A representatividade nos espaços de poder e a consolidação da democracia

4 de janeiro de 2021

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

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A cada ano, em várias partes do mundo, são registrados avanços em direção à afirmação e à conquista de direitos das mulheres. Mas ainda são incontáveis as barreiras que persistem a dificultar a igualdade de condições entre os gêneros nos espaços de poder.

No Brasil, as eleições de 2020 tiveram recorde de candidatas mulheres. Foram mais de 179 mil concorrentes (33,1%), sendo que, em anos anteriores, o índice não passava dos 32%. Mas mesmo que pelas regras atuais os partidos precisem reservar, pelo menos, 30% das vagas e da verba de campanha para elas, o resultado mostrou que ainda são muitas as dificuldades para serem eleitas.

Entre as 96 cidades mais importantes do País – capitais e os 70 municípios com mais de 200 mil eleitores – apenas nove mulheres foram eleitas prefeitas. Em todo o País, o percentual foi de apenas 12%. Ou seja: de cada 100 prefeituras, 12 são comandadas por mulheres. Os números baixos são reflexos de uma exclusão histórica que ainda resulta na baixa representatividade feminina, também em outros cargos de liderança.

Durante o pleito municipal, vimos mais uma vez notícias sobre a utilização de mulheres como laranjas — candidatas de fachada, que recebem repasses em dinheiro público, e que acaba sendo desviado — assim como a criação de fake news preconceituosas direcionadas às candidatas. Temas pertinentes que vêm sendo discutidos constantemente pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministro Luís Roberto Barroso.

Conforme pesquisa realizada pelo TSE, no Brasil, 52,21% dos eleitores são mulheres, enquanto 47,72% são homens. Portanto, mesmo que a luta das mulheres por seus direitos e pelo exercício da cidadania não seja tão recente, ainda há um longo caminho a percorrer para as devidas mudanças na sociedade.

No clássico “Segundo sexo”, Simone de Beauvoir descreve as engrenagens que mantiveram a mulher, ao longo dos séculos, sob a tutela masculina. A escritora francesa cita o antropólogo Claude Lévi-Strauss para asseverar que, na maioria das comunidades primitivas, o poder político esteve sempre vinculado ao homem — que encarnava, em si, o conceito da autoridade pública a qual tinha a prerrogativa de exercer. As mulheres, nesse contexto, chegavam a figurar como bens, objetos com valor de troca à disposição de seus proprietários.

Assim, desde o princípio tem sido negada às mulheres, reiteradamente, a possibilidade de governarem a si mesmas. Mas, hoje, a simples existência de mulheres deputadas ou magistradas, por exemplo, autônomas e independentes, desfere um golpe de morte no atraso.

Para a consolidação do Estado verdadeiramente democrático de direito, muito ainda precisa ser feito. Cabe-nos reconhecer a exclusão histórica das mulheres dos espaços de liderança da vida pública. Compete às mulheres, seja na esfera pública ou privada, ocupar, cada vez mais, esses espaços de poder, rendendo, aos poucos, a histórica cultura que, durante muito tempo e ainda hoje, reprimiu e ofendeu diversos direitos do gênero, fazendo prevalecer a falsa impressão de que magistratura e política são espaços privativos à atividade masculina.

A conquista de postos de comando pelas mulheres se configura, portanto, como um exercício evolutivo, que espelha, pari passu, o estado de desenvolvimento social e humano dos cidadãos. O poder precisa se abrir à ocupação feminina –do contrário, estará condenado a residir, eternamente, no obsoleto.