Edição

Aprovação em concurso público e direito subjetivo à nomeação

5 de agosto de 2003

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Problemática

Não são raras as vezes em que o candidato aprovado em concurso publico comparece ao poder Judiciário para pedir que a esfera do poder Publico responsável pela realização do certame seja compelida a nomeá-lo para o cargo almejado.

Tal pretensão exsurge quando, a despeito da aprovação e classificação dentro do número de vagas expressamente previsto no edital, a Administração pública queda-se inerte, ou, ainda, quando, durante o prazo de eficácia do certame, cargos tornam-se vagos em virtude de transferências, aposentadorias ou óbitos de seus ocupantes.

As razoes expendidas abordam o inconformismo com a conduta omissiva e excessiva delonga na nomeação, já que não seria razoável, além de ferir o princípio da moralidade administrativa, que, a despeito da existência de cargos vagos, se realizasse um custoso e demorado concurso público para o provimento dos mesmos única e exclusivamente com a finalidade de arrecadar o valor cobrado a titulo de inscrição, o qual, invariavelmente, é elevado.

Objetivos

Por intermédio do presente trabalho, pretende- se demonstrar a insubmissão do Poder Publico ao dever jurídico de nomear candidato aprovado em certame, em que pese a vacância de cargos.

Justificativa

A importância deste estudo se justifica para preservar a integridade de diversos princípios do Direito Administrativo, como o da razoabilidade, o da moralidade, bem como o da separação dos Poderes, a fim de coibir indevidas ingerências do exercício da função jurisdicional em misteres exclusivamente atinentes aos da função administrativa, evitando a proliferação de práticas processuais que enfraqueçam a segurança jurídica e acarretem instabilidade nas relações políticas.

Metodologia e técnicas utilizadas

A pesquisa jurisprudencial e doutrinaria será o método utilizado para se alcançar a conclusão.

Desenvolvimento

A controvérsia acerca da existência de direito subjetivo a nomeação de candidato aprovado em concurso público suscita intermináveis debates acerca de questões jurídicas de alta indagação, envolvendo seara constitucional e administrativa.

Ensina-nos San Tiago Dantas que em toda relação jurídica, consubstanciada em uma relação social especialmente qualificada pela norma jurídica, encontra-se como seu elemento fundamental o dever jurídico. Esse dever se deduz da própria norma jurídica que qualifica aquela relação. Ou é o dever de fazer aquilo que a norma ordena, quando a norma contém o comando, ou é o dever de respeitar os efeitos jurídicos da norma, quando a norma se limita a atribuir efeitos jurídicos, ou, então, quando a norma foi violada, a esse dever corresponde um direito de uma outra pessoa de exigir o cumprimento do dever.

Destarte, conclui-se que a relação jurídica compõe-se de dois elementos indissociáveis: o dever jurídico e o direito subjetivo. Este ultimo é identificável segundo a presença de três elementos:

a) este direito subjetivo e sempre decorrência de um dever jurídico;

b) o direito subjetivo e violável;

c) titular do direito subjetivo pode ter a iniciativa da coerção para fazer a parte contraria sucumbir a sua pretensão surgida da violação do dever jurídico.

Assim, direito subjetivo e dever jurídico são os dois lados da mesma moeda denominada relação jurídica.

Não há que se falar em direito subjetivo se não preexistir um dever jurídico a ser desrespeitado. A existência deste é conditio sine qua non para que se cogite daquele.

Neste exato momenta vem a baila a inexorável indagação: tem o candidato aprovado em concurso público direito subjetivo a nomeação?

Esta pergunta equivale a outra de igual quilate: tem a Administração Pública o dever jurídico de proceder a nomeação de cândidato aprovado em concurso público?

A resposta da última conduzira a solução daquela.

Doutrina e jurisprudência incumbiram-se de responder. Conforme Diógenes Gasparini.

Concurso público é o procedimento posto a disposição da Administração Pública direta e indireta, de qualquer nível de governo, para a seleção do futuro melhor servidor, necessário a execução de serviços que estão sob sua responsabilidade. Não é, assim, procedimento de simples habilitação. É um processo competitivo, onde as vagas são disputadas pelos vários candidatos. Nenhum direito subjetivo tem a nomeação. Pelo concurso concretiza-se o Princípio da Igualdade.

Referindo-se ao prazo de validade do concurso público (artigo 37, inciso III, Constituição da República), comenta, ainda, o insigne administrativista que nada impede que, durante o prazo de validade de um concurso, outro seja aberto, levado a efeito e classificados os aprovados. O que não se pode dentro desse prazo é nomear os classificados de um concurso posterior, enquanto existirem concursados anteriores a serem nomeados.

Outro não foi o entendimento esposado pela Eminente Desembargadora Federal Tania Heine em voto proferido perante julgamento realizado no Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, cuja ementa segue in verbis:

I – Concurso público para professor assistente, constando do edital a existência de uma vaga, com aprovação de quatro candidatos.

II – Os aprovados tem prioridade sobre novos concursados (art. 37 da CF) dentro do prazo de validade do concurso (art. 12, § 2°, da Lei 8.112/ 90).

III –  Aberta outra vaga, dentro do prazo de validade do concurso, o segundo colocado tem direito de ser convocado prioritariamente, antes dos aprovados no concurso seguinte.

