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A responsabilidade civil pela perda de uma chance Análise de um caso

20 de julho de 2016

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Teoria da perda de uma chance

Em um caso concreto o autor relata que foi aprovado em 21o lugar em concurso público promovido pela Petrobrás Transporte S/A, cujas convocações referentes às etapas do processo seletivo foram efetivadas através de telegrama, conforme previsto no item 14.13 do edital.

O autor comprovou que já havia recebido telegrama no endereço do trabalho de sua mãe (datado de 24/10/2008 à fl.26), no qual foi convocado para realização de exames no dia 5/11/2008 e informado na ocasião que “a disputa estava concluída e que ele deveria aguardar futuras orientações através de outro telegrama, e assim foi que o autor pôs-se a aguardar ansiosamente a convocação para apresentar documentos para a tão sonhada contratação”. Sendo certo, que no dia 21/11/2006 o autor deveria ter recebido outro telegrama no mesmo endereço, convocando-o para finalização dos exames médicos pré-admissionais.

O autor teve conhecimento da sua convocação, em 4 de janeiro de 2009, quando descobriu que uma candidata com classificação pior do que a sua havia recebido um telegrama de convocação no dia 2 de janeiro de 2009.

Registre-se que o autor, que servia à Aeronáutica, em São Paulo, e cuja mãe trabalhava na Praça da Bandeira, não ficando ninguém em casa para receber correspondências, agiu com cautela ao trocar o endereço de correspondência para o prédio comercial, no qual sua mãe trabalhava, para garantir o recebimento dos telegramas da empresa.

Ocorre que o autor foi eliminado do certame por não ter comparecido, em 16 de dezembro de 2008, para realizar um exame pendente. Nos dias 21, 22 e 24 de novembro de 2008, sexta-feira, sábado e segunda-feira, respectivamente, ocorreram três tentativas de entrega do telegrama e não havia ninguém para recebê-lo no endereço indicado, segundo documento oficial emitido pela Empresa de Correios e Telégrafos.

A mãe do autor tentou reverter sua eliminação junto à empresa, mas para isso teria que obter um documento oficial da ECT retificando a informação enviada como justificativa para não entrega do telegrama, porém não obteve êxito em cumprir a exigência. Afirmou o autor que em conversa com o carteiro responsável pela entrega, este alegou que o atendimento no prédio é muito “vagaroso”, o que dificultava a entrega de correspondências em outros locais, por isso não conseguiu entregar o referido telegrama.

Diante desse quadro o autor fez uma reclamação via email, recebendo a seguinte resposta da ECT:

De acordo com informações prestadas pela unidade distribuidora, não é possível fazer alterações no status de rastreamento, porém, segue retificação do mesmo: na 1a tentativa de 21/11/2008 às 18:10, onde consta “ausente” como nota, leia-se “empresa com expediente encerrado”, na 2a tentativa de 22/11/2008 às 10:00, onde consta “ausente”, leia-se “empresa sem expediente” e finalmente, na 3a tentativa, onde também consta “ausente”, leia-se “houve demora no atendimento por parte do responsável pelo recebimento das correspondências no endereço do telegrama de referência”, tendo o carteiro outros telegramas a serem entregues com prazo de entrega a serem atendidos. (…).

 Causa perplexidade as explicações do sr. carteiro responsável pela entrega. O funcionário da ECT agiu no mínimo de forma negligente, inviabilizando a participação do autor no certame.

Some-se a esse lamentável quadro a inércia da ré nos autos. Em pese regularmente citada, não apresentou contestação. Portanto, a aplicação dos efeitos da revelia é medida que se impõe, na forma do art. 320 do CPC.

Requer o autor, em síntese, a condenação da ECT ao pagamento de compensação por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo juízo, bem como indenização a título de danos materiais, na modalidade de lucros cessantes, equivalente aos valores que seriam percebidos mensalmente na ocupação do emprego, da data que o autor deveria ter sido contratado até a prolação da sentença. O autor retificou o valor dos danos materiais para R$ 19.440,00, e de danos morais para R$ 12.960,00.

Delineados os pontos relevantes do caso concreto passo ao exame da possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da responsabilidade civil da ECT pela perda de uma chance.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 6o, norteia a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público, bem como as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, tendo em vista os danos praticados por seus respectivos agentes a terceiros.

De acordo com o preceito constitucional antes mencionado, certo é que as pessoas elencadas no referido parágrafo respondem objetivamente pelos atos praticados por seus prepostos que, nessa qualidade, causarem danos a terceiros.

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT é empresa pública federal, pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço postal, de natureza pública e essencial (art. 21, X, da CF), portanto incontestável o fato de que a presente ação versa sobre a responsabilidade objetiva com fundamento no art. 37, § 6o, da CF.

