A magnífica entrevista que o operoso presidente do banco Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, concedeu ao Jornal do Commércio, transcrita nessa edição graças à gentileza do seu presidente Maurício Dineppi, define com atilada argúcia a plena convicção e o absoluto otimismo de um competente, conceituado e experiente empresário e administrador sobre as asseguradas esperanças no presente e no futuro para o Brasil.
A riqueza de argumentos que o consagrado economista expõe no alentado diálogo travado com o jornalista, transmite, além de sua experiência, lições de vida e de trabalho, prevendo para o futuro a estabilidade econômica como valor fundamental para todos os brasileiros com a certeza do crescimento real da Nação, como afirmado em sua entrevista: “Seremos uma nação melhor para trabalhar, formar família, educar os filhos, conviver com os amigos e na esperança da ascensão social”.
O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, faz uma análise das diretrizes da presidenta Dilma Rousseff, que assume o posto com o propósito de aproveitar as oportunidades disponíveis para o Brasil em todos os setores e atividades produtivas, como afirmado pela própria: “Para dar longevidade ao atual ciclo de crescimento, é preciso garantir a estabilidade de preços e seguir eliminando as travas que ainda inibem o dinamismo de nossa economia, facilitando a produção e estimulando a capacidade empreendedora de nosso povo, da grande empresa até os pequenos negócios locais, do agronegócio à agricultura familiar”.
Na avaliação de Trabuco, o setor privado será o grande motor da economia. Mas o governo terá o papel relevante de coordenar as expectativas e, sobretudo, liderar os projetos de infraestrutura para a modernização do País, afirmando: “A infraestrutura brasileira está dimensionada para uma demanda e um tamanho de PIB completamente diferentes dos que estão contratados para o curto prazo”.
Todo esse quadro positivo só será realidade, contudo, com o controle da inflação, a responsabilidade fiscal e o câmbio flutuante, como Trabuco avalia: “São os mais pobres os que mais se beneficiam do controle de preços. E o governo da presidenta Dilma herdou um contingente de milhões de novos consumidores de todos os tipos de produtos e serviços. É uma classe média vigorosa que está se formando”.
O presidente do Bradesco recomenda, em sua entrevista, mudanças no sistema público da Previdência e, ainda, garante que os bancos estão preparados para conviver com juros reais (descontada a inflação) de 2% ao ano a partir de 2014, como promete a presidenta Dilma Rousseff.
JC – O Brasil viverá, nos próximos 20 anos, o seu auge demográfico, com a população produtiva sendo a maioria dos habitantes. O que se pode esperar deste país?
Luiz Carlos Trabuco Cappi – Desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, um puxando o outro. Será um privilégio para nossa geração vivenciar esse salto brasileiro. Com mais gente produzindo que inativos, teremos duas décadas de números e estatísticas inéditos. Traduzindo isso no que interessa às pessoas: a vida vai valer mais a pena de ser vivida no Brasil. Seremos uma nação melhor para trabalhar, formar família, educar os filhos, conviver com os amigos e na esperança de ascensão social. Até agora, tivemos um forte processo de mobilidade social, com o ingresso de 30 milhões de pessoas na faixa de consumo. Daqui por diante, teremos adicionado o fenômeno da janela demográfica. Num cenário de economia estabilizada e em crescimento, essa soma indica mais emprego, renda e consumo. Em síntese, mais qualidade de vida. Esse processo de mais renda e melhores oportunidades de emprego rende fruto em seu conjunto, inclusive para as contas da Previdência Social.
JC – A Presidenta Dilma Rousseff aposta em um Estado forte, mas o motor da economia é o setor privado. O senhor acredita na volta do governo-empresário? Que impacto isso pode ter no setor produtivo e no futuro do País?
TC – O Brasil precisa de todos. Não há contradição. Precisamos do Estado e do setor privado convivendo no sentido do crescimento com um olhar no social. O exemplo prático disso aconteceu na última crise mundial. As exigências levaram ao aumento da participação do governo na economia. Foi importante, como contraponto, criar um ambiente anticíclico. Com essa atitude, nos diferenciamos do contexto global. Entramos, agora, em outra fase. Acredito que o governo tem sinalizado com atos e palavras. Com o ambiente de confiança, poderá voltar ao seu eixo natural. O setor privado reconquista o seu espaço investindo em novos projetos, sendo aí o motor do crescimento.
