A possibilidade de recuperação suspensiva da falência para seu encerramento

30 de junho de 2011

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Introdução necessária

A questão que se coloca em discussão neste estudo é a possibilidade de se encerrar uma falência decretada com base na Lei 11.101/05 por meio de um projeto de recuperação de empresas, aprovado pelos credores, de modo a suspender o andamento da falência, razão pela qual prefiro batizá-lo de recuperação suspensiva da falência. Evidentemente, à primeira vista, parece-nos um tanto quanto arriscado tencionar aceitar tal colocação por entender que o processo falencial deva seguir sempre o mesmo critério e o mesmo ritual.

No entanto, a questão que se coloca dentro dos critérios adotados pela nova sistemática legislativa falencial é totalmente diversa, se bem que anteriormente já se falasse da possibilidade de que os credores, reunidos em maioria, pudessem decidir de maneira ampla a solução dos problemas com a falência, conforme o Artigo 123 do Decreto-Lei 7.661/45.

O novel instituto falencial tem uma roupagem moderna, abrangente, que procura dinamizar o processo e evitar o desperdício de tempo e dinheiro que, nesse caso, envolve o direito dos credores, ávidos por se desvencilhar o mais rápido possível dos entraves provocados pela quebra do seu patrimônio.

Por aí se vê a modificação substancial de pensamento do legislador de 2005 para o tacanho legislador de 1945; eis que neste instituto antiquado todos perdiam, ao passo que no atual só há perda se houver incapacidade de diálogo ou malversação dos bens arrecadados, pois a ideia principal é afastar o devedor do comando de sua empresa, permitindo que as falhas anteriormente cometidas sejam sanadas, recuperando-se os produtos e vendendo-os, ou arrendando-os, ou entregando-os aos credores, mas tudo de maneira legal e imediata.

Diante desses primeiros argumentos, devemos nos redimir do antigo pensamento de que a falência é um mal e um carcinoma do tecido social, impregnada de dolo latente, levada a empresa ao estado falitário por empresários corrompidos, dentro do sistema.

Urge encontrar soluções seguras e rápidas para as falências não se eternizarem nos escaninhos dos fóruns brasileiros, mesmo porque há princípios rígidos que pugnam pela celeridade, como veremos adiante.

Alguns princípios que regem a nova Lei 11.101/2005

Para ARTHUR KAUFMANN, “toda legislação positiva pressupõe sempre certos princípios gerais do Direito.

O que nos interessa neste curto estudo é lembrarmos atentamente o Artigo 75 da Lei 11.101/05 e seu parágrafo único, que trata dos meios produtivos na falência e da celeridade processual, conforme o Artigo 5o, LXXVIII, da Constituição Federal (fruto da EC 45/04). Ficou decretado que a chamada “concordata suspensiva” estava proscrita do Direito Falencial brasileiro (Artigo 192, da LRE). De fato, a concordata suspensiva sempre foi um estorvo para a rápida solução dos processos falenciais, uma vez que era necessária a solução da parte criminal da falência para, depois disso, dar início à realização do ativo, visando ao pagamento do passivo. A Lei 11.101, de 2005, não repetiu o mesmo “erro”.

Inicialmente aplaudida a iniciativa e a forma rápida de venda dos bens da massa falida, não se apercebeu, à época da constituição da novel legislação, a possibilidade de que uma “recuperação suspensiva na falência” poderia ser a solução mais rápida para o encerramento da falência. Daí decorre o presente estudo.

Atento a isso, impõe destacar que uma falência poderá ser encerrada precocemente desde que a maioria dos credores consinta com isso, mesmo porque precisamos ficar bem alertas ao seguinte dogma: trata-se de direito disponível o dinheiro alheio!!!, algo de que pouca gente se dá conta nesse mundo jurídico de viés bem estreito. Se os credores concordarem, encerra-se a falência.

O Artigo 145 da Lei 11.101/05 repete o antigo Artigo 123 do Decreto-Lei 7.661/45, permitindo que a maioria qualificada dos credores (2/3) possa deliberar a respeito, reiterando o Artigo 46. Em verdade, o antigo Artigo 123 do Decreto-Lei 7.661/45 sempre teve pouca utilização no cenário jurídico nacional.

