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As relações entre o franqueador e o franqueado, e o Código de Defesa do Consumidor

30 de setembro de 2007

Carlos Alberto Menezes Direito Ministro do STF, Professor Titular de Direito Constitucional da PUC – Rio

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O que se vai examinar, como tema central, no presente trabalho, é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação entre o franqueado e o franqueador, não se questio-nando o vínculo entre o franqueado e os seus clientes.
Esse é um tema desafiador, porquanto se tem desenvolvido quase sempre à sombra do conceito de destinatário final, sem considerar, como adverte a notável jurista Cláudia Lima Marques, que “pode ser importante para as nossas conclusões saber que as normas do CDC são aplicáveis, por lei, a pessoas que em princípio não poderiam ser qualificadas como consumidores stricto sensu”1. E, ainda, sem relevar o conceito de vulnerabilidade (art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor)2, pedra angular para as decisões envolvendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. É certo que a orientação perfilhada pelo Superior Tribunal de Justiça, em várias oportunidades, tem acolhido o que se pode chamar de interpretação finalista extensiva, procurando aplicar as regras do diploma consumerista na área dos contratos de adesão, conjugando a prova da vulnerabilidade com o conceito de destinatário final.
O critério fundamental, sem dúvida, para a melhor identificação da existência de relação de consumo é o da vulnerabilidade, nas suas diversas projeções, porque permite enlaçar o Código de Defesa do Consumidor com a teoria moderna dos contratos que finca raízes mais fortes na boa-fé e na destinação social do contrato. Não é por outra razão que o Código Civil de 2002, diferentemente do anterior, consagra as duas primeiras normas ao tema, dispondo, no art. 421, que a “liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, e, no art. 422, que os “contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” e, ainda, no art. 423, que “a existência de cláusulas ambíguas ou contraditórias em contratos de adesão conduz a uma interpretação mais favorável ao aderente”, o que também está previsto no art. 47 do Código de Defesa do Consumidor.
Isso quer dizer que o novo Código Civil pôs a disciplina dos contratos também sob a égide de princípios que estão entranhados no Código de Defesa do Consumidor. Modernamente, portanto, seja no regime do Código Civil seja no regime do Código de Defesa do Consumidor, há proteção específica para assegurar o necessário equilíbrio contratual, partindo-se do pressuposto de que o contrato não pode ser instrumento de proteção a uma das partes contratantes em detrimento da outra.
Dessa forma, poder-se-á considerar, no exame dos contratos sob o ângulo do Código Civil, aquelas regras estabelecidas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, que cuida das cláusulas abusivas sem perder de vista o conceito de vulnerabilidade com o base para a identificação da relação de consumo, com menor peso, portanto, para o conceito de destinatário final, levando-se em conta o que dispõe o art. 29 do Código de Defesa do Consumidor3.
Nessa direção, veja-se mais uma vez a lição de Cláudia Lima Marques:

“Certo é que a ‘vulnerabilidade’, no dizer de Antônio Hermann Benjamin, é a ‘peça fundamental’ do direito do consumidor, é o ‘ponto de partida’ de toda sua apli-cação aos contratos. Em se tratando de vulnerabilidade fática, o sistema do CDC a presume para o consumidor não-profissional (o advogado que assina um contrato de  locação abusivo porque necessita de uma casa para a sua família perto do colégio dos filhos), mas não a presume para o profissional (o mesmo advogado que assina o contrato de locação comercial abusivo, para localizar o seu escritório mais próximo do fórum), nem a presume para o consumidor pessoa jurídica (veja art. 51, I, in fine, do CDC). Isto não significa que o Judiciário não possa tratar o profissional de maneira ‘equivalente’ ao consumidor, se o profissional efetivamente provar a sua vulnerabilidade, que levou ao desequilíbrio contratual”4.