Nós, bancos privados, públicos e estrangeiros, temos o mesmo papel – o de parceiros do desenvolvimento. Viabilizamos os recursos para o investimento das empresas e o consumo das famílias. As empresas geram empregos, e as famílias melhoram o padrão de vida, comprando geladeira de duas portas, TV de LCD e computador, e pagando uma escola melhor para o filho. O Estado tem foco na coordenação das grandes obras de modernização e na ampliação da infraestrutura. Na questão social, é de se esperar a ampliação dos programas de distribuição de renda. Há tarefas gigantescas tanto para o setor público quanto para o privado.
JC – O setor financeiro sempre é apontado como vilão por seus lucros espetaculares, graças, sobretudo, às maiores taxas de juros do mundo. Os bancos brasileiros estão preparados para conviver com juros mais baixos, com taxa real de 2% ao ano, como promete a presidenta para 2014?
TC – A lucratividade do setor acompanha a melhora geral da economia brasileira. Quando a estabilidade econômica colocou as coisas nos eixos, houve aumento da concorrência e mais regulação da atividade. Isso quer dizer que os bancos trataram de se tornar mais eficientes e ganhar com o aumento do volume dos negócios. A curva do juro é descendente há anos, e mantivemos a performance. Isso se explica um pouco pela consolidação pela qual passou o setor, mas principalmente pela mobilidade social. A ascensão social das classes D e E formou uma classe média que se incorporou ao universo de clientes bancários. Em 2000, havia 63 milhões de contas-correntes no Brasil. Hoje, são mais de 100 milhões – um salto expressivo. O ciclo econômico que vivemos recuperou negócios tipicamente bancários que estavam em desuso. O crédito para a compra de carros e da casa própria voltou, com alongamento de prazos e controle de risco. Ter lucro não torna ninguém um vilão. Vivemos em um ambiente competitivo, devidamente regulado e que tem eficiência. Lucro é resultado de trabalho e de decisões estratégicas acertadas. Apoiamos sem restrições a intenção declarada do governo de reduzir o juro real. Estamos preparados para isso. Vai ser bom, pois ampliará o volume de crédito. O setor bancário brasileiro tem capital e tecnologia suficientes para concorrer nesse ambiente. A política monetária regula o mercado quando há mais consumo do que a capacidade de produção. A inflação é o pior dos males.
JC – As perspectivas são de que, nas próximas duas décadas, o número de correntistas bancários dobre. Como se dará esse processo? Que tipos de serviços os bancos oferecerão?
TC – Essa é a situação e os bancos sabem disso. Nosso desafio é conhecer essas pessoas que estão chegando, seus valores, descobrir interesses e demandas. Queremos não só conquistá-las, mas mantê-las conosco. Quando dá crédito ou administra investimentos, o banco é um organizador das boas expectativas. O lado da prestação de serviços é visto por alguns como algo secundário, sem glamour, mas é a prestação de serviços o elo mais forte com as pessoas. Esse é o segredo da nossa reputação e credibilidade. Seis milhões de pessoas se relacionam com o Bradesco diariamente. Temos que ser rigorosos – trata-se de reputação e credibilidade. Se a perspectiva é atender mais pessoas, temos de treinar mais e investir mais em tecnologia. É preciso encarar a questão da presença num país como o Brasil, de dimensões continentais e multiplicidade cultural. Estamos nos instalando em grandes comunidades populacionais no Rio e em São Paulo, com agências em locais desprovidos de banco.
JC – Junto com o auge produtivo da população, virá um Brasil mais velho. O senhor acredita em uma reforma da Previdência que ampare, de forma digna, as futuras gerações? Como o sistema financeiro contribuirá para oferecer segurança aos trabalhadores depois da
aposentadoria?
TC – A questão da previdência pública é uma questão de direitos. As pessoas trabalham e contribuem mensalmente para, na aposentadoria, garantir uma vida digna. O problema é universal. De tempos em tempos, os países precisam reformar seus modelos de cálculo, pois a conta não bate. A população vive mais, a medicina avança e chega um momento em que há mais pessoas recebendo benefícios que contribuindo com a Previdência. Trava-se, então, uma espécie de corrida. Sou otimista. Acho que seremos capazes de vencer essa corrida, construindo algo que seja justo. O Brasil tem essa janela demográfica que ajuda. São mais pessoas contribuindo do que recebendo benefícios, mas não dá para ignorar essa questão. É preciso pensar numa nova Previdência para as futuras gerações e escolher o caminho mais fácil, não mexendo, por exemplo, em direitos adquiridos. De novo, é salutar a convivência entre o público e o privado. Não acredito em privatização da previdência. É preciso uma previdência social, mas que se complemente com recursos de uma previdência privada de caráter individual ou entre patrões e empregados.
