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A relação jurídica do administrador não sócio com a sociedade limitada sob a ótica do direito do trabalho

23 de maio de 2013

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Há muito, as empresas, tanto sociedades anônimas quanto limitadas, não são mais administradas por seus acionistas ou sócios quotistas, mas sim por profissionais altamente especializados, em diversas áreas do conhecimento, remunerados de formas extraordinárias e, muitas vezes, inclusive, com expressivas participações nos resultados empresariais.

Nas sociedades anônimas, os profissionais eleitos pelas respectivas assembleias de acionistas para o exercício do cargo de direção já foram reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais do trabalho como não empregados, observados os preceitos da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e, em especial, os termos do Enunciado 269 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O Código Civil de 2002, por sua vez, regulou a figura do administrador de sociedades limitadas, seja sócio ou não da sociedade, por vezes com responsabilidades similares àquelas previstas para os diretores de sociedades anônimas, por exemplo, o dever de diligência – artigo 153 da Lei 6.404/76 e artigo 1.011 do Código Civil.

Desde então, é comum a nomeação de administradores não sócios em sociedades limitadas, com a celebração da relação jurídica no corpo do próprio Contrato Social da sociedade, ou por intermédio de instrumento em separado levado à respectiva averbação, nos termos do artigo 1.012 do Código Civil, sem o reconhecimento concomitante de relação jurídica de emprego entre o profissional administrador e a empresa.

Nesse contexto, o que pretendemos discutir é a espécie de relação jurídica decorrente do trabalho de administração prestado por profissional não sócio para sociedade limitada, em especial a caracterização da relação jurídica de emprego entre a sociedade limitada e seu administrador não sócio.

Isso porque, inicialmente, poderíamos afirmar que a relação jurídica entre profissional que exerce a gestão administrativa em sociedade limitada é de natureza civil, consubstanciada no contrato de mandato, regulado pelos artigos 653 até 692 do Código Civil, conforme previsto no Parágrafo 2º do seu artigo 1.011, que regula o exercício da administração em sociedades, vejamos:

Artigo 1.011 – O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
(…)
Parágrafo 2º – Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato. (grifo nosso)

No entanto, por se tratar de uma relação de trabalho, entendemos que poderá haver caracterização do contrato de trabalho entre as partes, não obstante sua celebração sob a forma de contrato de mandato, nos termos do disposto legal acima transcrito.

Ressalte-se, por oportuno, que reconhecemos características similares entre o contrato de mandato e o contrato de trabalho, sendo certo que (i) admitimos a possibilidade de coexistência das relações jurídicas de emprego e mandato na mesma relação de trabalho do administrador e; (ii) entendemos que a relação jurídica de mandato poderá ser afastada, com o reconhecimento da relação jurídica de emprego, caso verificada a subordinação inerente ao contrato de trabalho no dia a dia da relação de trabalho do administrador não sócio.

Nesse aspecto, é importante mencionar que, em contraposição ao posicionamento doutrinário no sentido da impossibilidade de coexistência das duas espécies contratuais em uma mesma relação de trabalho – contrato de mandato e de trabalho – é importante trazer ao conhecimento o ensinamento de João de Lima Teixeira Filho, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21ª Edição, Editora LTr, Página 314, vejamos:

Toda essa discussão parece hoje superada. De fato o empregado, já vinculado ao empregador por um contrato de trabalho, pode receber deste um mandato para administrar interesses. São coisas separadas e inconfundíveis. O Novo Código Civil repetiu a regra do anterior (art. 1.288), que dizia: “Opera-se o mandato, quando alguém recebe de outrem poderes, para, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses”. Mas acrescentou: “A procuração é o instrumento do mandato” (art. 653), o que deixa evidente que só haverá mandato se houver procuração para praticar ato ou administrar interesses, não para prestar serviços numa relação contratual subordinada.

Todo esse debate doutrinário nos permite afirmar que é considerável o risco de os nossos tribunais do trabalho admitirem a coexistência das duas espécies contratuais decorrentes da mesma prestação de trabalho do profissional na qualidade de administrador.

Nesse sentido, inicialmente, vejamos o artigo 653, do Código Civil, que define o que é o contrato de mandato:

Artigo 653 – Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Dessa forma, é possível concluir que aquele que recebeu poderes – mandatário – pratica, em nome daquele que outorgou poderes – mandante – atos que geram direitos e obrigações ao mandante perante terceiros, como se o mandante tivesse feito parte pessoalmente do negócio celebrado por intermédio do mandatário.