A prevalência há de ser, portanto, um adequado balanceamento entre os conceitos de vulnerabilidade e de destinatário final, aquele sempre dependente da prova existente e o fato de não ser possível ampliar sem lastro a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
De fato, assim deve ser pela só razão de que o direito civil geral, ou seja, aquele que está subordinado ao Código Civil, e o direito civil especial, assim, aquele que está ao alcance do Código de Defesa do Consumidor, devem ser preservados para garantir a pureza da relação de consumo, já agora considerando que aquele que não pode ser configurado como consumidor encontra no Código Civil de 2002 uma proteção contratual que tem ampla conexão com o Código de Defesa do Consumidor.
Diria, até mesmo com risco de exagero, que o direito civil geral moderno está inspirado na cláusula geral de boa-fé que o Código de Defesa do Consumidor elegeu como fonte imperativa para a identificação das cláusulas abusivas. Há, portanto, um ingrediente de excepcional relevância para a sociedade moderna, que é o encontro dos contratos no mesmo leito da proteção do contratante mais fraco na relação, mas, ao mesmo tempo, porque a noção de boa-fé não é unilateral, protegidas as partes contratantes sempre por esse salutar princípio que deve estar na raiz de todas as relações humanas.
A diferença substancial reside na circunstância de que o direito civil geral, já agora, parte do pressuposto de que a liberdade de contratar tem limite na função social do contrato e na interpretação mais favorável ao aderente quando se trate de contrato de adesão diante de cláusulas ambíguas e contraditórias. Não se diga que há distância entre o conceito de cláusula abusiva, consagrado no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, e este de cláusula ambígua ou contraditória. E isso pela só razão de que, tecnicamente, a disposição do Código Civil é mais ampla, mas, em contrapartida, não é causa de nulidade, facultando, apenas, a interpretação mais favorável ao aderente, enquanto no art. 51, caracterizada a cláusula abusiva em contratos relativos ao fornecimento de produtos e serviços, torna-se imperativo reconhecer a nulidade.
Ocorre que, em ambas as situações, a finalidade da regra é garantir a igualdade de contratar e, por conseqüência, o equilíbrio das partes na relação contratual. Em certa medida, é essa circunstância benfazeja de pôr o direito civil geral no rumo mais moderno da relação contratual, isto é, que os contratos estarão protegidos contra a disparidade das partes contratantes, estabilizados por sua função social e pela cláusula da boa-fé, que está presente também como critério para a interpretação dos negócios jurídicos (art. 113 do Código Civil5).
Nessa matéria, considerando a confluência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002, é necessário ter presente que o primeiro, em matéria contratual, como mostra Cláudia Lima Marques, “representa a evolução do pensamento jurídico para uma teoria contratual que entende o contrato em termos de sua função social”, sendo que “o problema é o desequilíbrio de forças dos contratantes. Uma das partes é vulnerável (art. 4º, I) é o pólo mais fraco da relação, pois não pode discutir o conteúdo do contrato ou a informação recebida; mesmo que saiba que determinada cláusula é abusiva, só tem uma opção, ‘pegar ou largar’, aceitar o contrato nas condições que lhe oferece o fornecedor ou não aceitar e procurar outro fornecedor. Sua situação é estruturalmente e faticamente diferente da do profissional que oferece o contrato. Este equilíbrio fático de forças nas relações de consumo é a justificativa para um tratamento desequilibrado e desigual dos co-contratantes, protegendo o direito daquele que está na posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual fática e juridicamente”.6
Extrai-se aqui, pelo menos na minha convicção, que o tratamento das relações contratuais a partir do Código Civil de 2002 está bem harmonioso, seja no campo especial do consumo, seja no campo geral das práticas negociais em geral. Tanto em um como em outro, a proteção à parte vulnerável está presente, havendo, sem dúvida, distinções em muitos aspectos como, por exemplo, no das presunções sobre a vulnerabilidade. Mas o que é importante salientar é que a interpretação dos contratos não necessita mais buscar o abrigo do Código de Defesa do Consumidor para proteger o equilíbrio de forças entre as partes contratantes, porquanto o Código Civil tem suficiente instrumento técnico para calçar as decisões judiciais que ao longo do tempo foram construídas com esse sentido e alcance.
No contrato de franquia, são múltiplas as possibilidades negociais e, dentro de cada espécie estão, por sua vez, embutidas diversas modalidades obrigacionais. Trata-se de modalidade contratual com disciplina própria no direito positivo, a Lei nº 8.955/94. A definição legal é a de tratar-se de um “sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca e patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”7.
