Aplicação da prescrição prevista no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor às demandas sobre fato do produto e do serviço

30 de junho de 2011

Eliane Leve Advogada

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Introdução
O Código de Defesa do Consumidor dispõe em seu Art. 27 que é de cinco anos, contados do conhecimento do dano e da autoria, o prazo prescricional da pretensão do consumidor à reparação de danos decorrentes de fato do produto ou serviço (acidente de consumo), confira-se:

“Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e sua autoria”.

O referido Código reduziu bastante o prazo prescricional de vinte anos previsto no Código Civil de 1916, circunstância que levou alguns estudiosos a defenderem que o prazo maior do Código Civil antigo deveria ser aplicado às ações de indenização por fato do produto ou do serviço (acidente de consumo), já que não faria sentido que o Código de Defesa do Consumidor fosse mais prejudicial ao consumidor do que a lei comum.
A definição da lei aplicável em relação à prescrição gerou grande discussão doutrinária e jurisprudencial, devendo-se desde logo informar que se encontra atualmente pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 2ª Seção daquela Corte definiu que o prazo prescricional aplicável a ações indenizatórias por acidente de consumo é o de cinco anos, previsto no Código de Defesa do Consumidor. Vale conferir a ementa, in verbis:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. FATO DO PRODUTO. TABAGISMO.  PRESCRIÇÃO.
QUINQUENAL. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. CONHECIMENTO DO DANO.
1. A pretensão do autor, apoiada na existência de vícios de segurança, é de informação relativa ao consumo de cigarros – responsabilidade por fato do produto.
2. A ação de responsabilidade por fato do produto prescreve em cinco anos, consoante dispõe o Art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.
3.  O prazo prescricional começa a correr a partir do conhecimento do dano.
4. Recurso Especial conhecido e provido” (STJ. 2ª Seção. Resp. 489.895/SP. Rel. Min. Fernando Gonçalves, pub. 23/04/10 – g.n.).

 

Princípio da especialidade
O Código de Defesa do Consumidor de fato deve ser aplicado às ações de indenização por acidente de consumo, inclusive quanto à prescrição, pois é lei especial em relação ao Código Civil, com supremacia sobre este, nos termos do Art. 2º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil (princípio da especialidade).
O argumento de que o prazo previsto na lei especial deveria ser afastado, pois menos favorável ao consumidor, não resiste a uma análise mais cuidadosa do tema.
Além do princípio da especialidade, deve ser lembrado que o Código de Defesa do Consumidor trouxe várias benesses ao consumidor, como a responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova. A própria contagem do prazo prescricional é feita de forma mais favorável ao consumidor, diante da previsão expressa do Art. 27 no sentido que o prazo é contado a partir do conhecimento do dano e da sua autoria e não da ocorrência da lesão.
É que, embora exista certa divergência sobre o tema, a doutrina majoritária defende que o conhecimento da lesão é irrelevante para o curso do prazo prescricional, assim, por exemplo:

“Para que a pretensão nasça, não é pressuposto necessário que o titular do direito conheça a existência do direito, ou a sua natureza, ou a sua validade, ou eficácia, ou a existência da pretensão nascente, ou da sua extensão em qualidade, quantidade, tempo e lugar da prestação ou outra modalidade, ou quem seja o obrigado, ou que saiba o titular que a pode exercer. Por isso, no direito brasileiro, a prescrição trintenal da pretensão de haver indenização por ato ilícito absoluto independe de se saber se houve o dano e quem o causou”.1

Recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, conforme notícia veiculada no site do Tribunal, concluiu que:

“… o Art. 189 do Código Civil de 2002 (CC/02) define que a data inicial para contagem do prazo é a da ofensa do direito, ou seja, da publicação. ‘Trata-se de um critério objetivo’, definiu. Conforme a ministra, o critério subjetivo, de contagem do prazo a partir da ciência da ofensa, utilizado pelo TJRJ para decidir o pedido, é exceção, caso contrário ‘trariam enormes dificuldades materiais relacionadas à comprovação do momento exato em que houve a efetiva ciência da violação pela vítima”.2

Afastando essa controvérsia, o Código de Defesa do Consumidor, ao mesmo tempo em que reduziu o prazo prescricional, previu expressamente que ele só é contado a partir do conhecimento não só do dano como da autoria do dano por parte do consumidor, circunstâncias que podem implementar-se anos após a ocorrência do próprio dano ou lesão.
Não seria razoável que o consumidor fizesse jus a esse e aos demais benefícios previstos no Código e ao mesmo tempo pudesse optar pelo prazo prescricional mais longo previsto no Código Civil revogado. O Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado de forma sistemática para não onerar excessivamente o fornecedor. Mesmo porque, seu objetivo é equilibrar a relação entre fornecedores e consumidores e não favorecer a qualquer preço o consumidor.
A prescrição, por sua vez, tem por objetivo a preservação da paz social. San Tiago Dantas muito bem enfatiza que tanto quanto produzir justiça, o Direito quer produzir segurança, valendo conferir as sábias palavras do mestre:

