“As instituições são feitas de pessoas, coragem e determinação”

5 de abril de 2023

Da Redação

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Ao completar seis anos no STF, o Ministro Alexandre de Moraes tem pela frente a responsabilidade de conduzir o julgamento dos golpistas que vandalizaram os três Poderes

Era janeiro de 2017 quando o então ministro da Justiça Alexandre de Moraes começou a receber telefonemas e pedidos de conversas, todos com o mesmo objetivo: discutir a escolha do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo então presidente Michel Temer. Tradicionalmente, o ministro da Justiça é um dos principais assessores ouvidos nessas articulações, mas naquele ano a escolha tinha uma particularidade: o próprio chefe da Justiça estava na disputa.

De Temer, um constitucionalista, Moraes escutava que o principal pré-requisito para o nome que substituiria Teori Zavascki, morto em acidente aéreo, era que tivesse um perfil técnico. E Michel Temer tinha muito apreço pelo perfil de Alexandre de Moraes.

Formado em 1990 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especializado em Direito Constitucional, Moraes iniciou sua carreira como promotor de justiça no Ministério Público de São Paulo, em 1991, cargo que exerceu até 2002. Concluiu o doutorado em Direito pela USP em 2000 e atuou também como professor da própria USP, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e da Escola Paulista de Magistratura.

Teve uma carreira política de ascensão rápida. Foi secretário estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania, de 2002 a 2005, período em que presidiu a antiga Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem), hoje Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA). Entre 2005 e 2007, integrou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foi secretário municipal de Transportes da Cidade de São Paulo, de 2007 a 2010, presidindo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), um dos mais importantes órgãos da capital paulista.

Chegada ao Supremo – Em 2010, fundou escritório especializado em Direito Público, tendo exercido a advocacia até 2015, quando o então governador Geraldo Alckmin o nomeou secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A experiência lhe rendeu o convite para o Ministério da Justiça, em 2016. Pouco depois, em 6 de fevereiro de 2017, a indicação do nome de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal foi formalizada por Temer. Em 22 de fevereiro, ele chegou para a sabatina no Senado Federal com o apoio de lideranças do Congresso e dos tribunais superiores e foi aprovado por 55 votos a 13. Exatamente um mês depois, Moraes tomou posse e se tornou um dos 11 ministros do STF.

O Supremo se incumbiu de transferir o acervo de processos da operação Lava Jato, que era conduzido pelo Ministro Teori Zavascki, para outro ministro da Casa. Não porque o novo indicado não tinha condições de cumprir a missão, mas para que esse peso não recaísse sobre o novo componente no momento de sua chegada, incumbência que por sorteio coube ao Ministro Luiz Edson Fachin.

Moraes aproveitou os primeiros anos para arrumar o gabinete e focou em reduzir significativamente o acervo de processos – que passou de 6.597 de março de 2017 para menos de 800 atualmente, um dos menores do Tribunal. O que não é trivial, pois um menor número de processos representa a entrega da resposta jurisdicional, que é o principal objetivo do Poder Judiciário.

Inquéritos e prisões – Em 2019, segundo ano do governo Bolsonaro e em meio a ataques intensos ao Supremo Tribunal Federal, o então presidente da Corte, Ministro Dias Toffoli, indicou o Ministro Alexandre de Moraes para relatoria do chamado inquérito das fake news, criado com base no regimento interno para casos que possam vir a atingir o Tribunal e seus integrantes. O passado de promotor e secretário de Segurança Pública de São Paulo lhe dava as credenciais essenciais para tocar uma investigação desta envergadura.

Em meio à polêmica sobre a origem do inquérito, foi justamente a condução de Moraes e os achados a cada avanço que acabaram legitimando a investigação, referendada pela ampla maioria dos membros do STF. Foi nesse inquérito que a Polícia Federal (PF) confirmou a existência do chamado “gabinete do ódio”, que teria atuado de dentro do Palácio do Planalto para disseminar “notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

O inquérito das fake news foi o início de uma série de investigações – como os inquéritos dos atos antidemocráticos, das milícias digitais contra a democracia, das fake news contra o sistema eleitoral, do vazamento de dados sigilosos de investigação sobre ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre outros – que tiveram Moraes na condução e que são apontadas como essenciais para o enfrentamento dos ataques ao Estado Democrático de Direito e para a manutenção da democracia.

Alexandre de Moraes foi o responsável pelas ordens de prisão dos ex-deputados Daniel Silveira e Roberto Jefferson, também na esteira de ataques e ameaças ao STF e ministros. As decisões foram referendadas pela ampla maioria da Corte, que tem mantido os principais atos do ministro nas apurações que buscam identificar os financiadores de atos antidemocráticos que se perpetraram nos últimos anos no País.

