Edição 108
A Questão Prisional
31 de julho de 2009
Carlos Olavo Pacheco de Medeiros Desembargador federal do TRF da 1ª Região
Um dos mais graves problemas afetos ao poder público, nunca enfrentado com a atenção necessária pelas autoridades competentes, é o que decorre das condições críticas e perversas do nosso sistema prisional. A maioria dos homens comuns ignora o que se passa no interior dos presídios em pleno século XXI, em termos de promiscuidade, de falta de assistência material, moral, médica, de condições mínimas de sobrevivência digna para o ser humano.
Segundo noticiado por empresa de comunicação on-line, o Conselho Nacional de Justiça deu início em meados do ano passado a inspeções e mutirões carcerários em vários Estados da Federação, constatando uma triste realidade de miséria humana, com presos recolhidos e mantidos dentro de contêineres, sem ventilação e sem o mínimo de cuidados de qualidade e higiene que se exigem na alimentação de um ser humano. E mais: superpopulação; falta de água potável; marmitas de plástico, descartáveis, reutilizadas para uma alimentação de péssima qualidade. E o que releva assinalar é que as vistorias não se completam, pela absoluta falta de segurança para quem ali ingresse e possa constatar irregularidades embuçadas, camufladas por detentos e pelos próprios carcereiros. Ali há um verdadeiro quartel de criminosos prontos para fazer eclodir as rebeliões sanguinárias de que tomamos conhecimento de quando em quando pela imprensa escrita e televisada. Há prisões que não comportam mais de quatrocentos ocupantes com uma população carcerária superior a mil
e duzentos.
Nesse ambiente de opróbrio e de devassidão moral, não há perspectiva de salvação para ninguém. Se a segregação já é em si um vácuo e dele tem horror qualquer ser da natureza, o que não dizer de um isolamento marcado pelo abandono, pelo desprezo a todas as regras de respeito à pessoa humana. Por isso, surge com alvíssaras a notícia de que o estado de Minas Gerais construirá o primeiro complexo prisional do País, formado por três unidades destinadas ao regime fechado e duas ao semiaberto, com a previsão de que a obra poderá ser concluída em trinta meses e a capacidade para receber três mil e quarenta sentenciados. Prevê-se uma assistência na área prisional das mais modernas do mundo, desde os cuidados para com a inibição de fugas até o caminho da ressocialização dos presos, com oportunidade de trabalho e educação. Os internos terão atividades educativas e culturais, além de receberem aulas em cursos profissionalizantes.
É preciso que se tenha consciência do grave problema e que ele tem que ser enfrentado pelo Poder Executivo, a cujos integrantes tem faltado vontade política para fazê-lo. Julgado e condenado criminoso, o juiz perde-o de vista todo o tempo da execução da pena, porque a partir de então toda a responsabilidade sobre ele passa a ser da administração penitenciária, com a inafastável competência fiscalizadora do Ministério Público. Os mais graves problemas que ocorrem dentro do sistema penitenciário, em grande número de países do mundo inteiro, advêm da má qualidade dos seus administradores, da falta de qualificação moral e intelectual da carceragem, quando se sabe que o arbítrio e os seus abusos nesse ambiente é uma fatalidade humana, se não observados velhos princípios de pedagogia, disciplina e educação moral. Os prêmios e os castigos; as preterições e as preferências; os favores e as perseguições, que se concedem ou denegam, infligem ou prodigalizam na execução das sentenças, são as mais temíveis formas do arbítrio para se exercitar na solidão e no isolamento de um presídio. Sem o preparo de uma administração informada sobre os elementos essenciais do penitenciarismo, sem a investidura de um pessoal idôneo e vantajosamente instruído para o serviço administrativo das prisões, sem a acomodação dos reclusos num ambiente sadio e de comodidade minimamente adequada para o seu acolhimento, o problema explosivo das prisões perdurará indefinidamente, comprometendo o prestígio moral da própria sociedade.
Como se vê, trata-se de um problema imensamente complexo, para cujas soluções exige-se muito estudo, espírito público, idealismo e vontade política, qualidades que infelizmente têm faltado àqueles responsáveis pelas questões mais prementes na área dos direitos humanos.