Os principais deveres do mandatário são: (i) a execução do mandato de acordo com as instruções, poderes e a natureza do negócio que se deve executar; (ii) manter o mandante informado sobre os negócios objeto do contrato de mandato; (iii) indenizar o mandante por prejuízo que tenha dado causa por culpa própria ou do substabelecido sem autorização do mandante e; (iv) prestar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhes as vantagens decorrentes do mandato.

O mandatário, por sua vez, está obrigado, principalmente: (i) a pagar a remuneração ajustada em razão do contrato de mandato e; (ii) adiantar ou reembolsar despesas necessárias para a execução do contrato de mandato.

Ressalte-se que a procuração é o instrumento pelo qual se aperfeiçoa o contrato de mandato, entendendo-se como tal a outorga verbal – autorizada por lei em algumas hipóteses –, ou por escrito – por instrumento público ou privado, nos termos do artigo 653 do Código Civil.

Por outro lado, a caracterização do contrato de trabalho segue as definições de empregador e empregado, conforme preceituado nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vejamos:

Artigo 2º – Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
Artigo 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

A definição do artigo 2º da CLT é autoexplicativa, mas devemos dizer que como principais obrigações do empregador estão: (i) a assunção de riscos da atividade – custos, prejuízos e o comando do trabalho, inclusive, danos causados a terceiros por consequência de condutas do trabalhador contratado e; (ii) o pagamento de salários.

E, ainda que igualmente autoexplicativa a definição do artigo 3º da CLT, devemos mencionar que as principais obrigações do empregado são: (i) prestar o trabalho contratado e; (ii) a dependência – subordinação – ao poder de direção do empregador no que tange aos aspectos do contrato de trabalho.

O contrato de trabalho se aperfeiçoa de forma escrita ou verbal, tácita ou expressa, nos termos dos artigos 442 e 443 da CLT, o que significa dizer que, ao contrário da regra geral do contrato de mandato, não necessita de forma específica.

Note-se, nesse contexto, que as obrigações inerentes ao mandante e ao empregador são, de certa forma, similares, pois enquanto o outorgante assume custos e riscos perante terceiros pelo negócio celebrado por intermédio do outorgado, o empregador, igualmente, assume custos e riscos perante terceiros decorrentes de atos de seus empregados.

Entretanto, há um aspecto essencial a diferenciar o mandatário e o empregado, especificamente, a subordinação, requisito fundamental para a caracterização do contrato de trabalho, em detrimento do contrato de mandato ou, até mesmo, para a aceitação da coexistência de ambos em uma mesma relação de trabalho.

Ressalte-se que, não há como se admitir a subordinação na relação de trabalho decorrente de contrato de mandato – de forma a se considerar nulo esse último e se declarar a relação jurídica de contrato de emprego – meramente pela obrigação do outorgado de prestar informações e contas ao outorgante sobre os atos praticados na defesa dos interesses deste último.

Nesse sentido a doutrina está sedimentada, valendo trazer ao debate breve assertiva do saudoso Ministro Arnaldo Süssekind, ao diferenciar contrato de trabalho e contrato de mandato, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21ª Edição, Editora LTr, Página 313, vejamos:

(…) a propósito da distinção entre contrato de trabalho e mandato – que “convém recorrer, mais uma vez, ao critério do vínculo de subordinação”, advertindo, contudo, que “cumpre evitar o erro de confundir subordinação com a obrigação de prestar conta”, que incumbe ao mandatário. (grifo nosso)

Por outro lado, a princípio, também não há como se admitir a inexistência de subordinação na relação de trabalho, de forma a caracterizar o contrato de mandato, apenas pela alegação de que o profissional não sócio nomeado administrador, que se pretende considerar mandatário outorgado, detém amplos poderes para gestão do negócio.

Isso porque, a CLT, quando trata das jornadas de trabalho, em seu capítulo II, artigo 59 e seguintes, exclui dos regimes comuns de duração do trabalho, no inciso II do seu artigo 62, os empregados que exercem cargo de gerência, preceito legal este que serviu à doutrina para a conceituação do que se denominou de cargo de confiança, vejamos:

Artigo 62 – Não são abrangidos por esse regime:
(…)
II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. (grifo nosso)

Isso significa que o amplo poder de gestão pode estar presente na relação jurídica de emprego, quando o empregado exerce cargo de confiança, dirigindo a atividade econômica e confundindo sua atuação com a própria figura de empregador, mas não necessariamente afastando por completo a subordinação inerente ao contrato de trabalho.