Em meio às investigações, uma decisão do ministro virou referência no enfrentamento ao combate às fake news. Moraes determinou o bloqueio do Telegram no Brasil pelo descumprimento reiterado de decisões judiciais e estabeleceu uma multa diária até que os bloqueios fossem cumpridos. O ministro ainda determinou que fosse indicado um representante da empresa no Brasil. Depois disso, a plataforma passou a colaborar com o Judiciário brasileiro.

Eleições e extremismo – Conhecido pelo perfil articulador, ao assumir a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o processo eleitoral já em andamento, em agosto de 2022, o ministro atuou para garantir uma reação institucional à desinformação, apontada como uma das principais mazelas contra o processo eleitoral, bem como aos questionamentos feitos ao TSE a respeito da segurança das urnas, sem que porém tivesse sido apresentado qualquer indício ou prova de fraudes. Sua liderança foi também essencial para barrar a tentativa de retorno ao voto impresso, que poderia ser usado para posteriormente colocar em xeque o resultado do pleito.

Nas eleições de 2022, o amplo conhecimento sobre o sistema de segurança e o perfil do ministro foram fundamentais em meio a denúncias de prejuízo aos eleitores que tentavam se deslocar nas rodovias no dia da votação, além da pronta atuação para liberar as vias bloqueadas por manifestantes insatisfeitos com o resultado das urnas – experiência apreendida durante a greve dos caminhoneiros de 2018.

No dia 8 de janeiro, porém, o Brasil viveu o auge do extremismo. Para além das retóricas golpistas, extremistas se concentraram em Brasília e depredaram as sedes dos Três Poderes, deixando um rastro de destruição avaliado em ao menos R$ 20 milhões, representando um dos ataques mais graves já sofridos pela democracia. Relator das investigações dos atos antidemocráticos, Moraes mais uma vez tomou uma série de decisões para garantir a retomada da normalidade, determinando: a desocupação dos quartéis para o fim das manifestações que pediam golpe de Estado, a prisão preventiva de golpistas e o afastamento de autoridades por suspeita de omissão, entre outras ações.

Novos desafios – Agora, seis anos após chegar à Suprema Corte brasileira, Alexandre de Moraes vai enfrentar um de seus maiores desafios no cargo de ministro: a definição dos desdobramentos das investigações. Além de supervisionar apuração da PF e do Ministério Público Federal sobre os atos que podem levar a quem organizou e financiou os ataques, Moraes terá que definir como será o julgamento das mais de mil pessoas que teriam operacionalizado ou participado dos ataques.

Em paralelo, pela experiência acumulada em relação ao uso das novas tecnologias durante a condução dos inquéritos e do processo eleitoral, o Ministro Alexandre de Moraes reúne sugestões para a proposta de regulamentação das redes sociais e para uma eventual reforma do Marco Civil da Internet .

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Seis frases de Alexandre de Moraes em seis anos de STF
Desde sua chegada ao STF, ministro defendeu suas posições com firmeza e teve papel decisivo em julgamentos importantes. Confira algumas de suas frases mais marcantes

“É com muita felicidade, muita honra e muita responsabilidade que assumo esse cargo no Supremo Tribunal Federal, com absoluta convicção de que o meu trabalho pode auxiliar o caminho que o STF vem trilhando já há muito tempo na defesa dos direitos fundamentais, no equilíbrio entre os Poderes, no combate à corrupção, no combate à criminalidade, que também é função do Poder Judiciário.”
Fala à imprensa após posse como ministro do STF, em 22/3/2017

“Não há democracia sem Poder Judiciário independente. Não há Poder Judiciário independente sem juízes altivos e seguros. Coagir, atacar, constranger, ameaçar, atentar contra o STF, seus magistrados e seus familiares é atentar contra a Constituição, a democracia, o Estado de Direito e a defesa intransigente dos direitos humanos fundamentais.”
Durante voto no julgamento da validade do inquérito das fake news, em 17/6/2020

“Liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, das instituições, da dignidade e da honra alheias. Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos. A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito, inclusive durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a plena liberdade do eleitor em escolher o seu candidato, sua candidata, depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no próprio processo eleitoral.”
No discurso de posse como presidente do TSE, em 16/8/2022 

