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Aposentadoria compulsória aos 75 anos

31 de janeiro de 2007

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Antônio Ermírio de Moraes, em seu artigo “Crescer: prioridade nacional”, faz profunda reflexão sobre as “aposentadorias precoces”, enfatizando a necessidade de “dura” reforma em nossa Previdência Social para salvá-la.

O ministro do STF, Carlos Velloso, hoje aposentado, afirma que a aposentadoria compulsória aos 70 anos é um “luxo”.

O jurista Edvaldo Pereira de Moura, magistrado e professor de direito da UESP, afirma, em artigo publicado na revista Justiça & Cidadania, que aposentadoria compulsória aos 70 anos é um “quisto“ de nossa Carta Política.

Os ministros vêm falando, em diversas entrevistas, sobre o “colapso na previdência”, defendendo reformas e afirmando que a previdência é um desafio. Nelson Machado, da Previdência, não descarta a possibilidade de alterar a idade mínima para aposentadoria”. Fábio Giambiagi e Raul Velloso afirmam que “a hora é agora para salvar a Previdência”. Os jornais publicam, constantemente, matérias sobre o “rombo” na Previdência Social. Ressalte-se que o IBGE publicou pesquisa revelando que a expectativa de vida no Brasil chegará a 78 anos em futuro próximo. Considerando-se que a aposentadoria compulsória em 75 anos possibilitará excepcional economia para o erário público, é importante refletir sobre o tema.                                                                                                       

A população brasileira acima dos 65 anos deve ultrapas­sar, nos próximos 10 anos, 13 milhões de habitantes, ou seja, praticamente a metade da população idosa de toda a América Latina, segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a População, de 1999. Seremos, provavelmente, a quinta maior na­ção em número de idosos.

Além do crescimento demográfico vegetativo, a melhor qualidade de vida, graças à medicina e a outros fatores, tem au­mentado a expectativa de vida, que, segundo dados do IBGE, passou de 45 anos, na década de 40, para 61,8 em 1980 e atin­giu 65,7 em 1990, numa média de mais de cinco anos de acrés­cimo por década. Ou seja, cresce o número de aposentados, o que acarreta uma dificuldade cada vez maior para se cumprir a garantia da seguridade social expressa no Título VIII da Consti­tuição. Em outras palavras: se já não existe hoje, muito menos haverá, no futuro, carga fiscal suficiente para assegurar o bem-estar social previsto na Constituição para trabalhadores e apo­sentados – que a ela têm direito legitimamente garantido.

Com a velocidade de difusão de conhecimentos, so­mente após certa idade é realmente possível compreender, pro­cessar e, sobretudo, acumular diferentes variáveis das ciências, das técnicas e das artes. Além disso, os custos sociais para se formar profissionais de ponta é muito alto, mormente para uma sociedade pobre em vias de desenvolvimento.

Muita gente, em ritmo crescente, está na porta de saída do mercado de trabalho, para quem não há cobertura previdenci­ária suficientemente adequada, prevista no art. 202 e de acordo com o preceito expresso no art. 230 da Constituição: a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas ido­sas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, e garantindo-lhes o direito à vida”.

Entretanto, o que não podemos é desperdiçar a força de trabalho treinada no vigor de sua plenitude intelectual, pois a participação vital dos jovens não dispensa nem elimina a contribuição do discernimento das camadas mais maduras. Por isso, o preceito constitucional que obriga os servi­dores do Estado a se aposentarem aos 70 anos agrava o pro­blema ao aumentar, compulsoriamente, o número de aposenta­dos e ao recusar a contribuição daqueles que querem e podem con­tinuar a dá-la­.

Os que chegam à terceira idade não constituem um todo homogêneo. Vêm das mais variadas profissões e atividades físi­cas e intelectuais, e apresentam diferentes condições de saúde e longevidade. Muitos dos que se aposentam coercitivamente aos 70 anos estão no vigor de sua capacidade intelectual, querem trabalhar, mas são impedidos.

É um contra-senso esse desperdício em uma sociedade que não agüenta o peso das aposentadorias existentes e que as vê crescer exponencialmente, mas que, ao mesmo tempo, reconhe­ce sua incapacidade de garantir aos idosos os benefícios de que merecidamente são titulares.

Aumentar a idade limite de 70 para 75 anos de perma­nência a serviço do Estado virá minorar, a nossos olhos, as perspectivas sombrias do quadro atual. Vários são os benefícios: primei­ro, o não-agravamento do contingente de aposentado; segun­do, a economia que se fará pela não contratação de um novo servidor; terceiro, pela inestimável colaboração que a experiência da terceira-idade pode dar à qualidade de prestação de serviço.

No Judiciário, por exemplo, é notória a sobrecarga de trabalho em todas as instâncias. A ampliação necessária da es­trutura judiciária poderá suprir com sobras o percentual daqueles que decidem permanecer além dos 70 anos e garantir, plena­mente, as vagas de promoção.