IV – Recurso e remessa necessária improvisos.

Ainda em seu voto, cita a Magistrada as elucidativas lições do saudoso Hely Lopes Meirelles:

“Ainda mesmo a aprovação no concurso não gera direito absoluto a nomeação, pois que continua o aprovado com simples expectativa de direito a investidura no cargo disputado.

Vencido o concurso, o primeiro colocado adquire direito subjetivo a nomeação com a preferência sobre qualquer outro, desde que a Administração se disponha a prover o cargo, mas a conveniência e oportunidade do provimento ficam a inteira discrição do Poder Público. O que não se admite e a nomeação de outro candidato, que não o vencedor do concurso”.

Trazemos, ainda, a colação entendimento do Eminente Ministro Helio Mosimann, em julgamento realizado no Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“…

Sabemos que o princípio norteador da matéria é o de que a aprovação em concurso público não obriga o candidato, ao qual aproveita mera expectativa de direito a almejada nomeação” .

Nesse mesmo sentido:

“Recurso em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação. Nomeação.

A aprovação em concurso público confere ao candidato expectativa a nomeação. Não tem direito de exigi-la. Ilegalidade haverá caso a pública administração promova nomeação em desrespeito a ordem de classificação.”

Destarte, impende tecer algumas considerações de ordem pratica para perfeito delineamento da vexata quastio.

Aprovação e classificação em concurso público não se confundem.

A primeira e conferida aos que obtiverem logrado o grau mínimo. Entretanto, estes não se podem dizer classificados, eis que se encontram na dependência da existência de vagas, que e fator meramente circunstancial.

Tanto aos aprovados classificados quanto aos aprovados não classificados reconhece-se direito subjetivo tão-somente a estrita observância da ordem classificatória para que se proceda a nomeação, porque a este direito corresponde o dever jurídico da Administração pública em manter imaculado o Princípio Constitucional da Impessoalidade e Moralidade, insculpidos no caput do artigo 37 da Carta Magna.

Possuem mera expectativa de direito a nomeação, segundo a analise meritória da conveniência e oportunidade da prática do ato. Lesão apta a ensejar tutela jurisdicional só surgira se e quando for inobservada a ordem de classificação.

Dai porque compelir a Administração Pública a nomear o candidato para o cargo almejado esbarra em quebra do Principio da Separação dos Poderes, insculpido no artigo 20 da Constituição da Republica, consubstanciando-se em ingerência exacerbada e indevida de um Poder (rectius Órgão) em misteres exclusivos atinentes a outro.

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no artigo 77, inciso VII, assim dispõe:

“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios, obedecera aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, interesse coletivo e, também, ao seguinte:

VII – a classificação em concurso público, dentro do numero de vagas obrigatoriamente fixado no respectivo edital, assegura o provimento no cargo no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado da homologação do resultado.”

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em mais de uma ocasião, se posicionou, incidenter tantum, pela inconstitucionalidade do mandamento constitucional acima indigitado, corroborando, destarte, o entendimento que ora se expõe:

“Concurso público. Artigo 77, inciso VII, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que cria direito a nomeação dos candidatos aprovados dentro do numero de vagas e no prazo de cento e oitenta dias. Inconstitucionalidade formal.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.o 229.450, Relator Ministro Mauricio Correa, por maioria, declarou a inconstitucionalidade do artigo 77, inciso VII, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que cria direito a nomeação dos candidatos aprovados em concurso público, dentro do numero de vagas do edital do certame, e impõe a nomeação no prazo de cento e oitenta dias, por inobservância do princípio da reserva da iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo (Constituição Federal, artigo 61, parágrafo primeiro, inciso II, alínea “c”).

Recursos conhecidos e providos.

No Recurso Extraordinário n.º 229.450 – RJ, Relator Ministro Mauricio Corrêa, julgado em 10 de fevereiro de 2000, acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assegurou a candidatos aprovados no concurso para provimento de cargos de fiscal do sistema viário o direito a nomeação, por força do disposto no supra mencionado artigo 77, inciso VII.

A questão versada lavrou dissensão: o Relator, acompanhado pelos eminentes Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvão, Sydney Sanches, Neri da Silveira e Moreira Alves, declarou a inconstitucionalidade da norma impugnada, uma vez que esta limitação temporal, ao restringir o poder discricionário do agente público, contrária o princípio da independência dos Poderes, conforme insculpido no artigo 2º da Constituição da Republica.

Por outro lado, os Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Octavio Gallotti e Marco Aurélio entenderam que a Constituição Estadual pode limitar a discricionariedade dos Poderes, assegurando ao candidato aprovado em concurso publico 0 direito subjetivo a nomeação.

Em outra oportunidade, acrescentou a Suprema Corte, por maioria, que a obrigatoriedade da nomeação dos candidatos aprovados dentro do numero de vagas previstas no edital ofende o artigo 61, parágrafo primeiro, inciso II, alínea “c”, da Constituição da República, que confere ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa das leis que disponham sobre servidores e o provimento dos cargos públicos.

Conclusão

Em suma: onde não há dever jurídico, inexiste possibilidade de violação de direito subjetivo, eis que encontramo-nos no campo da mera expectativa de direito, que somente exsurgira mediante inobservância a ordem classificatória ou deflagração de novo certame durante o prazo de eficácia do anterior.