“O Direito tem dupla finalidade, produzir justiça e segurança – escusado é acentuar em torno disso. Muita gente diz que a finalidade do Direito é produzir a justiça, mas tão importante é a produção de justiça como a produção da segurança e numerosos institutos e normas jurídicas não compreenderíamos se a única finalidade do direito fosse fazer justiça. É que ele quer fazer justiça, mas quer fazer também segurança. Como explicariam, por exemplo, que aquele que não usa seus direitos dentro de um período de tempo, que algumas vezes pode ser muito curto, perca depois o direito de usá-lo? É o instituto da prescrição. Como se explica que os direitos prescrevem? Como se explica que um homem possa hoje reclamar  contra uma injustiça que lhe foi feita e dentro de alguns dias não possa mais? Não é a satisfação do ideal de justiça que nos levará à perenidade da reclamação; é porque mister se faz também ocupar-se com o ideal de segurança. Precisamos da satisfação das injustiças que nos fazem, mas precisamos saber que, se ainda não foi feita contra nós uma reclamação, de hoje em diante não será mais feita (…)”.3

Não se pode, portanto, simplesmente afastar a prescrição para exclusivo benefício de uma das partes, ainda que a parte beneficiada seja o consumidor.

A teoria do diálogo das fontes não afasta a prescrição prevista na lei especial
A conclusão pela aplicação do prazo previsto na lei especial não é alterada pelo Art. 7º, do Código de Defesa do Consumidor, invocado por alguns defensores da aplicação do prazo vintenário. Esse artigo dispõe que “os dispositivos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade”.
Com base nesse dispositivo, Claudia Lima Marques, por exemplo, defende o que denominou de “teoria do diálogo das fontes”, que propõe:

“No lugar de conflito de leis, a visualização da possibilidade de coordenação sistemática destas fontes: o diálogo das fontes. Uma coordenação flexível e útil (efet utile) das normas em conflito no sistema, a fim de restabelecer sua coerência. Muda-se, assim, o paradigma: da retirada simples (revogação) de uma das normas em conflito do sistema jurídico ou do ‘monólogo’ de uma só norma, (à – sic – ‘comunicar’ a solução justa), à convivência destas normas, ao ‘diálogo’ das normas para alcançar a sua ‘ratio’, a finalidade visada ou ‘narrada’ em ambas. Este atual e necessário ‘diálogo das fontes’ permite e leva à aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes, com finalidade de proteção efetiva”.4

Essa teoria, assim como o Art. 7º, do Código de Defesa do Consumidor, foi objeto de análise pelo acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a Ministra Nancy Andrighi, em voto que restou vencido, defendeu a aplicação do prazo maior sob tais fundamentos. Corretamente, no entanto, os demais julgadores entenderam que não se justifica o afastamento do prazo prescricional menor, previsto na lei especial, confira-se:

“Sem qualquer desvalor à eminente e mui cara Ministra Nancy Andrighi, peço-lhe vênia para discordar do seu voto, pois dúvida não tenho quanto à total impossibilidade de conjugar o prazo prescricional vintenário do Art. 177 do CCiv1916 com as normas de proteção ao consumidor, previstas no CDC e na legislação que lhe é complementar.
Aliás, estou convicto de que as normas consumeristas somente têm aplicação no âmbito do assim chamado ‘microssistema’ de proteção do consumidor. A integração, a esse microssistema, de normas oriundas de outros conjuntos normativos (microssistemas ou sistemas jurídicos) somente se dá, de ordinário, em duas hipóteses: (i) quando a norma consumerista for lacunosa; ou (ii) quando a norma consumerista expressamente exigir a integração.
(…) ao Poder Judiciário, que deve fazer cumprir o ordenamento jurídico estatal e também está a ele submetido, não é dado inserir, em dado conjunto normativo, normas heterotópicas, e, muito menos, construir um conjunto normativo ad hoc” (STJ. 2ª Seção. Resp. 489.895/SP. Rel. Min. Fernando Gonçalves, julg. 23/04/10 – voto do Ministro João Otávio Noronha).”

