Edição 288
A sociedade e o Poder Judiciário: ouvir é essencial para julgar
5 de agosto de 2024
Frederico Mendes Júnior Presidente da AMB
Vivemos em uma sociedade regida por normas que visam garantir a ordem e o bem-estar de todos, em que o Poder Judiciário desempenha o papel fundamental de guardião dos direitos e garantias individuais. Nesse cenário, os magistrados, que têm o dever de decidir conforme a legislação e as provas dos processos, não estão apartados dos cidadãos, tampouco encastelam-se em torres alheias às emergências do cotidiano.
A imagem do juiz como uma figura distante, inalcançável, não é verídica, pois o Judiciário segue permanentemente aberto às demandas, aos anseios e às dificuldades da população – o que não significa o abandono da imparcialidade e da isenção inerentes à função judicante. Trata-se de uma atuação humanizada, atenta às vicissitudes das pessoas e ciente dos contextos em que as questões jurídicas se inserem.
Essa proximidade se revela em audiências públicas, eventos acadêmicos e outras rodas de discussão – iniciativas que, afora o fortalecimento da confiança do público, permitem aos magistrados uma visão abrangente e exata dos conflitos que precisam dirimir. Afinal, para ser justa, a Justiça necessita conectar-se com a realidade política, social, econômica e cultural dos indivíduos que a
ela recorrem.
Além disso, a evolução tecnológica proporcionou ferramentas que intensificam a proximidade do Judiciário com a coletividade. A digitalização dos processos, a promoção de audiências virtuais e a utilização de plataformas para a comunicação com o jurisdicionado são exemplos de como as inovações viabilizam um melhor e mais célere atendimento às urgências.
Por esse e outros motivos é salutar a realização dos “Diálogos da Magistratura” – iniciativa que promove o encontro do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, com juízes de todo o país, e que já ocorreu em diversas unidades da federação. Nessas ocasiões, o ministro toma contato com as dores e as preocupações que acometem aqueles que se acham na ponta do sistema de Justiça – e, por isso mesmo, conhecem como ninguém os desafios da prestação jurisdicional.
Nessa empreitada, Barroso conta com o apoio da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que está efetivamente engajada no aperfeiçoamento dos serviços oferecidos pelo Judiciário. E os benefícios dessas reuniões vêm em mão dupla: ao passo em que descortinam ao presidente do STF um quadro nem sempre visível às autoridades de Brasília, mostram aos juízes – sobretudo os de primeiro grau – o que o Tribunal tem feito para vencer os gargalos persistentes, como a falta de infraestrutura humana e material e a sobrecarga de trabalho.
O compromisso do Poder Judiciário com o corpo social é, antes de tudo, o comprometimento com a democracia e com o Estado de Direito. Não é por outra razão que a escuta sensível configura-se como uma ferramenta indispensável para o exercício da magistratura. Ouvir mulheres e homens – de todas as classes e de todos os segmentos, desde trabalhadores até empresários, passando por estudiosos e representantes de minorias – possibilita ao juiz ampliar sua compreensão sobre os impactos de suas decisões.
A verdade é que, diferentemente do que supõe o lugar-comum, juízes não são ilhas desprovidas de contexto, inacessíveis e incomunicáveis; pelo contrário: afetam-se pelas relações humanas, responsáveis por dar sentido à aplicação da lei.