Análise de Impacto Regulatório: instrumento de uma regulação mais eficiente e menos invasiva

19 de janeiro de 2012

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(Artigo publicado originalmente na edição 129, 04/2011)
 
Nenhuma liberdade é absoluta, nem poderia ser, sob pena de tornar insuportável a convivência social. A vida em sociedade implica restrições à liberdade. São inúmeros os exemplos colhidos do dia a dia: sinais de trânsito, limitações à construção etc. Atualmente, contudo, tem se percebido uma tendência cada vez maior de restrições estatais, retirando dos cidadãos e da família algumas opções básicas sobre seus próprios rumos. Discute-se a proibição de remédios para emagrecimento, limitações ao bronzeamento artificial, proibição do fumo em praças e praias, ingredientes de produtos, locais de colocação de alimentos nas prateleiras de supermercados etc.
 
Há dois pontos contra os quais a sociedade deve estar igualmente atenta: contra o voluntarismo regulatório – em regulação a boa intenção apaixonada costuma ser perigosa – e contra o comodismo de alguns indivíduos, que preferem que o Estado tutele a sua vida ou da sua família, ao invés de ele próprio tomar as suas decisões (por exemplo, para alguns é bem mais fácil deixar para o Estado a função de proibir determinadas propagandas infantis do que educar e limitar os seus filhos a não consumirem esses produtos).
 
A República e a Democracia constituem a maturidade institucional de uma sociedade, na qual ela própria se dirige. Não podemos admitir retrocessos paternalistas nessas conquistas. Em 1917, por exemplo, a Prefeitura do Rio de Janeiro determinara a vedação do uso da praia em determinados horários para impedir que os banhistas tomassem demasiado sol e às moças só era permitido o banho de mar se acompanhadas de um banhista especialmente contratado para segurar-lhe a mão, conforme determinado pelo Prefeito Pereira Passos.
 
Os exemplos históricos, hoje prosaicos, se devidamente atualizados, servem para mostrar a visão que medidas regulatórias como algumas das que se estão atualmente cogitando têm do cidadão: incapazes de decidir o seu melhor caminho e proibidos de assumir por livre arbítrio alguns riscos razoáveis que só lhe dizem respeito.
 
O Estado de Direito não pode adotar como suas as paixões individuais de algumas das pessoas que episodicamente ocupam este ou aquele cargo público, tão bem criticadas por AMÓS OZ, para quem “o fanatismo está em quase todos os lugares, e suas formas mais silenciosas, mais civilizadas, estão presentes em nosso entorno, e talvez dentro de nós também. Conheço bem os antitabagistas que o queimarão vivo, se você acender um cigarro perto deles! Conheço bem os vegetarianos que o comerão vivo por comer carne! (…) Conformidade e uniformidade, a urgência para pertencer a algo e o desejo de fazer com que todos os demais pertençam podem muito bem ser as formas mais amplamente difundidas de fanatismo (…). Creio que a essência do fanatismo reside no desejo de forçar as outras pessoas a mudarem.”
 
Qualquer restrição à liberdade só pode ser cogitada em função de determinado valor constitucional – não de determinada concepção pessoal deste ou daquele agente público – e diante da demonstração de que não existe outro meio menos restritivo para se alcançar tal valor. Não pode se fundamentar em retórica e abstrata invocação de expressões indeterminadas como interesse público, necessidades sociais, saúde pública, desenvolvimento nacional etc., mas, por outro lado, têm que ser eficazes para atender aos valores constitucionais e legais visados.
 
Como essa demonstração é complexa e na maioria das vezes não se satisfaz apenas com análises jurídicas, demandando o apoio de economistas, estatísticos, biólogos, engenheiros etc., é muito temerário que o seu controle seja feito apenas posteriormente à edição da restrição.
 
Para esse objetivo as audiências e consultas públicas, por exemplo, são instrumentos importantes, mas não suficientes. O ente regulador deve colher as impressões da sociedade, mas não se limitar a elas, devendo também produzir com independência e competência técnica o próprio arcabouço fundamentador da sua pretensão normatizadora, submetendo, sem paixões, esse próprio estudo prévio ao debate.
 
É para suprir essas necessidades que se começa a se discutir no Brasil a implantação de um sistema prévio de Análise de Impacto Regulatório – AIR, a integrar o processo administrativo de edição das normas, já existente na maioria dos países da OCDE.
 
O objetivo é avaliar previamente a razoabilidade das decisões regulatórias do Estado, os seus prováveis custos diretos e indiretos, externalidades positivas e negativas, os benefícios esperados e os meios necessários para atingi-los. Não raro acontece que até a mais bem intencionada das medidas regulatórias acabe, na prática, gerando efeitos contrários aos por ela pretendidos.
 
Há três pressupostos a serem considerados sobre a AIR. O primeiro é a necessidade de coordenação entre as instâncias regulatórias, a fim de se evitar contradição de normas administrativas, insegurança jurídica e conflitos. A coordenação atende também ao princípio constitucional da eficiência, evitando desperdício de tempo, dinheiro e pessoal com a realização de trabalhos duplicados e otimizando as pesquisas e experiências administrativas, impedindo que a cada novo projeto regulatório se parta sempre do zero.
 
O segundo pressuposto é o da manutenção da independência das agências reguladoras, que receberam da lei autonomia reforçada em relação à Chefia do Executivo. Trata-se de coordenar sem tirar a independência. A sistemática de AIR deve, entre os meios adequados para assegurar a desejada coordenação, ser o menos restritivo possível à independência das agências reguladoras, já que de fato a necessidade de coordenação é por natureza potencialmente conflitante com a independência.
 
O terceiro pressuposto diz respeito à abrangência da AIR. Ela não pode ser vista como uma imposição apenas às agências reguladoras independentes, mas uma instância de coordenação de todas as instâncias governamentais com competências regulatórias.
 
O âmago da AIR é fazer com que as liberdades das pessoas e empresas, como o bem mais sagrado em um Estado Democrático de Direito, não sejam sacrificadas desnecessariamente, por incompetência, paixões pessoais, desconhecimento da realidade a ser regulada, pressa ou amor aos holofotes das pessoas que ocasionalmente estiverem exercendo a função de regulador.