Uma eventual mudança do texto constitucional – pas­sando o limite de 70 para 75 anos – não será imperativa, mas sim facultativa. Ninguém, atualmente, é obrigado a ficar até os 70 anos, como também não o seria até os 75: permanece quem quer, quem pode.

O problema da aposentadoria compulsória reclama um foco de clareza. Algumas premissas gerais universalmente aceitas induzem ao unilateralismo da visão atual sobre a ques­tão, que impede ver a outra face da moeda. Prolongar a permanência no trabalho e gerar novos empregos não são faces necessariamente conflitantes, antes, em muitos casos, são com­plementares.

A geração de empregos é tarefa de uma sociedade organizada, em que as políticas públicas de investimento produ­zem oportunidades de trabalho e estimulam a poupança privada a fazer o mesmo, e o máximo aproveitamento da capacidade disponível dos segmentos já transitando na terceira idade só virá a contribuir com a produtividade do país. É de se indagar: qual é o reflexo que a regra de expulsão aos 70 anos causa no PIB nacional?

Ademais, determinadas atividades utilizariam mais a permanência consentida, outras menos. Se existem funções em que o trabalhador se desgasta mais cedo que os outros — joga­dores de futebol, atletas, trabalhadores em minas, mergulhado­res, controladores de vôo, etc- — também existem profissionais que, a exemplo dos bons vinhos, podem melhorar seu desem­penho na idade mais avançada. É o caso de professores, médi­cos, diplomatas, magistrados e de tantas outras profissões cujo trabalho intelectual muitas vezes se aperfeiçoa com a idade.

Um professor com vitalidade e boa saúde, forçado a deixar as salas de aula ou seu laboratório aos 70 anos, é obrigado a negar a seu país seu cabedal de conhecimento acumulado nas ciências, nas letras e nas artes, a experiência no trato com os jovens, uma compreensão maior do mundo. Da mesma forma, um magistra­do que se rende à compulsória aos 70 anos, por força de lei, dei­xa de dar à sociedade a prudência, o zelo e a vivência que seus anos de judicatura acumularam: qual é o valor destes diferenci­ais? Isso vale para a experiência médica dos profissionais de saú­de, dos cientistas e de tantos outros.

Exemplos contundentes se encontram em várias figuras da História universal, que, por sua notoriedade, não precisam ser citados. Condutores de povos, estadistas, cientistas, inventores, pesquisadores, líderes religiosos, escritores, artistas, etc, formam enorme o elenco de líderes de vários campos do conhecimento humano que atuaram e produziram muito além dos 70. O Vaticano, por exemplo, instituiu em 75 anos o limite de exercício de seus bis­pos e cardeais, à exceção do próprio Papa, cujo desempenho não tem limites.

Destaca-se que Manuel Bandeira criou lindos poemas após 80 anos. Com mais de 80 anos, VilIa Lobos compôs signifi­cativas peças musicais. Com mais de 100 anos, Barbosa de Lima Sobrinho presidia a Associação Brasileira de Imprensa.

Muitos exercem sua profissão como uma contribuição para um sentido maior do mundo. Não é sem razão que, ao se verem alijados de seu trabalho, tantos recém-aposentados se deprimem e decaem de saúde. Aliás, a própria Constituição fala em garantir ao idoso sua participação na comunidade”. Como? Aumen­tando as praças públicas para os idosos darem de comer aos pombos ou jogar cartas?

Outro aspecto interessante é o fato de que, ao impedir de trabalhar além dos 70 anos aos servidores do Estado, a Constitui­ção agride seus direitos humanos, algo de que poucos se dão conta. O texto constitucional em seu art. 14, II, “b” diz que o voto é facultativo aos maiores de 70 anos. Pois bem: o legisla­dor reconhece que, se não se deve obrigar o maior de 70 anos a voto, também não pode coibir-lhe o exercício do voto, o que se­ria um desrespeito à cidadania. Ora, se lhe é facultado o direito de votar e não se o proíbe (o que de resto seria absurdo), como pode cassar-lhe o direito de trabalhar? Trabalhar não faz parte dos di­reitos da cidadania?

Nossa Constituição proclama, no art. 6o, que são di­reitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a se­gurança, a previdência social, a proteção à maternidade, à infância e a assistência aos desamparados”. De todos esses direitos, por incrível que seja, o direito ao trabalho é o único que cessa aos 70 anos. Chegar a essa idade lúcido e operante é pas­sar pela seleção da natureza, cuja sabedoria decide a quem pri­vilegiar com a longevidade, ou a quem cassá-la.

No artigo 7o, o texto constitucional garante a relação de emprego protegida contra demissão sem justa-causa. Estamos diante do absurdo de constatar que chegar aos 70 anos — em vez de um triunfo, como já disse um pensador — é culpa suficiente para caracterizar justa-causa.