Com razão o entendimento prevalente. O Art. 7º, do Código de Defesa do Consumidor, definitivamente, não autoriza a aplicação do prazo maior, previsto na lei ordinária, quando existe prazo diverso previsto na lei específica, ainda que menor. Seu objetivo foi o de ressalvar direitos existentes em outras fontes, mas que não tenham sido previstos no Código. Quis-se evitar que na eventual omissão do Código de Defesa do Consumidor, algum direito se perdesse.
A disciplina da prescrição pelo Código de Defesa do Consumidor não apresenta nenhuma lacuna que justifique a integração a partir do seu Art. 7º, já que a matéria foi inteiramente regulada pelo referido Código, sendo desnecessário recorrer a outras normas, incluindo-se o Código Civil revogado.

O fundamento legal da inicial é irrelevante para a definição da prescrição
Também não socorre ao consumidor, para escapar à prescrição, fundamentar sua ação no direito comum, abrindo mão dos benefícios previstos na lei consumerista na tentativa de afastar a incidência não apenas do Art. 27, do Código de Defesa do Consumidor, mas da lei especial por inteiro.
Isso não é permitido em nosso ordenamento, pois o Código de Defesa do Consumidor é norma cogente, o que significa que deve ser aplicado independentemente da vontade das partes. Além disso, não cabe ao autor escolher os fundamentos legais da ação. Ele deve narrar os fatos, cabendo ao juiz o enquadramento legal (da mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia).
Percebendo o julgador que os fatos versam sobre acidente de consumo, deverá julgar a  demanda à luz do Código de Defesa do Consumidor, inclusive no que diz respeito à prescrição, mesmo que o consumidor tenha fundamentado a sua ação em institutos previstos no direito comum, como a culpa do fornecedor, por exemplo (Art. 159, do Código Civil anterior).
Controvérsia ilustrativa desta questão dizia respeito ao prazo prescricional para o consumidor demandar contra a transportadora de passageiros por danos decorrentes de acidentes rodoviários. O Superior Tribunal de Justiça havia consolidado o entendimento de que o prazo aplicável em tais hipóteses seria o de vinte anos previsto no Código Civil (Art. 177) e não o de cinco anos previsto no Código de Defesa do Consumidor (Art. 27) por entender que a questão envolvia culpa (Art. 159, do Código Civil) e não fato do serviço (Art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, abrangido pela remissão expressa do seu Art. 27). Confira-se:

“(…) I – A hipótese retratada nos autos, acidente com passageira de transporte coletivo, não diz com vício ou defeito de segurança do serviço. Não há como se possa enquadrar a imperícia, imprudência ou negligência do preposto da recorrida, fundamento da ação reparatória, nesse contexto.
II – A responsabilidade do transportador é contratual e o direito que se persegue é de natureza pessoal, regido, portanto, pela norma do Art. 177 do Código Civil, não se aplicando o artigo 27 do CDC (…)” (STJ. 3ª Turma. Resp 234725. Rel. Min. Waldemar Zveiter, julg. 19/02/01).
“(…) 1. Para casos como o presente, indenização decorrente de acidente de trânsito, no qual o passageiro sofre danos físicos por culpa do preposto da transportadora, o entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte está consolidado no sentido de ser aplicável a prescrição vintenária do Art. 177 do Código Civil e não a quinquenal do Art. 27 do Código de Defesa do Consumidor (..)” (STJ. 3ª Turma. Resp 464193. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julg. 11/11/02).

Esse entendimento, com o devido respeito, não refletia o melhor direito, pois é evidente que versa sobre alegado acidente de serviço ação em que o passageiro do ônibus pretende receber indenização por conta de danos sofridos em um acidente. Defeito, conforme define o §1º, dos arts. 12 e 14 do CDC (respectivamente fato do produto e do serviço) é a quebra da legítima expectativa de segurança do consumidor. A principal expectativa do passageiro é chegar incólume ao seu destino, de modo que a quebra dessa expectativa legítima configura  um defeito no serviço e tem o prazo prescricional regulado pelo Código de Defesa do Consumidor.
A presença ou não de culpa do preposto em nada altera essa constatação, pois irrelevante para o consumidor, tendo em vista que a responsabilidade da transportadora é objetiva. Esse elemento só teria relevância no caso de eventual ação de regresso por parte da transportadora contra o seu  preposto (ação que não envolveria relação de consumo).
Ao que parece, o afastamento da prescrição nesses casos pelo Superior Tribunal de Justiça não se amparava em argumentos técnicos, mas visava apenas à proteção exacerbada do consumidor. Tanto que quando entrou em vigor o Código Civil de 2002, que passou a prever o prazo prescricional de apenas três para a reparação civil (Art. 206, §3º, V), houve uma súbita mudança de entendimento naquela Corte, conforme se vê do seguinte acórdão:

“PROCESSO CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 27 DO CDC. NOVA INTERPRETAÇÃO, VÁLIDA A PARTIR DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL.
– O CC/16 não disciplinava especificamente o transporte de pessoas e coisas. Até então, a regulamentação dessa atividade era feita por leis esparsas e pelo CCom, que não traziam dispositivo algum relativo à responsabilidade no transporte rodoviário de pessoas.
– Diante disso, cabia à doutrina e à jurisprudência determinar os contornos da responsabilidade pelo defeito na prestação do serviço de transporte de passageiros. Nesse esforço interpretativo, esta Corte firmou o entendimento de que danos causados ao viajante, em decorrência de acidente de trânsito, não importavam em defeito na prestação do serviço e; portanto, o prazo prescricional para ajuizamento da respectiva ação devia respeitar o CC/16, e não o CDC.
– Com o advento do CC/02, não há mais espaço para discussão. O Art. 734 fixa expressamente a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas por ele transportadas, o que engloba o dever de garantir a segurança do passageiro, de modo que ocorrências que afetem o bem-estar do viajante devem ser classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de pessoas.
– Como decorrência lógica, os contratos de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo prescricional específico do Art. 27 do CDC. Deixa de incidir, por ser genérico, o prazo prescricional do Código Civil. (…)” (STJ. 3ª Turma. Resp 958.833. Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 08/02/08, unânime).

Como se vê, bastou que o prazo do Código Civil fosse menor do que o prazo do Código de Defesa do Consumidor para que o Superior Tribunal de Justiça, em mudança radical de entendimento, entendesse que os acidentes de ônibus enquadravam-se, afinal de contas, no conceito de defeito no serviço.
O pretexto para a mudança do entendimento, de que o novo Código passou a prever que a responsabilidade do transportador era objetiva, com todo o respeito, não convence. O Código de Defesa do Consumidor já traz a previsão de responsabilidade objetiva dos prestadores de serviço desde 1991, mas foi afastado em prol da aplicação do prazo vintenário do Código Civil revogado. Ao menos se corrigiu o erro de entendimento, ainda que pelas razões erradas.
Importa que é irrelevante se o fundamento da inicial é culpa ou acidente de consumo, pois, como dito, ao julgador apenas interessam os fatos narrados, aplicando-se o direito cabível à espécie, independentemente das conveniências de quaisquer das partes.

Direito intertemporal
Por fim, nos casos em que o dano decorrente de fato do produto ou do serviço tiver ocorrido antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, são aplicados os princípios de direito intertemporal para a definição do prazo prescricional incidente na hipótese.
Câmara Leal esclarece que:

“Em nosso direito, portanto, que aceitou a doutrina da irretroatividade relativa da lei, negando-lhe retroatividade, somente quando esta viria ofender um direito adquirido, um ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, não há dúvida que as leis que regem a prescrição são retroativas em relação às prescrições não consumadas e irretroativas em relação às prescrições já consumadas.”5

Esse é o entendimento preponderante da doutrina, que vem sendo aplicado pela jurisprudência, qual seja, o da aplicação da lei nova às prescrições em curso. Quando se trata de redução do prazo prescricional, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor, se comparado ao Código Civil revogado, a lei nova é aplicada a partir da sua entrada em vigor, a não ser que o período faltante para a consumação da prescrição pela lei velha seja menor. Cita-se novamente Câmara Leal a esse respeito:

“O critério da lei nova só é aplicado ao prazo desde a data da sua vigência, de modo que o novo prazo corre sempre desta data, como se a prescrição nela recomeçasse. Mas, se, contado o prazo da lei antiga, sua consumação se viesse a dar antes de esgotado o novo prazo, contado pela lei nova, a prescrição se consumaria na conformidade da lei antiga, deixando-se, portanto, de aplicar a ela a nova lei.”6

Esse entendimento foi amplamente aplicado pela jurisprudência, sendo inclusive objeto da súmula 445 do Supremo Tribunal Federal, de seguinte teor: “A Lei 2.437, de 7.3.55, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1.1.56), salvo quanto aos processos então pendentes” (grifamos). Atualmente, encontra-se positivado no Art. 2.028, do Código Civil em vigor.
Portanto, em casos de fato do produto ou serviço, o prazo de cinco anos previsto no Art. 27, do Código de Defesa do Consumidor será aplicável a partir da entrada em vigor desse diploma (1991), a não ser que os princípios de direito intertemporal acima enunciados fundamentem a aplicação do prazo previsto na lei antiga.