Vale trazer ao conhecimento comentário de Valentin Carrion, acerca dos requisitos para a caracterização do exercício de cargo de confiança, em “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”, 30ª Edição, Editora Saraiva, Página 119, vejamos:

4. Gerente. O conceito legal supra, art. 62, II, é o mais próximo que possuímos para cargo de confiança, não obstante possa haver outros cargos de confiança, raros (o art. 499 o menciona). A denominação utilizada na empresa não é importante; a gerência pode ser no campo administrativo somente (em grandes ou pequenas empresa) ou no administrativo e no técnico (geralmente só nas médias e grandes empresas) (…)
(…) o que vale é o poder de autonomia nas opções importantes a serem tomadas, poder este em que o empregado se substitui ao empregador”. (grifo nosso)

Diante disso, cumpre então adentrarmos na verificação acerca da conceituação da subordinação inerente ao contrato de trabalho.

O artigo 3º da CLT, ao definir empregado, conforme já mencionado acima, exige como requisito a dependência deste em relação ao empregador, sendo certo, entretanto, que não define as espécies do gênero “dependência”.

Por isso, muitos doutrinadores entendem que, como dependência, deve ser entendida, simultaneamente, tanto a subordinação econômica quanto jurídica do empregado ao empregador, enquanto outros apenas aceitam a subordinação jurídica como existente no âmbito do contrato de trabalho.

Isso porque, a subordinação – dependência – econômica pode existir sem que se tenha a relação jurídica de contrato de trabalho – por exemplo, a título ilustrativo, dependência econômica no contrato de mandato.

Ou, ainda, podemos afirmar que o contrato de trabalho pode existir sem que o empregado tenha dependência econômica em relação ao empregador, por exemplo, o empregado detentor de patrimônio suficiente para não depender do salário pago pelo empregador para sua sobrevivência.

Nesse cenário, nos filiamos à corrente que entende que a subordinação do contrato de trabalho é jurídica e, nesse sentido, citamos mais uma vez o saudoso Ministro Arnaldo Süssekind, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21ª Edição, Editora LTr, Página 242, vejamos:

Mas a subordinação do empregado é jurídica, porque resulta de um contrato: nele encontra seu fundamento e seus limites (…)
Tem razão, portanto, Sanseverino, quando frisa que a subordinação própria do contrato de trabalho não sujeita ao empregador toda a pessoa do empregado, sendo, como é, limitada ao âmbito da execução do trabalho contratado.

Por conseguinte, cumpre trazer ao conhecimento os aspectos relativos à subordinação jurídica decorrente do contrato de trabalho, especificamente relacionada com: (i) o poder de comando do empregador – determinação das condições e do trabalho a ser realizado, observados limites legais e contratuais; (ii) controle – fiscalização do cumprimento das determinações acerca das condições e do trabalho e; (iii) aplicação de sanções disciplinares pelo não cumprimento das determinações.

A tradução desses aspectos mais uma vez é do Ministro Arnaldo Süssekind, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21a Edição, Editora LTr, Página 243, vejamos:

Ao direito do empregador de dirigir e comandar a atuação concreta do empregado corresponde o dever de obediência por parte deste; ao direito de controle correspondem os deveres de obediência, diligência e fidelidade.

Ocorre que, no mundo moderno, com a constante profissionalização das empresas em detrimento das administrações executadas diretamente pelos sócios do negócio, se tornou difícil a identificação da subordinação no caso dos grandes executivos, sendo certo que essa peculiaridade, por si só, não afasta o reconhecimento do contrato de trabalho em casos de grandes executivos.

