As mães de Santa Maria

26 de março de 2013

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O sofrimento materno exteriorizado na escul­tura “pietà”, de Michelangelo, representa uma imagem inapagável nesses dias e noites em que se recorda a todo o instante o fatídico incêndio na casa noturna rio-grandense.

Irônico e trágico o nome da boate, “Kiss”, cuja única lembrança há de ser o último beijo que uma mãe pôde dar no seu querido filho ao cruzar a porta de saída de casa para ingressar na fila de espera da morte.

As mães – e nós mulheres que aspiramos essa doação de Deus, que é a maternidade – sabem, pelo dom da espiritualidade que invade os corações progenitores, que essa dor da perda não cessa, jamais cessa, que o peito palpita até o último suspiro e que a saudade dói, dói muito fundo até o fim de nossas vidas.

É microscópica a justiça que se pretende fazer através da imputação de responsabilidade pela falta de revestimento da boate e/ou pela falta de fiscalização do Poder Público.

Vidas humanas não têm preço e a possível e futura indenização é um substitutivo encontrado pelo Direito para humanizar as consequências do inadimplemento das obrigações. Mas qualquer pesquisa histórica que se empreenda não encontrará nos estudos da tutela da vida e da dignidade de morrer uma só vogal ou consoante que valorize a paga em troca do viver.

Um aspecto chama a atenção: muitos seres humanos já ingressaram numa fila de espera pela morte, como protagonistas inconscientes do próprio drama. Assim o foi com os passageiros do choque entre dois aviões que trafegavam em rota de colisão (o caso Gol versus Legacy). Os jovens que formavam uma imensa fileira de universitários sonhadores antes do ingresso na boate “Kiss” estavam marcados como aqueles incautos passageiros.

A pior coincidência é que ambos os acidentes poderiam ter sido evitados.

Essa angustiante conclusão deve servir de alerta e vale mais do que qualquer reparação ou busca frenética de causas ou concausas; serve de advertência aos mercadores de sonhos noturnos, de que tantos esses quanto os devaneios devem ser construídos com responsabilidade para que não se transformem em pesadelo e não deixem ao desabrigo da paz as mães que se despediram de seus filhos e que não sabiam que eles não mais voltariam  para suas casas.

Alhures homenageia-se com constância as “mães da plaza de mayo”, aqui e para sempre “as mães de Santa Maria da Boca do Monte”.