Edição 55
Arbitragem: um novo campo de trabalho para o operador do direito aposentado
5 de fevereiro de 2005
Asdrúbal Lima Desembargador do Tribunal de Justiça - DF
A Lei 9.307/96, também conhecida como Lei Marco Maciel, foi o estopim de uma revolução silenciosa, que está, aos poucos, disseminando novas perspectivas e esperanças para aqueles que sempre sonharam com uma Justiça rápida, eficaz e sem maiores formalismos. A referida norma nada mais é que a regulamentação do instituto da arbitragem, um meio extrajudicial de solução de controvérsias que promete não apenas rapidez na solução dos litígios, como também uma lufada de ar fresco para os magistrados, já tão assoberbados pelo acúmulo de processos no Poder Judiciário.
Afinal, se grande parte das causas referentes a direitos patrimoniais disponíveis estivessem sendo resolvidas por intermédio da arbitragem, haveria certamente uma diminuição drástica no número de processos. Isso não quer dizer, no entanto, que haja uma rivalidade entre arbitragem e Poder Judiciário. Segundo exemplificou o presidente da Comissão de Arbitragem da OAB-SP, Marcelo Muriel, durante o III Encontro de Dirigentes de Câmaras de mediação e arbitragem, “há uma relação de complementaridade, e não rivalidade”. Nem seria de bom grado considerar esse meio alternativo como a grande solução de todos os problemas relacionados à morosidade da Justiça Estatal. “Não adianta virar um advogado arbitralista e olhar com desprezo o Judiciário”, destaca. “Quem faz isso, não conhece a arbitragem e não sabe advogar. A arbitragem é um instrumento, entre tantos outros; às vezes, é preciso recorrer à Justiça comum”.
Os advogados são formados para atuar “na lide, no combate e no atrito”. Por isso, muitas vezes resistem a meios alternativos para a solução dos conflitos, ainda mais quando esses meios não obrigam a presença de um profissional da advocacia. No entanto, as câmaras que aplicam a arbitragem de forma séria e idônea não dispensam jamais a utilização de advogados, a fim de garantir a igualdade das partes. É o caso, por exemplo, do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp) – a maior câmara de arbitragem da América Latina – que fornece assistência jurídica gratuita a quem não tem condições financeiras de custear um profissional.
“A experiência internacional tem provado e comprovado que, não obstante a faculdade de nomeação ou não de advogados na defesa dos direitos dos litigantes que se definirem pelo procedimento via arbitral, a presença de um advogado em um procedimento de arbitragem e até mesmo de mediação tem uma importância fundamental, pois que é o profissional adequado e perfeitamente familiarizado com os ditames jurídicos indispensáveis ao sucesso na pretensão de levar a bom termo o litígio”, afirma o advogado Odonir Barboza Prates, no artigo O Advogado e as Novas Formas de Resolução de Litígios, e continua: “Outro fator fundamental, de extrema importância e determinante da necessidade do advogado no processo de arbitragem, diz respeito à impossibilidade de se recorrer da decisão proferida neste juízo privado. Ora, temerosa será a dispensa de um profissional do Direito na administração da causa, sabendo-se de antemão que um procedimento por arbitragem desenvolve-se em uma única instância e que devem as partes acautelar-se com todos os cuidados necessários, para bem instruírem o processo com todos os elementos indispensáveis às suas pretensões, uma vez que a decisão é única e não mais poderá ser modificada, a não ser pelo desrespeito a regras formais indispensáveis à validade do processo submetido ao juízo arbitral”.