Conclusão
Destarte, o prazo de cinco anos previsto no Código de Defesa do Consumidor incide nas demandas que pleiteiam reparação por acidente de consumo (fato do produto ou do serviço, artigos 12 e 14, do Código de Defesa do Consumidor), não encontrando aplicação o prazo de vinte anos previsto no Código Civil revogado, salvo as restritas hipóteses de incidência em razão de direito intertemporal.
Aliás, é por conta do direito intertemporal que a discussão ilustrada neste artigo ainda tem relevância prática, mesmo diante da revogação do Código Civil de 1916. O Art. 2.028 do Código Civil vigente dispõe que “serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data da sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”. O Código Civil entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003 e estabeleceu o prazo prescricional de três anos para a reparação civil (Art. 206, §3º, V).
Em sendo assim, não fosse a especialidade do prazo prescricional previsto no Código de Defesa do Consumidor, aqui demonstrada, as ações nas quais o dano ocorreu antes de 11 janeiro de 1993 ainda teriam o prazo disciplinando pelo Código Civil anterior (pois entre a data do dano e a entrada em vigor do Código atual transcorreram mais de 10 anos, que é metade do prazo estabelecido no Código revogado).
Todas as ações em que os danos ocorreram até dezembro de 1990 já estão prescritas pelo prazo vintenário (prescreveram até dezembro de 2010). Ações regidas pela lei comum em que o dano ocorreu entre janeiro de 1991 e 10 de janeiro de 1993 sofrem incidência do prazo vintenário e prescreverão entre janeiro de 2011 e 10 de janeiro de 2013. Portanto, ainda, podem existir ações indenizatórias em curso que não estariam prescritas pelo Art. 177, do Código Civil revogado, mas, que se versarem sobre fato do produto ou serviço, deverão ter o prazo regulado pelo Art. 27 do Código de Defesa do Consumidor pelas razões discorridas neste trabalho.
As ações que não versam sobre fato do produto ou serviço, em que o dano ocorreu a partir de 11 de janeiro de 1993 até a 11 de janeiro de 2003 (quando entrou em vigor o Código Civil atual), prescreveram em 11 de janeiro de 2006, três anos após a entrada em vigor do referido Código, já que entre a data do dano e a sua entrada em vigor decorreu menos da metade do prazo previsto na lei revogada. Aplica-se, por isso, o Código Civil vigente, contando-se do prazo prescricional de três anos a partir da sua entrada em vigor, segundo entendimento jurisprudencial consolidado e enunciados 507 e 2998 do CEJ).
Para esse período, no caso de ações que versam sobre fato de o produto ou serviço, o prazo é de cinco anos (Art. 27, do CDC) contado da data conhecimento do dano e da autoria, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor em 1991.

NOTAS _________________________

1 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, Tomo VI. Campinas: Bookseller, 2000, p. 153. Câmara Leal defende o oposto: “Não nos parece racional admitir-se que a prescrição comece a correr sem que o titular do direito violado tenha ciência da violação. Se a prescrição é um castigo a negligência do titular ­ – cum contra desides homines, et sui júris contentores, odiosae exceptiones oppositae sunt – não se compreende a prescrição sem a negligência, e esta, certamente, não se dá, quando a inércia do titular decorre da ignorância da violação” (LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 37).
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=101617, consultado em 11/05/11, g.n. A notícia refere-se ao julgamento do Recurso Especial nº 1168336, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 22/03/11, acórdão ainda não publicado.
3 DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil – Teoria Geral, 3. ed., Rio de  Janeiro: Forense, 2001, p. 16/17.
4 MARQUES, Cláudia Lima. Superação das Antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 51, jul./set., 2004, p. 59.
5
 LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. 2a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 102.
6
 Op. cit., p. 103.
7
 “A partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricional das ações de reparação de danos que não houver atingido a metade do tempo previsto no Código Civil de 1916 fluirá por inteiro, nos termos da nova lei (art. 206)”.
8
 “Iniciada a contagem de determinado prazo sob a égide do Código Civil de 1916, e vindo a lei nova a reduzi-lo, prevalecerá o prazo antigo, desde que transcorrido mais de metade deste na data da entrada em vigor do novo Código. O novo prazo será contado a partir de 11 de janeiro de 2003, desprezando-se o tempo anteriormente decorrido, salvo quando o não-aproveitamento do prazo já vencido implicar aumento do prazo prescricional previsto na lei revogada, hipótese em que deve ser aproveitado o prazo já transcorrido durante o domínio da lei antiga, estabelecendo-se uma continuidade temporal”.