Na minha visão, qualquer credor poderá requerer a convocação de Assembleia Geral de Credores, assim como o administrador judicial e até mesmo o falido ou os administradores da empresa falida, eis que não há limitação legal, e onde a lei não distingue, não poderá o exegeta fazê-lo.

Fixemo-nos no falido. É ele afastado da administração de seus nos termos do Artigo 103, quando da quebra. Porém, permanece no direito de se defender e fazer defender seu patrimônio – do qual está provisoriamente afastado, por conta da quebra –, mas continua com a possibilidade de requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos (parágrafo único do Artigo 103 da Lei 11.101/05).

Dito isso, vislumbra-se que há a possibilidade de resolver a sua falência dentro do menor espaço de tempo possível, e me parece bastante claro, com base na própria Constituição Federal, que não lhe impede esse sagrado direito de peticionar em juízo, defender seu patrimônio, solucionar sua falência, quitar-se moral e socialmente com os credores e volver à vida pública e privada.

O Artigo 145 fala em constituição de sociedade com os atuais sócios – rectius falidos – ou com terceiros. Isso me parece que o princípio elencado no Artigo 145 é a antiga concordata suspensiva da falência com nova roupagem, modernizada, arrojada, pujante, despertando o novo sentimento de que o legislador de 2005 não afastou a possibilidade de um retorno à vida empresarial por meio da empresa falida, agora não mais dentro de uma empresa falida, mas, sim, dentro de uma empresa em recuperação judicial suspensiva da falência.

A visão ofuscada do passado a respeito da concordata suspensiva fez com que os pensadores do moderno Direito Recuperacional e Falencial simplesmente passassem a abominar a ideia de que a mesma pudesse perdurar entre nós, mesmo porque sempre causou mais embaraços do que soluções aos processos.

No entanto, urge destacar, de outra forma, que apesar de sua proscrição formal, não nos parece totalmente fora de propósito a possibilidade de se resolver o problema da quebra com a recuperação suspensiva da falência dentro de outros critérios mais práticos e pragmáticos, principalmente porque a negociação é o alvo principal da legislação recuperacional brasileira.

Colocados em assembleia geral, os credores teriam o poder de contornar os entraves causados pela quebra, mesmo porque a sequência natural do processo falencial é a demora no recebimento dos valores a que julgam ter direito, com a inesgotável necessidade de ter um ingrediente pouco esperado: a paciência para o recebimento de seus créditos, se vierem um dia, efetivamente, a recebê-los.

Em assembleia geral (AGC), deliberando sobre o quantum, o número de parcelas, os eventuais juros a receber, as cláusulas de fixação de responsabilidades etc., os credores cumpririam de maneira muito mais ampla os princípios elencados na recuperação da empresa, agora na falência. A deliberação dos credores poderia surtir muito maiores benefícios sociais a todos os envolvidos, evitando-se o dissabor de se perderem tempo e dinheiro para o recebimento daquilo que lhes é devido, abstraindo-se do tormentoso procedimento judicial.

Enfim, uma deliberação seria muito mais útil. Seria cumprida a função social do processo falencial, o esgotamento da tutela jurisdicional ocorreria no menor espaço de tempo possível e seriam evitados recursos às instâncias superiores – outro fator “eternizador” de processos falenciais –, sendo que a deliberação sobre os assuntos da empresa falida seria decidido por outros os credores, juntamente com o criador do problema, que é o empresário, ora falido.

O legitimado a requerer a recuperação suspensiva da falência

De outra banda, o Artigo 145 fala em “outra forma de realização do ativo”. Ora, dentre os meios de realização do ativo de um devedor pode-se, sim, seguramente e sem medo de errar, pleitear que seja constituída uma sociedade de credores, que seu débito seja pago parceladamente, que sejam obtidas concessões dos credores (que estão defendendo direitos disponíveis, repise-se!), ou, ainda, qualquer outra forma de recuperação prevista no Artigo 50 da Lei 11.101/2005, que não é numerus clausus diante da locução final: “dentre outros”.