O fato de o procedimento arbitral ser célere – as causas mais complicadas normalmente são resolvidas em até seis meses – representa um ganho a mais para o advogado, que poderá receber seus honorários com muito mais rapidez. “Muitas vezes, o profissional da advocacia recebe de imediato parte do que lhe é devido, e o restante depende do término do processo”. “Só que, no Poder Judiciário, esse término fica tão distante que não compensa. Tudo o que o advogado recebeu não paga mais o que vem pela frente: a demora, as expectativas, as audiências, as viagens, deslocamentos e material. Na arbitragem, tudo isso é reduzido, porque há noção de prazo e término para a solução da controvérsia”. “Grandes escritórios de advocacia já montaram unidades próprias de arbitragem”. Por esse e outros fatores, vários operadores do Direito, incluindo aposentados dos quadros da magistratura e do Ministério Público, estão descobrindo na arbitragem um novo campo de trabalho. No futuro, com a disseminação desse meio extrajudicial de solução de controvérsias, os árbitros não vão atuar apenas esporadicamente, mas em tempo integral. Haverá tantos processos que vai ser difícil um árbitro deixar sua função, pois, no momento em que iniciou uma arbitragem, dali a pouco virá outra. Esses procedimentos irão se intercalar de uma forma tal que haverá uma total justaposição.
De fato, as tendências são animadoras. Os advogados Eduardo Damião Gonçalves e Shirly Eliane Vogelfang, em artigo publicado no site Consultor Jurídico, fizeram uma retrospectiva dos avanços da arbitragem em 2004. Segundo o que ambos apuraram, a Câmara de Comércio Brasil Canadá, cujo Centro de Arbitragem é o mais antigo do Brasil, apresentou um crescimento no número de procedimentos arbitrais em, pelo menos, 50% em relação ao ano anterior. “Já a Câmara de Arbitragem Empresarial (CAMARB), sediada em Minas Gerais teve desde a sua formação até o final de 2003 um total de 13 casos. Apenas no curso do ano de 2004, foram iniciados 6 novos casos”, comemoram os advogados. “Com um total de 27 procedimentos arbitrais até setembro de 2003, a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, instituída em 1995 pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, que integra o sistema Fiesp, chega ao final deste ano com um total de 45 procedimentos arbitrais instituídos, sendo 14 deles em andamento”.
Eduardo Gonçalves e Shirly Vogelfang apontaram também a problemática surgida em torno das instituições inidôneas: “Com o crescimento e popularização da arbitragem no Brasil, surgiram também diversas instituições privadas aproveitando-se dessa fama repentina para ludibriar o público. Dessa forma, assistimos a Câmaras arbitrais utilizando-se de símbolos pátrios oficiais, nomes que denotam um vínculo inexistente com o Poder Judiciário brasileiro. Esses problemas geraram uma reação veemente por parte da comunidade jurídica atuante na arbitragem, que, durante o ano de 2004, passou a coibir esse tipo de falsa vinculação ao Poder Judiciário, através de atitudes e eventos com o intuito de conscientizar a comunidade e boicotar essas instituições arbitrais inidôneas”.
Para coibir a atividade das falsas câmaras, alguns estudiosos acreditam que não basta formalizar denúncias aos órgãos competentes, mas também estabelecer uma regulamentação da atividade de mediadores e árbitros. Pensando nisso, o advogado Asdrubal Júnior, presidente do Instituto Internacional de Altos Estudos Jurídicos (IINAJUR), reuniu um corpo de especialistas em métodos extrajudiciais de solução de controvérsias e, juntos, elaboraram um anteprojeto que visa à criação do Conselho Profissional de Mediadores e Árbitros, com o intuito de regular os limites éticos da atividade.
Outro fato importante em 2004 foi a retirada de um dispositivo do texto do Projeto de Emenda Constitucional no 45/2004 (Reforma do Judiciário) que proibiria as entidades públicas de utilizarem a arbitragem. Caso a proposta vingasse, seria um entrave às Parcerias Público Privadas, já que as empresas teriam receio em firmar contratos sem a previsão de um mecanismo extrajudicial de resolução de controvérsias.
Finalmente, podemos afirmar que os métodos extrajudiciais para a solução de controvérsias, principalmente a Arbitragem, além de oportunizar o novo mercado de trabalho que porá diversos profissionais, se tornou a melhor e maior terapia ocupacional para os operadores de Direito na condição de aposentados, que poderão continuar desenvolvendo seus conhecimentos e experiências acumuladas durante anos na magistratura, promotoria, defensoria, cartórios etc, como se fosse uma grande fase de suas vidas de puro lazer, agora não mais na justiça pública, e sim na justiça privada, como um “Juiz de Aluguel”, ou um “Juiz particular”, conhecido por muitos como “Juiz Arbitral”.