É fácil perceber que a própria lei embute na chamada franquia empresarial várias modalidades obrigacionais, mencionando outros contratos que estão enlaçados com o de franquia, assim, o de uso de marca e patente, o de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, o de uso de tecnologia de implantação e administração de negócios. É um dos contratos tidos como complexos, porque prevê uma série de relações jurídicas entre o franqueador e o franqueado. E, ainda, diversos são os tipos de franquia, podendo ser de serviços, de produção, de distribuição e de indústria. Pelo menos na franquia de serviços existe a prestação de assistência técnica do franqueador ao franqueado, sem mencionar que, nesses contratos, há uma enorme variedade de exigências de qualidade e apresentação, como, por exemplo, as relativas ao tipo de arquitetura que deve ser utilizada, ao de mobiliário, ao de embalagem. Inclua-se, ainda, a interferência direta do franqueador em matéria de engineering, que planeja e orienta a montagem da empresa franqueada, como mostra Arnoldo Wald8.
Como ensina Waldirio Bulgarelli9, trata-se de “figura contratual atípica, decorrente de novas técnicas negociais, no campo da distribuição e venda de bens e serviços”. É, para o autor, “operação pela qual um comerciante, titular de uma marca comum, cede seu uso, num setor geográfico definido, a outro comerciante”, sendo certo que o beneficiário, isto é, o franqueado, “fica preso à orientação e às imposições do cedente, geralmente justificadas também ingenuamente pela idéia da transferência de know how”.
Anote-se que a lei especial de regência estabelece que, para a formação do contrato de franquia, o franqueador “deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma Circular de Oferta de Franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível”, especificando quais as informações que deve conter tanto com relação ao franqueador como ao franqueado, incluído o fornecimento do contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, “com texto completo, inclusive dos respectivos anexos e prazo de validade” (art. 3º), sendo que deverá ser entregue ao candidato “pelo menos 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ligada a este” (art. 4º, caput).
Se não for cumprida exigência legal, “o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir a devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança e mais perdas e danos” (art. 4º, parágrafo único), aplicando-se igual sanção no caso do franqueador veicular “informações falsas na sua Circular de Oferta de Franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis” (art. 7º).
A existência de contrato-padrão, ou seja, tecnicamente, contrato de adesão, pode induzir uma apressada conclusão para considerar o contrato de franquia subordinado ao Código de Defesa do Consumidor. O que se diz, nessa direção, é que esse contrato pode conter cláusulas abusivas, o que daria ensejo à aplicação do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor.
Todavia, não creio que isso seja suficiente. Não se deve esquecer que o capítulo sobre a Proteção Contratual no Código de Defesa do Consumidor começa por estabelecer que os “contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportuni-dade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance” (art. 46).
Assim, o que se deve identificar em primeiro plano é se há relação de consumo entre o franqueador e o franqueado. Pode-se equiparar o franqueado ao consumidor?
Mesmo na perspectiva dita “maximalista”, ou seja, aquela que adota um conceito mais ampliado para fazer do Código de Defesa do Consumidor um código aplicável não apenas ao consumidor não-profissional, atingindo um número cada vez maior das relações de mercado, não creio que se possa responder positivamente. Vejamos.
Primeiro, não me parece que o franqueado tenha condições técnicas de se enquadrar como destinatário final, nos termos do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor. Adotado o conceito de destinatário final como aquele que retira o bem do mercado, encerrando o circuito produtivo, englobado ainda aquele que o utiliza para seu trabalho profissional, no contexto de uma interpretação dita “finalista extensiva”, não se pode afirmar que o franqueado seja o destinatário final da franquia. É que, realmente, o objeto do contrato é exatamente a passagem da franquia do titular para o mercado de consumo, utilizando a rede de franqueados, que, de fato, são substitutos daquele junto ao mercado, sob quaisquer das suas modalidades.
Poder-se-ia cogitar de separar, no contrato de franquia, algumas modalidades obrigacionais que dariam azo a que se introduzisse a figura do consumidor à luz do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, como, por exemplo, no caso da franquia de serviços a assistência técnica do franqueador ao franqueado. Mas não creio que se possa chegar a tanto pela natureza do próprio contrato de franquia, que põe o uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição e de tecnologia, ao alcance do franqueado com vistas ao mercado consumidor, embora deva ser considerado que, embaixo, outros contratos possam existir como o de locação de imóvel e de cessão de direitos. No contrato de franquia, dá-se uma transferência do direito de uso do sistema inerente à franquia conforme o tipo de franquia, sendo o franqueado claramente um elo na cadeia de consumo entre o franqueador e o consumidor. A relação entre eles não é de consumo.
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 403.799-MG, Relator o Ministro Franciulli Netto, DJ de 26/4/06, assinalou que o contrato de franquia “não se confunde com nenhum outro contrato, porquanto possui delineamentos próprios que lhe concederam autonomia. Ainda que híbrido, não pode ser configurado como a fusão de vários contratos específicos”. E mais:

