A soltura dos réus do Hotel Intercontinental e suas repercussões
25 de setembro de 2012
Siro Darlan Desembargador do TJERJ, membro da Associação Juízes para a Democracia, membro do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania
Em dezembro de 2011, a Sétima Câmara Criminal, após analisar as razões do terceiro Habeas Corpus impetrado em favor de nove acusados de invasão do Hotel Intercontinental, cumprindo as normas legais que considera o excesso de prazo na prisão constrangimento ilegal, concedeu a liberdade a sete réus primários e de bons antecedentes, que estão na rua há nove meses trabalhando e comparecendo aos atos processuais com regularidade.
A desatenta Secretaria de Segurança, que só agora se deu conta dessa decisão judicial encaminhou nota à imprensa mostrando-se indignada com a medida judicial. Triste e tardia constatação! Quais os motivos que fizeram com que a Sétima Câmara Criminal concedesse essa ordem? Os réus estavam presos há um ano e seis meses, quando o prazo máximo para concluir o processo era de 81 dias. Ficaram presos seis vezes mais tempo do que o prazo legal. Outro motivo, a Secretaria de Segurança admitindo sua incapacidade de garantir a segurança do povo do Rio de Janeiro havia transferido os presos para Presídio Federal de Rondônia, dificultando o regular andamento do processo e gerando o excesso de prazo, além de onerar os cofres públicos.
O Ministério Público, coerente com seu papel fiscalizador, acatou a decisão da Justiça e sequer recorreu da correta decisão, que além da adesão dos procuradores, teve a seu favor o fato de os réus, estando em liberdade, estarem cumprindo as condições legais trabalhando e comparecendo a todos os atos processuais. Ora, se vivemos num Estado Democrático de direito, a lei que vale para os réus do mensalão deve ser aplicada também parta os réus moradores das comunidades pobres. E, se a regra é a liberdade que mal há que respondam o processo em liberdade até que, quando e se forem condenados, cumpram a pena que a Justiça lhes atribuir?
Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, a Constituição Federal recebeu a inserção do princípio da razoável duração do processo no inciso LXXVIII do art. 5º. que diz “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.
Por seu turno o art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), e promulgado no Brasil através do Decreto n. 678, de 6.11.1992, assevera que:
Artigo 8º – Garantias judiciais:
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Tais indicativos demonstram a preocupação do legislador em estabelecer limites para a duração da persecução penal no intuito de que o réu, preso ou solto, possa ser regularmente processado à luz dos princípios e direitos constitucionais.
A prisão cautelar e provisória, medida excepcional, tomada no curso do inquérito policial ou do processo penal, com a finalidade de garantir a elucidação dos fatos, a ordem pública e, em caso de condenação, a aplicação da lei penal, tem, portanto, finalidade preventiva e só se justifica quando decretada no poder de cautela do juiz e for necessária para uma eficiente prestação jurisdicional.
Por outro lado, a exacerbação dessa providência excepcional, principalmente por meio da manutenção do preso provisório encarcerado por mais tempo que o legalmente previsto, ou seja, o excesso de prazo na prisão avilta os preceitos constitucionais.
O excesso de prazo na prisão provisória é tão repudiado que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 697 em 09.12.2003, permitindo o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo mesmo no caso de crime hediondo. Isto porque independente da torpeza do crime ocorrido, prisão ilegal é prisão ilegal e a existência de vedação à liberdade provisória ou à fiança, ambas já superadas pelo Pretório Excelso em decisões recentes, não tem força suficiente para elidir a ilegalidade proveniente do excesso de prazo da prisão cautelar.
Súmula 697:
A PROIBIÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS PROCESSOS POR CRIMES HEDIONDOS NÃO VEDA O RELAXAMENTO DA PRISÃO PROCESSUAL POR EXCESSO DE PRAZO.
A jurisprudência pátria oriente no sentido de que, para os casos de processos criminais nos quais o acusado se encontra preso, o entendimento é de que a instrução criminal deve findar no prazo de 81 DIAS.
Dessa forma, uma vez verificado o excesso de prazo, seja pelo juiz de primeiro grau, seja por desembargador ou ministro, este deve ser reconhecido até mesmo de ofício, e mais ainda quando requerido, e a prisão relaxada.
É absurdo que por entender que a causa é complexa ou sobre a alegada periculosidade do agente, o mesmo permaneça preso ilegalmente e com o aval do Poder Judiciário. É a institucionalização da violência, que causa sério gravame aos presos provisórios, seja do ponto de vista processual seja moral.
É óbvio que os prazos foram previstos pelo legislador para serem obedecidos e apenas em casos excepcionalíssimos é que podem ser excedidos. O que não pode ocorrer é a exceção – extrapolar o prazo legal – se tornar rotina e, consequentemente, a regra.
Ademais, é importante frisar que os princípios da eficiência, celeridade e economia processual devem ser observados em todos os processos, mas especialmente naqueles em que uma liberdade individual está sendo restringida em prol da coletividade.
Não se discute que o interesse público prevalece sobre o privado quando se decreta uma prisão provisória, contudo, a preponderância de tal interesse encontra seu limite na lei e na Constituição, e não pode ser invocado eternamente.