Esta última colocação, “dentre outros”, não exclui a recuperação na falência como forma de finalizá-la. Pensemos abertamente e sem freios ou falsos moralismos. E a “legislação pertinente a cada caso” é a própria Lei 11.101/2005, mesmo porque o todo legislado é constituído de partes estanques, mas que não estão dispersas dentro do sistema. A ideia é que se possa resolver a falência com uma solução inovadora, criativa, que agrade pelo menos à maioria dos credores, mesmo porque serão eles que irão deliberar em assembleia geral o que fazer da empresa falida, dentro daquilo que se chamou “democracia monetária”.

A questão da chamada democracia monetária ganhou grandes contornos nos processos falenciais e recuperacionais modernos, pois a intenção do legislador foi a de desjudicializar ao máximo a intervenção estatal-judicial, com todo o seu poder de império e sua estruturação rígida. Dessa maneira, o foco principal do processo falencial é buscar a solução mais rápida, barata e segura para a decretação da falência, evitando-se o processamento demasiado de atos “sem sentido prático”, fazendo com que os credores encontrem uma solução em sintonia com o devedor, colocando-os para dialogar e chegar ao consenso, dentro da moderna linha de pensamento referente à recuperação social da empresa.

Qualquer um que seja falido poderá resolver sua pendência judicial falencial no menor espaço de tempo, inclusive pleiteando tal benesse, eis que baseada na Constituição Federal e na lei, ambas mandando resolver o problema rapidamente, e ninguém mais interessado do que ele próprio procurando se livrar da pecha de “empresário falido” imposta na sentença de quebra.
Dentre a enorme série de vantagens, uma AGC tem autonomia para deliberar sobre uma gama de assuntos, inclusive com a criação de sociedade de propósitos específicos, divisão de unidades produtivas etc., tudo isso como forma de procurar o encerramento da falência.

De outro modo, creio que o pedido de convocação de assembleia para decidir os destinos do seu patrimônio, que está arrecadado, é antes de mais nada e principalmente do próprio falido, pois não poderá dispor de nada, desde o momento da decretação da quebra, até o seu encerramento.

Se vingasse a tese até agora encontrada, estaria o falido impossibilitado de ver, ainda em vida, sua falência encerrada, o que é totalmente contrário aos textos constitucionais já mencionados anteriormente.

A solução alternativa

A atual legislação segue a tendência mundial de evitar ao máximo a proliferação de empresas falidas que não têm nada a servir à sociedade. Ao revés, não produz, não emprega, não paga tributos etc. A atual legislação procura fazer com que se extraia da massa falida uma alternativa para o problema causado pela quebra, sem a criação de sucatas futuras ou de bem sem valor que nada renderão para a massa falida, ad futurum.

Dentro desse quadro desgastante, é necessário que o exegeta observe que, antes do rigorismo legal, há uma unidade produtiva paralisada, pronta para voltar a funcionar, seja através de terceiros seja através do próprio falido, eis que o artigo 50 da Lei 11.101/2005 tem essa finalidade explícita.

Se só isso não fosse o suficiente, poderíamos observar, ainda, que uma empresa funcionando sob a supervisão judicial é muito melhor para o mercado do que uma empresa eternamente paralisada. Levantemos os olhos ao nosso derredor e vejamos a enorme quantidade de problemas que assolam o Judiciário como um todo, no qual centenas, milhares de processos falenciais se arrastam diariamente, para cima e para baixo, sem solução.

Nessa sina, quase todos perdem… Alguns levam vantagens incomensuráveis e procuram mais e mais vantagens, sempre com o discurso de que não há solução possível.

Há, sim, grandes soluções, que estão na própria novel legislação falencial, voltada para o mundo, para o mercado, para a produção, para o fortalecimento do empresariado de uma maneira geral.

Foi-se o tempo em que o falido era apenas o falido, equidistante do Judiciário. É o tempo de renovação e, passados mais de cinco (5) anos da vigência da presente lei, que deu certo, devem ser aprofundados os institutos para a solução dos problemas advindos da quebra, e, segundo imagino, a recuperação suspensiva da falência é uma solução.