“A democracia se constrói, se solidifica, prospera e fortalece uma nação quando a discussão de ideias é mais importante que a imposição obtusa de obsessões, quando as ofensas e discriminações cedem lugar ao diálogo e temperança, quando o ódio perde seu lugar no coração das pessoas para a esperança, respeito e união.”
Durante pronunciamento na diplomação dos eleitos após pleito presidencial, em 12/12/2022

“O STF foi danificado por terroristas. Mas as instituições não são feitas só de tijolos, são feitas de pessoas, coragem e determinação. Vamos reconstruir as estruturas e mostrar que a Constituição Federal e a democracia seguem mais fortes do que nunca.”
Pelo Twitter, após os ataques às sedes dos Três Poderes, em 17/1/2023

“O País constatou em todo o território nacional um cenário de abuso e desvirtuamento ilícito e criminoso do exercício do direito de reunião e a confusão entre liberdade de expressão e agressão, com consequências desproporcionais e intoleráveis para toda sociedade e para um mundo civilizado. Os desprezíveis ataques terroristas à democracia e às instituições republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores e os anteriores e atuais agentes públicos coniventes e criminosos, que continuam na ilícita conduta da prática de atos antidemocráticos.”
Durante discurso na reabertura dos trabalhos do TSE, em 1/2/2023

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Seis temas em que as posições de Moraes fortaleceram os direitos humanos
Ministro foi relator de temas importantes e seu voto foi seguido pela maioria em diversas ações de destaque, que garantiram direitos fundamentais previstos na Constituição

Educação – Seguindo o voto divergente do Ministro Alexandre de Moraes, os ministros entenderam na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.439 – julgamento concluído em setembro de 2017 – que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, vinculada às diversas religiões. O ministro considerou que o Estado deve incentivar a tolerância e a diversidade de opiniões, respeitando a plena liberdade daqueles que não professam nenhuma crença religiosa. Também no campo da educação, o voto de Moraes foi seguido pela maioria no Recurso Extraordinário (RE) nº 888.815, em setembro de 2018, para definir que o ensino domiciliar não pode ser implantado no Brasil sem que haja uma regulamentação prévia. Segundo Moraes, a Constituição incumbiu Estado e família de atuarem juntos por uma educação melhor.

Proteção das mulheres – Na ADI nº 5.938, julgada em maio de 2019, seguindo o voto de Alexandre de Moraes como relator, os ministros julgaram inconstitucionais trechos da reforma trabalhista que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres em algumas hipóteses. Conforme o voto de Moraes, a Constituição salvaguarda não somente os direitos da mulher, como também dos recém-nascidos. Já em março de 2022, o voto do Ministro Alexandre de Moraes como relator foi seguido por unanimidade na ADI nº 6.138 e o plenário validou mudança na Lei Maria da Penha que autorizou delegados e policiais, mesmo sem autorização judicial, a concederem medidas protetivas para afastar o agressor do domicílio em caso de risco à vida da mulher.

Proteção da Amazônia – Em setembro de 2019, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 568, o relator Alexandre de Moraes homologou acordo entre a Procuradoria Geral da República, o Congresso Nacional e a União para a destinação de R$ 2,6 bilhões recuperados pela Petrobras na operação Lava Jato em ações de educação e preservação ambiental, sobretudo nos estados da Amazônia Legal.

União homoafetiva – Seguindo o voto do relator Alexandre de Moraes e por unanimidade na ADI nº 5.971, o STF determinou em setembro de 2019 que lei do Distrito Federal que trata de políticas públicas para a família deve incluir a união homoafetiva. Moraes afirmou que a união estável entre pessoas do mesmo sexo não pode ser excluída do conceito de entidade familiar para fins de aplicação de políticas públicas.

Saúde na pandemia – Em outubro de 2020, em sessão virtual, o plenário confirmou decisão de Alexandre de Moraes na ADPF nº 672 que garantiu aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios liberdade na adoção de medidas contra a pandemia de covid-19. A intenção, segundo o voto do relator, foi garantir ações pela saúde de toda coletividade. Em maio de 2020, também havia sido confirmada decisão importante durante a pandemia: seguindo o voto de Moraes, na ADI nº 6.357 foi confirmada a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal para permitir gastos extras para combater o coronavírus durante o estado de calamidade pública.

Transparência – Em novembro de 2020, o STF confirmou por unanimidade decisões do Ministro Alexandre de Moraes nas ADPFs nº 690, nº 691 e nº 692 para determinar que o Ministério da Saúde e o Governo do Distrito Federal não alterassem a forma de divulgar os dados epidemiológicos relativos à pandemia de covid-19. O ministro afirmou que a Constituição consagra o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública, “conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a sociedade”.