“Por ser um contrato autônomo e complexo, não há falar tão-somente na cessão de marca ou da prestação de serviços, de forma isolada. Ocorre, em verdade, um conjunto de atividades abarcadas pelo contrato de franquia, sem que se possa conceber a preponderância de uma atividade em detrimento de outra. Permitir a primazia da cessão de marca em face da prestação de serviço, data maxima venia, significa transformar o contrato de franquia em contrato de locação. Seguindo esse raciocínio, conceder preeminência à prestação de serviços em face da cessão de marca importa em transfigurar o contrato de franquia em contrato de prestação de serviços.”

Além disso, não enxergo fundamento suficiente para pôr o franqueado na cobertura do art. 29 do Código de Defesa do Consumidor. Embora o pressuposto da equiparação seja a mera exposição às práticas comerciais previstas, o contrato de franquia obedece ao disposto em legislação especial
que regula estritamente a formação do contrato e regula as sanções possíveis. Em tal cenário, o que se deve aplicar subsidiariamente não é o Código de Defesa do Consumidor que também é lei especial sobre relações de consumo, mas sim o Código Civil, que é a legislação matriz da disciplina contratual. Transplantar para o Código de Defesa do Consumidor um contrato regulado por lei especial e que contém regras jurídicas próprias sobre a formação do contrato, com sanções específicas, não me parece da melhor técnica.
Por outro lado, valeria analisar a perspectiva da aplicação do art. 29 sob o ângulo da vulnerabilidade do franqueado diante do franqueador. É que a jurisprudência pode, em determinado momento, relevar esse aspecto, entendendo ser necessário proteger o franqueado da prática abusiva, melhor dizendo, do abuso do poder econômico, como é o caso, por exemplo, da cobertura do comerciante mais fraco em contrato de distribuição de bebidas. Nesse sentido, tome-se o acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 476.428/SC, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 9/5/05, em que se afirmou que a “relação jurídica qualificada por ser de ‘consumo’ não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro”, tudo com os olhos postos na necessidade de manter o equilíbrio contratual, destacando, porém, que a “jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo”.
Todavia, não creio que seja possível aplicar o entendimento exarado naquele precedente ao contrato de franquia. É que a fragilidade não existe quando se sabe que o franqueador tem obrigações definidas em lei para a concessão da franquia, com indicação precisa das obrigações que assume e que o franqueado deve assumir. Ademais, o franqueado dispõe, por expresso comando legal, da Circular de Oferta de Franquia, a ser oferecida em linguagem clara e acessível, indicando, dentre outras condições, o total do investimento inicial, o valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento, informações sobre os pagamentos ao franqueador ou a terceiros, a remuneração pelo uso do sistema, da marca ou troca de serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado, aluguel de equipamento ou ponto comercial, além do modelo de contrato-padrão, com texto completo.
Isso, na minha compreensão, enquadrando-se todos os contratos no regime da boa-fé, conduz a comportamento que não se compadece com posterior imputação da existência de cláusulas abusivas. Se não houvesse lei com esse regramento tão minucioso, claro, capaz de levar as partes contratantes a saber com antecedência o que se vai contratar e em que condições seria possível até imaginar que o franqueado teria ensejo de invocar que foi atingido por prática abusiva prevista no Código de Defesa do Consumidor.
Veja-se que Cláudia Lima Marques, essa arquiteta desbravadora da proteção do consumidor no Brasil, mostra que a idéia básica do art. 29 “é a imposição de um patamar mínimo de lealdade e boa-fé objetiva”10. A boa-fé opera na reciprocidade, sendo claro que aquele que contrata sabendo com antecedência aquilo que contrata, não sendo pessoa fora do mercado, hipossuficiente, ou ignorante da prática comercial da área que vai contratar, subordinado a uma lei especial que define a formação do contrato e as condições prévias da contratação, não pode postular a proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Não se trata nem de relação de consumo, nem de consumidor, nem, no meu entender, de equiparação a consumidor. E, o que me parece relevante, não há falar em tal situação na existência de prejuízo indireto ao consumidor.
Não é, portanto, caso de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

NOTAS ____________________________
1 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed.: RT, 2006, p. 318
2 Código de Defesa do Consumidor, art. 4º, caput e inciso I: “A política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;”
3 Código de Defesa do Consumidor, art. 29: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.
4  MARQUES, Cláudia Lima. Ob cit. p. 335.
5 Código Civil, art. 113: “Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”
6  MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Hermann V. e MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor,
2ª ed.: RT, 2006, pp. 85/86.
7 Art. 2º da Lei nº 8955/94.
8 In: Obrigações e Contratos, 16ª ed. rev. e atu. por GLAZ, Semy :Saraiva, 2004, p. 686.
9  In: Contratos Mercantis, 13ª ed.:Atlas, 2000, p. 529.
10 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Atônio Hermann V. e MIRAGEM, Bruno. Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed.: RT, 2006, p. 452.
Essa orientação foi adotada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 687.322/RJ, de minha relatoria, DJ de 9/10/06.