A quem (não) interessa a investigação pelo Ministério Público?

5 de janeiro de 2005

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A sociedade brasileira está farta da violência. O cidadão de bem não tolera mais a impunidade. A corrupção corrói recursos públicos indispensáveis a tantas ações sociais necessárias. Essas afirmações retratam a realidade atual do nosso País.

Se um observador externo, no entanto, recebesse notícias apenas da maior discussão que se trava no momento no setor jurídico brasileiro, certamente teria outra visão: acreditaria que a criminalidade está sob pleno controle e que o erário não sofre ameaças. É que a comunidade do Direito discute a retirada do poder de investigação de um órgão do Estado.

Parece surrealista. Em uma nação assolada por tantas mazelas, há quem esteja preocupado em impedir que promova investigações o Ministério Público; instituição incumbida da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (Art. 127 da CF) e que tem por principal função institucional “promover, privativamente, a ação penal pública” (Art. 129, I, da CF).

Se é da tradição jurídica nacional a investigação pelo Ministério Público, nunca antes questionada, por que a discussão agora? Por que reduzir o Ministério Público à condição de — como expressou o Ministro Carlos Ayres de Britto — “bobo da Corte” ?

Uma vez que não estão contidas a criminalidade organizada, a macro-criminalidade econômica, a corrupção eleitoral e as violações aos direitos humanos, a única resposta possível é que as investigações que vêm sendo feitas pelo Ministério Público estão incomodando poderosos.

Não há dúvida de que o cidadão comum quer um Ministério Público investigando os fatos criminosos que o atormentam. Em pesquisa feita pelo IBOPE — encomendada pela CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público — no início deste ano, 68% dos entrevistados expressaram que o Ministério Público “deve investigar todos os crimes”; somente 4% disseram que “só a Polícia deve investigar”.

Nesse contexto social, qual o argumento dos que querem tolher o poder de investigação do Ministério Público?  Basicamente o de que o Ministério Público não tem atribuição para instaurar e presidir “inquéritos criminais”. Ora, não se discute essa dedução. Não pretende — e nunca pretendeu — o Ministério Público presidir inquéritos. A Constituição Federal, efetivamente, não concede ao Órgão essa atribuição. Entretanto, o inquérito policial não é a única forma de se promover investigações. Inúmeras são as maneiras de levá-las a efeito: procedimentos administrativos, sindicâncias, comissões parlamentares de inquérito, entre outras.

A Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública; ou seja, atribuiu-lhe o poder de postular perante o Poder Judiciário a punição dos que cometem delitos. Se lhe deu essa missão, implicitamente outorgou-lhe todos os meios necessários à sua consecução: para intentar a ação penal, é necessária prévia investigação. É a denominada teoria dos poderes implícitos, consagrada na doutrina. Além disso, dotados seus membros das garantias de independência, tem o Ministério Público melhores condições de promover investigações quando elas alcançam detentores de poder político ou econômico.

Não é por outra razão que, no mundo moderno, em países avançados, as investigações promovidas pelo Ministério Público têm produzido excelentes resultados. Graças a elas, por meio da denominada “Operação Mãos Limpas”, a Itália conseguiu livrar-se do jugo da Máfia, organização criminosa tão organizada quanto antiga.

Por isso tudo, o poder de investigação do Ministério Público é prerrogativa da sociedade, do cidadão honesto e cumpridor de seus deveres. Sua exclusão só trará benefícios aos criminosos e corruptos.