Diversamente das empresas estatais exercentes de atividade econômica, que estão predominantemente sob o regime de direito privado, a ECT está sob o domínio do regime público, dada a essencialidade e exclusividade do serviço postal prestado.

A responsabilidade objetiva do Estado e das pessoas de direito privado prestadoras de serviço público tem como base a teoria do risco administrativo, independente da apuração de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos.

Como se sabe, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal, aplicada a todos os tipos de responsabilidade civil, seja extracontratual ou contratual, objetiva ou subjetiva.

Ao examinar pontualmente o tema em questão, Sérgio Cavalieri assevera que “causa adequada será aquela que, de acordo com o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, se revelar a mais idônea para gerar o evento”. Ressalta o mestre que Antunes Varela faz a melhor colocação da teoria para se descobrir dentre várias condições qual foi a mais adequada:

Não basta que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua nom do prejuízo. É preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do dano. Assim, prossegue o festejado autor, se alguém retém ilicitamente uma pessoa que se apressava para tomar certo avião, e teve, afinal, de pegar ouro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao aeroporto de destino, não se poderá considerar a retenção ilícita do individuo como causa (jurídica) do dano ocorrido, porque, em abstrato, não era adequada a produzir tal efeito, embora se possa asseverar que este (nas condições que se verificou) não seria dado se não fora o fato ilícito. A ideia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade adequada entre o fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e da experiência comum da vida (Obrigações, Forense, p.251-252) CAVALIERI FILHO, 2009, p.48.

 Assim, demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo e o dano, exsurge o dever de indenizar o particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo. Não se perquire acerca da existência ou não de culpa porque a responsabilidade, neste caso, é objetiva, importando apenas o prejuízo causado a dado bem tutelado pela ordem jurídica.

Primeiramente, cabe destacar que, conforme entendimento assente no Tribunal Regional Federal da Segunda Região a ECT submete-se à regra da responsabilidade objetiva prevista no art.37, § 6o, da Constituição Federal.

Por outro lado, caso fosse aplicável à hipótese versada nestes autos as normas insertas no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade também seria objetiva, o que também é admitido pela jurisprudência. Destarte, adotamos essa linha de entendimento majoritário na jurisprudência, no sentido de se admitir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Sendo assim, a responsabilidade da ECT, como fornecedora do serviço postal, é objetiva, amoldando-se a hipótese ao disposto no art. 14 da Lei no 8.078/90, em relação aos usuários de seus serviços.

Desta forma, é certo que sob quaisquer dos prismas analisados, a conclusão é no sentido de que a ECT responde de forma objetiva pelos danos que seus prepostos, nessa qualidade, causarem a terceiros. Sendo assim, levando-se em conta a norma inserta no art. 37, § 6o, da Constituição Federal, ou os dispositivos constantes do Código de Defesa do Consumidor, conclui-se que em ambos os casos o legislador atribuiu responsabilidade civil objetiva às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.

De outro lado, percebe-se a falha de serviço da ECT contratada pela empresa realizadora do concurso para entrega do telegrama, que ocasionou prejuízo ao autor impedindo sua participação na etapa final do certame.

Para o acolhimento do pleito inicial, portanto, necessário se faz precisar a existência do dano, qual seja, impossibilidade do autor atender a convocação da empresa. Além da comprovação do fato e do dano, há que se perquirir a respeito da existência do nexo de causalidade entre o fato e o dano.

Sendo certo que no processo examinado o autor não deu causa à falta de entrega do telegrama, ao contrário, ele indicou como endereço para recebimento das correspondências o prédio comercial no qual sua mãe trabalhava, considerando que o autor estava trabalhando em São Paulo, e sua mãe passava o dia no trabalho. Portanto, caso deixasse o endereço de seu domicílio certamente teria problemas para receber correspondências naquela época.

Algumas considerações quanto ao concurso que se submeteu o autor se fazem necessárias. O autor foi aprovado em 21o lugar, na primeira e única fase do concurso, sendo convocado para realização de exames e entrega de documentos. Donde se conclui que existia uma chance real e séria deste ser contratado pela empresa.

Portanto, o ato ilícito é a lesão à legítima expectativa do autor de participar do processo de seleção, pois em consequência da conduta omissiva da ré resultou na perda da oportunidade de alcançar uma situação futura melhor. Em outras palavras, o autor provavelmente obteria uma posição jurídica mais vantajosa, i.e., seria contratado, caso o serviço da ré não fosse defeituoso.

Nessa ordem de ideias, cai como uma luva a “teoria da perda de uma chance” (perte d’une chance), aplicada quando do ato ilícito resulte a perda da oportunidade de alcançar uma situação futura melhor. Vale ressaltar que o “termo chance utilizado pelos franceses significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance, em nosso sentir, oportunidade.” (SAVI, 2009, p.3).

