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A resposta de Simon

30 de abril de 2007

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Ao defender o processo contra Luís XVI, Robespierre usou argumento político definitivo: se o Rei era inocente, todos os que o acusavam seriam culpados. “De fato, não há processo a se fazer. Luis não é um acusado. Vocês não são juízes, vocês não são mais do que homens de estado. Não têm sentença a emitir contra um homem, mas medida de salvação pública a tomar, ato de providência nacional a exercer” – disse o incorruptível à Convenção Nacional, em dezembro de 1792.

Os advogados do soberano – Malesherbes, Tronchet e Desèze – entenderam que estavam diante de um libelo da História. Luis XVI não era criminoso vulgar, embora houvesse fechado os olhos aos desatinos da nobreza, não soubesse conter a frivolidade da Rainha e hesitasse entre os conselheiros sensatos, como Necker e os profiteurs da Corte. Não tivera a seu lado mulheres fortes, como Madame de Maintenon, amante de Luis 14, e Madame de Pompadour, a preferida de Luis 15, nem contara com ministros da têmpera de Richelieu e de Mazzarino.

O Senador Pedro Simon respondeu, e bem, ao ousado discurso do Sr. Fernando Collor de Mello. Expelido do poder por necessário processo político, é natural que Collor se defenda quando, absolvido pelo eleitorado alagoano, retorna a Brasília. No entanto, a atrevida apologia exigia resposta – e quem a deu foi o Sr. Pedro Simon. O senador gaúcho reabilitou a honra dos que se moveram contra quem montou (se o não montou, permitiu-o) o esquema de corrupção chefiado por Paulo César Farias. Os parlamentares relutaram muito em promover o processo contra o chefe de governo, mas a isso foram compelidos pela indignação das ruas.

Simon poderia repetir as palavras de Robespierre, na tumultuada sessão da Convenção Nacional, de dezembro de 1793: Si Louis est innocent, tous les défenseurs de la liberté deviennent des calomniateurs. Se Collor é inocente, todos os amantes da probidade, todos os defensores da coisa pública, enfim todos os patriotas, do motorista Eriberto às secretárias que depuseram, de seu irmão Pedro Collor aos parlamentares que o acusaram, são culpados de calúnia. Mas todos – e, principalmente, o próprio Collor – sabem que não faltaram motivos para o processo, embora os atos do Sr. Paulo César Farias fossem apenas o pretexto. O povo já não suportava o poder como espetáculo, a arrogância como virtude, a desfaçatez como conduta, a ostentação como liturgia.

A nação se sentiu defraudada naqueles meses. O povo suportara 21 anos de arbítrio, em que muitos haviam sucumbido nas masmorras e na luta aberta pela liberdade. O direito de escolher o presidente da República fora conquistado em jornadas de civismo que se encerraram com o sacrifício de Tancredo Neves, o grande construtor da saída democrática para a crise institucional.

Com entusiasmo, os eleitores votaram no caçador de marajás, na esperança de que, sendo o primeiro escolhido diretamente pelo povo, ele conduziria o país à austeridade e ao desenvolvimento. Nos comícios populares, senhor de bem construído discurso pelos marqueteiros, a demagogia de Collor era poderosa na conquista dos descamisados e famintos, enquanto, nas sombras, articulava-se o apoio financeiro indispensável dos usineiros do Nordeste e de grandes empresários de São Paulo.

Assim se fez presidente. Não fosse a avidez arrecadadora de Paulo César, mais para a caixa três do que para a caixa dois, ele teria completado a tarefa neoliberal de que se encarregara, a qual seria retomada pelo sucessor de seu sucessor.

Simon falou pela nação, diante de um Senado acanhado – na mais legítima etimologia do vocábulo.

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