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Aposentadoria vesga

31 de outubro de 2007

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As razões que levam o Governo a estabelecer a idade e o tempo de serviço para a aposentadoria voluntária são conhecidas de todos: as dificuldades financeiras do sistema e os cálculos atuariais.

Presentemente, em razão da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, os servidores públicos se aposentam voluntariamente desde que cumprido o tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: sessenta anos de idade e trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher.

A regra constitucional excepcionou os homens com 65 anos de idade e as mulheres com 60 que podem aposentar-se com provimentos proporcionais ao tempo de contribuição.

A lei excepciona ainda em relação aos professores, diminuindo em 5 anos os prazos para aposentadoria, desde que comprovados o efetivo exercício nas funções de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio.

Obviamente, a reforma da Previdência consubstanciada na referida Emenda Constitucional foi extremamente gravosa para os servidores públicos. O regime anterior, previsto no texto original da constituição de 1988, era muito mais brando.

No tocante à aposentadoria compulsória, porém, o regime da Constituição de 88 permaneceu inalterado. Diz o artigo 40, inciso II: “Os servidores abrangidos pelo regime de previdência serão aposentados compulsoriamente aos 70 anos de idade, com provimentos proporcionais ao tempo de contribuição.”

Que razões teriam levado o Legislador Constitucional a manter a aposentadoria compulsória dos servidores públicos aos 70 anos de idade? Só pode ser o limite temporal da vida. Não há outro motivo que leve a essa fixação.

Sob o ponto de vista sistêmico, não há argumento capaz de legitimar a manutenção de regra que, aliás, foi estabelecida na constituição de 1946, há 61 anos atrás. Só essa circunstância  poria fim a qualquer tentativa de justificar a permanência da aposentadoria compulsória nesse patamar. Será que em 6 décadas a vida não mudou? Nem socialmente, nem politicamente, nem tecnologicamente, nem as condições pessoais de subsistência?

Evidentemente que, nas 6 décadas referidas, a vida se transformou em todas as direções. Mais especificamente, no tocante ao indivíduo, estatística publicada pelo IBGE revela que, por ocasião da Constituição de 46, a expectativa de vida do brasileiro era de 40 anos. Hoje subimos para um patamar de 72 anos. Se considerarmos que estamos falando de classe abastada, essa média de vida cresce muito.

Quem tem recursos, e ipso facto, amparado por entidades médicas especializadas de alta qualificação, dispõe de verdadeiro arsenal para perscrutar os sintomas de qualquer doença, e os exames preventivos e periódicos preservam a vida como em nenhum outro tempo.

A par disso, a alimentação balanceada e monitorada por especialistas ao lado dos exercícios físicos regulares fazem com que um homem nessa idade esteja em plena forma física que vai se prolongar ainda por um bom período.

Pois bem, se essa é uma realidade que ninguém discute, por que o governo insiste nessa regra ultrapassada? Que razões levariam o Poder Público a jogar contra o próprio patrimônio, como se costuma dizer?

Na esteira das alterações implantadas com a Emenda Consti-tucional nº 20, o natural é que a aposentadoria compulsória seguisse o mesmo caminho, pois o governo economizaria 5 anos pagando um único salário e não dois, uma vez que, para a vaga de aposentado, ingressaria no serviço público mais um servidor.  É realmente incompreensível.

Por outro lado, cabe enfatizar que, se há uma carreira onde a experiência vale muito, é exatamente a dos juízes. Aos 70 anos, o magistrado está no auge de sua potencialidade física e mental. Não sou contra os jovens; ao contrário, sempre os prestigiei. Quando Diretor-Presidente da EMERJ, pude conhecê-los mais de perto e pude constatar o alto nível intelectual dos nossos juízes, mas a arte de julgar exige, de regra, mais do que conhecimento. Exige reflexão e amadurecimento, coisas que só a idade traz. Não há escola que ensine prudência e sabedoria.  Como dizia um grande pensador espanhol: “O tempo não perdoa quem faz as coisas sem colaboração.”

Ditas essas coisas, já estamos entrando na análise do tema pelo ângulo do interesse social.

A sociedade não pode prescindir dessa mão-de-obra tão qualificada e, como vimos, gratuita. Sob essa visão, a aposentadoria compulsória aos 70 anos é um injustificável desperdício.

A questão é polêmica, dizem alguns, diante da reação sistemática das Associações de juízes.

Aliás, nunca acreditamos que essa seja uma tese da magistratura de 1º grau, porque ela também vai se beneficiar com a extensão da carreira.

Os líderes desse movimento têm interesse na preservação do status quo, pois querem chegar mais rápido, não aos tribunais propriamente ditos, mas ao poder. Não querem esperar como todos nós esperamos. Inspirados nas velhas doutrinas de extrema esquerda, querem fazer a revolução dentro do judiciário. Já tiveram algumas vitórias importantes na Reforma, mas ainda não venceram a batalha final.

Nós, Ministros, Desembargadores e Conselheiros também queremos ficar mais tempo em razão do nosso interesse pessoal, mas é óbvio, como já se disse, que, paralelamente, há um indiscutível interesse social na permanência dos magistrados mais antigos.

Só para exemplificar, que falta estão fazendo ao Supremo Tribunal Federal nomes como  João Paulo Pertence, Carlos Velozo, Luiz Otávio Gallotti, Célio Borja, Aldir Passarinho, Maurício Correa, Moreira Alves, Ilmar Galvão, todos na plenitude das suas capacidades físicas e mentais, capazes, portanto, de continuar servindo à população brasileira.

Aliás, para nós, essa discussão está mal colocada porque o juiz, segundo preceito constitucional, devia ser vitalício, isto é, servir enquanto viver. Ademais, não há qualquer restrição para a permanência dos maiores de 70 anos no serviço ativo, nem no legislativo, nem no executivo. Só nós do judiciário estamos submetidos a essa restrição. E nem se argumente que as pessoas mais idosas são mais suscetíveis à doença. Os mais jovens também são. Depois, trata-se da aposentadoria para os que quiserem e puderem permanecer no serviço ativo, sem nenhum caráter de obrigatoriedade.

No entanto, essa é uma questão constitucional que ainda não foi ventilada. Por enquanto, vamos continuar lutando pela aprovação da PEC 475, que continua tramitando na Câmara dos Deputados, esbarrando aqui e ali na orquestração das Associações de juízes que tentam obstruir a votação da matéria, o que, certamente, dá conta da sua fragilidade. Não querem votar porque, organizados que são, sabem que vão perder.

Acredito firmemente no discernimento dos Srs. Deputados para fazer sumir da Constituição Brasileira essa excrescência.