Feita a digressão acima, concluiu esta Magistrada que são verossímeis as alegações constantes da peça inicial. Portanto, indiscutível a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, pois houve a perda de uma oportunidade real, plausível e séria a justificar a condenação da ECT.

Por fim, importa analisar se falha na prestação do serviço de entrega de telegrama, não contestada pela ECT, enseja ou não dano moral ao destinatário.

A condenação do réu é feita a título de danos materiais ou morais?

Segundo preleciona Sérgio Savi a perda de uma chance deve ser considerada uma subespécie de dano emergente, por ser uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre a lesão, qual seja, a perda da chance de obter o resultado útil esperado.

Argumenta o autor que ao considerar o dano da perda de uma chance como um dano emergente, se elimina o problema da falta de certeza do dano, bem como da existência do nexo causal entre o ato ilícito do ofensor e o dano. (SAVI, 2009, p.11).

Há quem entenda como Aguiar Dias e Carvalho Santos, que a indenização se dará a título de lucros cessantes, e, por isso, é de difícil quantificação. (SAVI, 2009, p.39/41). Todavia, essa classificação não procede, pois a indenização a título de lucros cessantes só se dará quando a vantagem é certa, enquanto na perda de uma chance se dará quando a vantagem é aleatória, quando está ligada a um risco.

Silvio de Salvo Venosa considera a perda de uma chance como uma espécie intermediária entre os lucros cessantes e os danos emergentes, e que, havendo certo grau de probabilidade, esta espécie passa a ser um dano indenizável. (SAVI, 2009, p.42).

Sérgio Cavalieri ao tratar do tema ressalta que a perda de uma chance será indenizada a título de dano patrimonial ou extrapatrimonial, dependendo do caso concreto. (CAVALIERI FILHO, 2009, p.75).

No direito italiano a chance somente será considerada séria e real quando a probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior a 50% (cinquenta por cento). Para cálculo do dano, em síntese, sobre seu valor utiliza-se a proporção de chance de obter o resultado favorável.

Parece-nos procedente o comentário de Carlos Roberto Gonçalves: “Conforme melhor doutrina, a indenização da chance perdida será sempre inferior ao valor do resultado útil esperado.” (GONÇALVES, v.4, 2011, p.275)

Se é verdade que não há um entendimento majoritário na jurisprudência, não menos verdade é que em muitos julgados a perda de uma chance é concedida a título de dano moral, conforme inúmeros acórdãos por nós analisados.

Fixadas essas balizas, entendo que se mostra razoável a condenação a dez vencimentos, a título de dano moral, considerando que o valor da remuneração do cargo pretendido pelo autor era superior a um salário mínimo, pois, ao contrário, a condenação não seria capaz de inibir a reiteração da ofensa praticada pelo preposto da ECT.

Registre-se, ainda, que existe um dano decorrente da perda da possibilidade de participar das demais provas do processo de seleção, independente do dano final, que seria a obtenção do emprego. Portanto, não seria justo que o candidato, ainda prestando exames médicos, recebesse a título de indenização os valores dos salários do cargo pretendido.

Contudo, entendo que o valor da condenação não deve ser o valor do somatório dos vencimentos, porque esta quantia se relaciona com o exercício da função e, não se pode remunerar aquele que não entregou contraprestação de forma mais benéfica do que aquele que trabalhou e assumiu ônus, pois isso seria violar a isonomia.

Atenta às ponderações feitas acima, entendo que em casos como este a condenação pela perda de uma chance deve ser considerada dentro da reparação do dano moral, refletindo sobre o valor da condenação.

O valor do dano moral pode ter como base a multiplicação, por dez, do valor do salário que seria recebido pelo autor, caso fosse contratado. A correção monetária incide a contar da sentença, e os juros de mora, à taxa legal, desde o evento (data da entrega do primeiro telegrama).

O próprio autor afirma que “somente poderia informar o valor preciso dos salários que perceberia se tivesse sido regularmente contratado.” Segue afirmando que altera o valor de indenização por danos materiais para R$ 19.440,00, e de danos morais para R$ 12.960,00.

Entretanto, no edital consta que a remuneração mínima para o cargo de técnico de operação júnior é de R$ 1.975,02, que multiplicado por dez perfaz o total de R$ 19.750,20, portanto, este deve ser o valor da condenação por danos morais.

Sem embargo, não houve nos autos outras provas de que outras circunstâncias poderiam ter frustrado a expectativa do autor de ser contratado caso o telegrama tivesse sido entregue regularmente, de modo que a falha da entrega é a causa direta do dano suportado pelo autor.

Portanto, a indenização decorreu da perda da possibilidade de conseguir a chance perdida e não pelo resultado perdido. Destarte, condenei a ré a indenizar o autor a título de danos morais suportados, arbitrados em R$ 19.750,20.

 

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