta SEAE/SDE no 50, de 1o de agosto de 2001 (GUIA PARA ANÁLISE ECONÔMICA DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO HORIZONTAL), e no parágrafo primeiro do Anexo da Resolução CADE no 20, de 9 de junho de 1999 (GUIA DE ANÁLISE DE PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS), que orientam a interpretação e a aplicação da Lei de Defesa da Concorrência – Lei 8.884/94

[2] Para uma exposição abrangente dos modelos teóricos de concorrência perfeita, vide a obra de Joseph E. Stiglitz e Carl E. Walsh. Introdução à Microeconomia, pág. 139. Editora Campus.

[3] Para uma exposição econômica do conceito de monopólio natural, vide obra organizada por David Kupfer e Lia Hasenclever  “Economia Industrial”, pág. 516. Editora Campus.

[4] O monopólio natural costuma ser característico das indústrias que requerem grande investimento para entrar no mercado, as quais são marcadas por economias de escala e altos custos fixos.

[5] Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:

I – 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;

II – 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou as partes de uma ou outras empresas;

III – 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou

IV – 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.

Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.

[6] Os critérios de análise e aprovação de tais atos são descritos em detalhes na Portaria Conjunta SEAE/SDE no 50, de 1o de agosto de 2001 (Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal)

[7] O mercado relevante, conceito rotineiramente utilizado na análise antitruste, é definido como o menor espaço econômico, em termos de produto e geográfico, no qual o poder de mercado é possível de ser exercido por uma firma atuando de forma isolada ou grupo de empresas agindo de forma coordenada, durante um certo período de tempo. Nesse sentido, a delimitação do mercado relevante deve ser feita considerando-se a substituibilidade da demanda nas suas três dimensões: a do produto, a geográfica e a temporal, além da substituibilidade da oferta. O detalhamento das técnicas de delimitação do(s) mercado(s) relevante(s) envolvido(s) em questões concorrenciais consta da Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001 (GUIA PARA ANÁLISE ECONÔMICA DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO HORIZONTAL).

[8] Definição constante do item 15 da Portaria Conjunta SEAE/SDE no 50, de 1o de agosto de 2001 (GUIA PARA ANÁLISE ECONÔMICA DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO HORIZONTAL)

[9] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

(…)

§ 4o. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.