Dentro dessa linha de raciocínio, incumbe ao falido a obrigação de elaborar um plano de reerguimento da empresa falida dentro dos seus exclusivos meios para tal finalidade, buscando os recursos adequados para tanto, oriundos, obviamente, de local lícito, mesmo porque não seria crível permitir-se encerrar um procedimento falencial com algo ilegal.

O plano de recuperação de empresas deverá ser submetido ao conhecimento prévio dos credores, exatamente como na recuperação de empresas, tudo sob as expensas do falido, mesmo porque a possibilidade de gastos excessivos com uma assembleia geral – que poderá ser negativa aos interesses do falido – geraria mais danos do que benefícios aos credores.

De mais a mais, como todo plano de recuperação de empresas, está sujeito a alteração por parte dos credores, os quais poderiam propor ao falido a aprovação do “plano B” em vez do plano inicialmente sugerido, dentro da linha de discussão tendente à aprovação do reerguimento da sociedade falida.

Além disso, situações especiais do plano de recuperação de empresas poderiam ser debatidas dentro da assembleia geral entre os credores e o devedor, com o estabelecimento de critérios específicos para casos específicos, desde que os demais credores estivessem de acordo.

A experiência demonstrou que inúmeras assembleias de credores chegaram a consenso, estabelecendo situações distintas para determinadas classes de credores, ou até mesmo para credores específicos, em face das condições pessoais e específicas de alguns credores. Essa é a importância da chamada democracia monetária.

É claro que a opção por um modelo pré-determinado pelo devedor ou pelo administrador, ou pelo Comitê de Credores, ou por credores isoladamente considerados tem o ingrediente primário de que cada um tem um interesse próprio diante do problema existente.

No entanto, em assembleia geral, esse problema e o interesse próprio tendem a ser absorvidos pelos demais problemas e interesses gerais, formando uma coesão, que, diante do decidido em assembleia, poderá ou não ser sublevado, considerando-se a decisão da maioria.

O Estado de Direito conhece os problemas individuais, mas se submete ao clamor coletivo de uma assembleia geral, sendo essa a essência da democracia monetária prevista na Lei 11.101/2005. O problema pessoal se rende diante do problema coletivo. A não aceitação será tratada mais adiante.

Creio que o amadurecimento da democracia monetária da presente legislação falencial recuperacional seja a pedra de toque do sucesso do modelo adotado pelo Brasil, rompendo com o passado e seu processamento antiquado, com a confecção de “relatórios” inúteis, em sua maioria sem praticidade alguma, sendo tudo substituído por assembleias gerais, muito mais práticas, amplas, democráticas e, principalmente, eficazes, já saindo com soluções e não mais problemas.

Conclusão

Dentro dessa linha de raciocínio, podemos concluir o presente estudo afirmando que a novel legislação falencial não sepultou totalmente o instituto da concordata suspensiva, mas, ao revés, deu-lhe nova roupagem, ao instituir a possibilidade de solucionar a falência com a comunidade de credores deliberando em assembleia geral de credores, o que chamaremos de recuperação suspensiva da falência, permitindo que o processo falencial se encerre no menor espaço de tempo possível.

Podemos considerar que uma recuperação suspensiva do processo falencial seria algo pioneiro no sistema jurídico nacional, desde a implantação da novel legislação, em 2005, produzindo o benefício adicional de resgatar um empresário falido para o mercado enquanto se soluciona sua falência, gerando maior credibilidade no sistema.

Creio que a recuperação suspensiva da falência daria uma nova opção ao empresariado, que, mesmo falindo, teria ainda ânimo de ajudar o Judiciário a solucionar os problemas decorrentes da quebra, eis que teria condições de retornar à sua atividade produtiva, resgatando sua dignidade pessoal e moral como ser humano, pois o reerguimento dos negócios demonstraria que o mal foi passageiro.

Uma nova chance é o que muitos que erraram buscam incessantemente. A nova opção que sugerimos é uma solução que está na lei. Apenas ainda não foi revelada, mas sem sombra de dúvida poderá se tornar um marco no cenário jurídico nacional.