JC – O que, na sua avaliação, é preciso fazer para que a mobilidade social vivida pelo Brasil – a classe média incorporou “uma Espanha” nos últimos seis anos – não seja interrompida? O Brasil realmente se tornará um país desenvolvido, com menos disparidades sociais?
TC – Manter a estabilidade econômica como valor fundamental da agenda de todos os brasileiros é o primeiro passo. Os maiores beneficiários da inflação baixa são os mais pobres. A aposta no crescimento econômico é virtuosa. Entre estabilidade e crescimento, devemos ficar com os dois. É um processo complexo e difícil – pode enviar sinais trocados pelas limitações econômicas e administração da escassez, mas não podemos pensar de outra forma. A meta de inflação deve ser cumprida. Compatibilizar crescimento e programas de transferência de renda é crucial. Temos agências bancárias em regiões remotas. Sabemos bem o efeito benéfico desse tipo de programa para a economia local – gera renda e perspectiva –, e aí entramos com crédito e conta-corrente. As pessoas passam a ter domicílio bancário e um orçamento organizado. A cidade se institucionaliza, entra no mapa da economia formal.
JC – As dores do crescimento são visíveis, a ponto de o País se ressentir de mão de obra qualificada. É possível fazer uma revolução na educação? Qual o caminho a ser seguido pelo País?
TC – As dores do crescimento são como dores do parto – em seguida, vêm alegrias. Prefiro essas às da recessão, que são as dores da perda. Há um deficit na formação educacional e de qualificação profissional da população. Do ponto de vista da economia, puxa para baixo a produtividade e tolhe a iniciativa individual e a criatividade. Por um bom tempo, o jovem se formava e não tinha emprego. Hoje, não, pois falta mão de obra qualificada. Vivemos um novo cenário, estimulante, dinâmico, porém não há milagre. As grandes empresas resolvem o problema investindo com intensidade em programas de treinamento. O setor público também está fazendo o mesmo. O conflito é o tempo. Precisamos para já, mas a qualificação profissional leva tempo. O Brasil obteve um ganho quando conseguiu universalizar o acesso à educação. Hoje, praticamente 100% das crianças brasileiras em idade escolar estão nas redes pública e particular de ensino. Desse passo, vamos melhorar a qualidade do ensino. Os resultados não aparecem de uma hora para outra, mas já há sinais, como a elevação do Brasil nos rankings internacionais de ensino.
JC – A Presidenta promete priorizar os investimentos em infraestrutura. De que forma o sistema financeiro viabilizará as obras para tirar o atraso dos portos, aeroportos, das rodovias e ferrovias?
TC – A infraestrutura brasileira está dimensionada para uma demanda e um tamanho de PIB completamente diferentes do que está contratado para hoje e para o curto prazo. A prioridade aos investimentos é absolutamente correta. O governo da Presidenta Dilma herdou um contingente de milhões de novos consumidores de todo tipo de produtos e serviços. É uma classe média vigorosa a que está se formando. A opção das parcerias público-privadas, sem fórmulas mágicas, é excelente. Uma das principais vocações do sistema financeiro é unir os elos da economia, juntar interesses que estão espalhados, fazer a convergência entre investidores e tomadores de crédito. Nos dias de hoje, isso significa apoiar projetos de desenvolvimento por meio da estruturação e formação de consórcios reunindo capital privado nacional e estrangeiro, capital de risco de investidores e o objetivo público.
Gosto de lembrar que o Brasil sempre teve energia abundante, recursos minerais e espaço territorial de sobra. Agora, tem também estabilidade econômica e a formação de uma classe média de milhões de pessoas e o surgimento de milhares de novos empreendedores. Com democracia e instituições fortes, esse país nos dá confiança.
JC – Com a economia real ganhando relevância, finalmente temas como câmbio, juros, inflação tendem a perder relevância no debate nacional?
TC – Diria que a qualidade dos debates melhorou, ficou mais responsável e consistente, mas são três temas cruciais para a economia real. Não podemos correr o risco da subestimação. Note que é bem diferente de quando debatíamos o dólar a R$ 3 e a inflação de dois dígitos. Houve um momento em que os analistas diziam que o Brasil vivia a barreira dos juros de 19%. Não dava para baixar que acontecia algum atropelo. Com reservas internacionais de quase US$ 300 bilhões, o debate muda um pouco de qualidade, mas ele continua – e deve continuar.