As garantias da magistratura como proteção à cidadania

2 de janeiro de 2025

Frederico Mendes Júnior Presidente da AMB

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A história da República Federativa do Brasil está repleta de episódios em que magistrados – desde o Estado Novo até os dias atuais, passando pela ditadura militar –, por contrariarem interesses dos poderosos de turno, foram intimidados e silenciados com o afastamento da função. Tais remoções, além de retirarem a fonte de sustento dos juízes, serviram como punição pelo cumprimento da lei. Com isso, na realidade, agrediu-se a sociedade, que se viu apartada de uma distribuição de justiça efetiva. Nesse cenário, a aposentadoria compulsória de magistrados como medida disciplinar, frequentemente alvo de críticas infundadas, revela-se instrumento necessário para defesa da democracia.

Em todo o mundo, e especialmente na América Latina, o Judiciário enfrenta atentados à sua independência, tendo como face visível a perseguição a juízes. Embora injustificável, tal circunstância se explica em razão da imparcialidade da prestação jurisdicional, que erige verdadeira barreira contra violações ao Estado Democrático de Direito, impondo limites a quem busca extrapolar suas atribuições através de arbitrariedades.

Por se configurar como escudo da cidadania, o Judiciário sofre sucessivos ataques, os quais rompem a fachada da instituição para causar danos às pessoas físicas investidas na função jurisdicional: ameaças à vida e à integridade física, sem contar as doenças físicas e mentais decorrentes do estresse severo e permanente.

O constituinte de 1988, sobrevivente do período de exceção, consagrou a independência judicial – e a proteção à magistratura – como elemento fundamental do regime de garantias que se buscava consolidar. Por essa razão, estabeleceu princípios que, enquanto salvaguardam os juízes, prestam-se ao amparo daqueles que necessitam de tribunais imunes e autônomos para fazer valer os seus direitos.

As prerrogativas constitucionais – vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios – não representam, portanto, benefícios particulares, mas instrumentos que asseguram a isenção do sistema de Justiça. O juiz não deve se tornar refém de pressões conjunturais, nem se submeter a injunções externas que comprometam sua liberdade de decisão.

Nesse rol de prerrogativas, inscreve-se a aposentadoria compulsória como medida disciplinar – que permite retirar o profissional do cargo sem, contudo, privar de renda sua família. Semelhante disposição não conota impunidade, evidentemente, visto que magistrados que cometam infrações continuam sujeitos a processos administrativos e criminais, com todas as decorrências legais cabíveis, inclusive, se pertinente, a perda da própria aposentadoria.

A desinformação sobre o tema, alimentada por narrativas sensacionalistas, que encontram eco na imprensa e nas redes sociais, desvia o foco do debate e obscurece os problemas estruturais do Judiciário, como a falta de segurança e a carência de recursos materiais e humanos.

A aposentadoria compulsória não exime o magistrado de responder por eventuais crimes na esfera judicial – vale repetir. Os proventos recebidos nesses casos não são integrais, e sim proporcionais ao tempo de contribuição (no qual se verificaram, aliás, aportes significativamente maiores do que os de outras categorias de trabalhadores). Suprimir esse direito caracterizaria confisco e enriquecimento ilícito do Estado.

A garantia de proventos proporcionais, longe de corresponder a um privilégio, representa mecanismo de preservação da independência funcional. Um magistrado que não teme represálias financeiras pode proferir decisões vinculadas exclusivamente ao arcabouço normativo em vigor, mesmo quando suas sentenças desagradem atores políticos ou segmentos de grande poderio econômico. A Justiça, afinal, não pode se curvar a pressões, sob pena de se converter em instrumento de injustiças, algo contrário a sua essência.

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