A esse respeito, vale citar Valentin Carrion, em “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”, 30ª Edição, Editora Saraiva, Página 38, vejamos:

Entretanto, há casos em que a subordinação de fato não é visível, restando em estado potencial (trabalho em que o próprio resultado da atividade evidencia a aceitação das normas prefixadas e a quantidade de produção; altos empregados). Há autores que abandonam o critério da subordinação, preferindo caracterizá-lo simplesmente por “trabalho por conta alheia para organização ou empresa” (Alonso Olea, “Introducción al derecho del trabajo”); “o trabalho por conta alheia ou para outrem, que torna seus, direta e indiretamente, os frutos materiais e imateriais do mesmo trabalho, remunerando-os. (idem, LTr 38/789, 1974). O Direito do Trabalho incide sobre trabalhadores cujo vínculo de subordinação é tênue; (…) (grifo nosso)

Em nosso entendimento, quem melhor traduziu essa dificuldade de identificação da subordinação nas relações de trabalho entre empresas e altos executivos foi Amauri Mascaro Nascimento, em “Curso de Direito do Trabalho”, 19a Edição, Editora Saraiva, Página 597:

Toda dificuldade resulta do fato de agirem como representantes do próprio empregador e com um poder de iniciativa muito grande, a ponto de serem responsáveis pela marcha do negócio.

No entanto, ainda que possa ser considerada de difícil identificação, a subordinação é, sem margem de dúvidas, o requisito fundamental para a definição da relação jurídica de emprego em detrimento de qualquer outra da qual se revista a relação jurídica no seu aspecto formal.

E, sendo assim, para a análise do requisito subordinação, é necessária a verificação dos poderes conferidos aos administradores não sócios de sociedades limitadas, sendo certo que a menção à investidura de “plenos poderes” ao administrador nos permite, a princípio, deduzir que não haveria nessa relação jurídica a subordinação inerente ao contrato de trabalho.

No entanto, caso se verifique limitações aos “plenos poderes” dos administradores – para atos como alienar, transigir, hipotecar, levantar dinheiro, substabelecer, emitir nota promissória, renunciar direito, transmitir dívidas, fazer doação, fazer novação, dar fiança, emitir cheque – podemos afirmar que estará caracterizada a espécie ordinária da administração dos interesses da empresa, que não contempla atos considerados pelo legislador como de extremo comprometimento.

Nesse contexto, no âmbito do poder da administração ordinária, quando não há outorga de poderes especiais, ou quando há limitações na outorga de poderes especiais para o administrador, em nossa opinião é possível concluir pela subordinação desse profissional nomeado administrador em relação à sociedade limitada.

Mas é o próprio Código Civil, nos seus artigos 1.172 e 1.173, que informa quem pode ser o gestor da sociedade com poderes limitados, vejamos:

Artigo 1.172 – Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência.
Art. 1.173 – Quando a lei não exigir poderes especiais, considera-se o gerente autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados.

Na verdade, para o nosso Código Civil, o preposto permanente no exercício da empresa, com limitação de poderes de gestão, é considerado gerente; o qual, para o direito do trabalho, é o empregado investido em cargo de confiança.

Além disso, nas hipóteses em que o administrador responde, ou tem seus atos fiscalizados e limitados pelos sócios, ou por um conselho diretivo, podemos afirmar que, mais uma vez, apresenta-se um elemento caracterizador da subordinação.

Nesse sentido, cumpre mais uma vez trazer ao conhecimento os ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento, em “Curso de Direito do Trabalho”, 19a Edição, Editora Saraiva, Página 600, vejamos:

Razões dessa ordem têm influído no posicionamento de doutrinadores trabalhistas, com reflexos sobre os juízes, ao sustentarem a tese, exemplificada na afirmação de Octávio Bueno Magano (“Manual de Direito do Trabalho”, São Paulo, LTr, 1981, v.2, p. 119), segundo a qual os diretores são subordinados ao conselho de administração e por tal motivo hão de ser, necessariamente, classificados como empregados, já que a subordinação é o traço característico do contrato de trabalho”. (grifo nosso).

Por fim, cumpre ressaltar que as previsões legais destinadas aos administradores de sociedades limitadas servem para regular as relações – direitos e obrigações – desses profissionais perante as sociedades e terceiros, assim como as suas responsabilidades no exercício da administração.

Isso significa dizer que os direitos e obrigações desses profissionais em relação às sociedades, no âmbito da legislação do trabalho, não são excluídos pela legislação civil, mas coexistem dentro da órbita sistemática jurídica.

Considerando os fundamentos apresentados, entendemos que as sociedades limitadas que não consideram como empregados os profissionais que exercem a sua administração sem poderes especiais, ou com limitação de poderes especiais, estão sujeitas aos riscos de constituição de passivos trabalhista, previdenciário e fiscal, tanto na esfera natureza administrativa quanto judicial.