Edição

Até a volta, Dr. Getúlio!

5 de agosto de 2004

Compartilhe:

Discurso de João Goulart, no cemitério de São Borja

Ministro do Trabalho no Governo Vargas e ex-Presidente da República

“Meu caro amigo Getúlio Vargas.

Nosso grande e inesquecível chefe.

Aqui estamos com o coração cheio de amargura e os olhos cheios de lágrimas para prestar-te a nossa última homenagem. Se viveste com dignidade, morreste com honra.

A minha homenagem, a homenagem dos são-borjenses, a homenagem de todos os brasileiros presentes e dos que acompanham esta cerimônia em espírito, a maior homenagem que poderíamos te prestar será a leitura da carta que me entregaste antes de te despedires da vida e entrares para a História.

Esta carta será a bandeira, o lema e o catecismo de todos os trabalhadores do Brasil, que, tenho certeza, represento neste instante e que choram como chora todo o povo brasileiro a sua morte. Há de ser, também o hino do povo que recebe com lágrimas o sangue que deste por eles.

Disseste, Dr. Getúlio, duas horas antes de morrer, com a consciência tranqüila, como só podem ter os grandes homens que sempre trilharam o caminho do bem e da verdade, palavras que unirão o povo brasileiro na defesa de todos os princípios que pregaste, desde que iniciaste a vida pública, princípios que não morrerão, que serão o nosso estandarte de luta, a nossa bandeira e que farão com que o nosso pensamento esteja sempre junto do teu pensamento.

A nossa bandeira será a bandeira dos princípios que defendeste durante toda a tua vida, nosso grande amigo e chefe Getúlio Vargas.

“Não me acusam, isultam-me! Não me combatem, caluniam-me! Não me dão direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação para que não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Porque me coloquei contra os grupos econômicos e financeiros internacionais. Fui objeto de uma revolução e venci”.

Realmente foi essa revolução que trouxe novos horizontes para todos os trabalhadores do Brasil. Foi esta revolução que inspirou e criou as leis do trabalho, pela qual puderam ter liberdade o povo que era escravo e principalmente trabalhador que vivia oprimido e humilhado. Deste liberdade aos trabalhadores e a reação nunca te perdoou.

“Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive que renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo”. Voltaste, sim, nos braços deste mesmo povo, que nesta hora, com lágrimas, vem reafirmar aquela solidariedade que nunca te faltou e que te levou ao Catete e que te levará agora à suprema glorificação. Voltaste nos braços deste povo que nunca esqueceste, nem mesmo minutos antes de deixares esta vida, a caminho da eternidade.

A campanha subterrânea de grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais, revoltados contra o regime da garantia ao trabalho. A lei dos lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo. Desencadearam os ódios. Os trabalhadores sabem que enfrentaste ódio e reação para dar aos que trabalham apenas mais um pouco de pão e tornar as suas existências um pouco mais compatíveis com a dignidade das criaturas humanas. No entanto, contra mais esse pedaço de pão que deste aos trabalhadores, fazendo justiça, levantou-se a reação que te leva a esse túmulo.

“Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás. E mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se voluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero”.

Lembramo-nos, Dr. Getúlio, quando na Bahia enlambuzaste as mãos no petróleo do nosso solo, procurando fazer a independência do Brasil e dos brasileiros. A reação jamais concordou com essa atitude. O grande crime que cometeste foi de procurar fazer com que as riquezas saídas do solo, deste mesmo solo onde entra agora teu corpo inanimado, não caíssem nas mãos dos trustes e monopólios. Este foi o teu crime e por isso desejaram o teu castigo!

Disseste ainda: “Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária e descobri os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até quinhentos por cento ao ano”.

Muitos dirigentes dessas mesmas empresas devem estar neste instante com as mãos tintas de sangue, do sangue do bom homem que procurou impedir a concretização de seus impatrióticos desígnios.

“Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de cem milhões de dólares por ano”. Eram estas as unhas aduncas que roubavam e sugavam o suor dos trabalhadores e do povo brasileiro, que desejavam a tua destruição. Precisavam aniquilar o nosso grande chefe e amigo porque ele representava a liberdade do povo e da pátria. Mas, eles se enganam. Não destruíram Getúlio Vargas nem seus ideais que sempre estiveram vivos e, agora mais do que nunca, brilham na alma e no coração dos brasileiros.

Nós, dentro da ordem e da Lei, saberemos lutar com patriotismo e dignidade, inspirados no exemplo que nos legaste. Embora entrando o teu corpo inanimado agora na terra, as tuas idéias entram definitivamente no coração de todos os brasileiros.

“Veio a crise do café. Valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão  sobre a nossa economia a ponto de sermos  obrigados a ceder”.

Aqui está, também com o coração entrecortado pela dor, o teu Ministro, o teu amigo Oswaldo Aranha, que é testemunha  desse esforço. O Brasil responderá àqueles que exigiam através do teu sacrifício o sacrifício do nosso povo e da nossa Pátria.

“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora resistindo a uma agressão constante e incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo para defender o povo que agora desamparado. Nada posso lhe dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o sangue brasileiro, e eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio para sempre estar convosco”.

Morreste como mártir, tiveste a glorificação que só tem os grandes estadistas, os que sabem viver e morrer. Deste em holocausto a tua vida para que não fossem sacrificadas mais vidas deste povo sofredor e miserável, deste povo que sempre conduziste com dignidade e que soubeste honrar até na morte.

“Quando vos humilharem, sentireis a minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater, à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta, por vós e por vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força da reação. Meu sacrifício vos manterá unidos. O meu nome será a vossa bandeira de luta”.

Tenho certeza, Dr. Getulio, que o teu nome há de ser sempre a nossa bandeira de luta e nossa bandeira de vitória a favor dos pequeninos e humildes por quem viveste e por quem deste a tua vida. Getúlio Vargas há de ser sempre o nosso chefe de ontem, o nosso chefe de hoje, o nosso chefe de amanhã.

“Cada gota do meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada da resistência”.

Lutaste como um bravo e, injuriado e caluniado, ainda nos últimos instantes dae tua vida  afirmaste em uma mensagem de despedida ao nosso povo que: “Ao ódio respondo com o meu perdão”.

Só os grandes homens sabem perdoar. Somente um homem como o amigo poderia perdoar aqueles que nesta hora estão com as  mãos respingadas de sangue. Perdoaste e nós, em cima do teu corpo inanimado, seguindo o teu exemplo  e com alma partida, peroraremos também, colocando o estandarte do teu nome sob o pavilhão auriverde da nossa pátria.

Disseste ainda: E aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória. A tua vitória foi selada com as lágrimas do povo que tanto amaste e tanto defendeste.

Mas esse povo de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém.

Para isto estamos aqui falando em nome de São Borja, falando em nome de todos os trabalhadores de nossa Pátria, dos mais humildes aos mais categorizados, do Amazonas ao Chuí. Eu digo, Dr. Getúlio, este povo não será escravo de ninguém porque a bandeira que levantaste será a nossa bíblia, o nosso hino e nos conduzirá um dia a vitória que sempre almejaste para o povo que tanto amaste e pelo qual derramaste o teu sangue.

Disseste mais: “Meu sacrifício ficará para sempre. E minha alma e o meu sangue serão o preço do meu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a exploração do povo. Tenho lutado de peito aberto”.

De peito aberto também morreste, Dr. Getúlio, porque morreste como só sabem morrer os homens de coragem e de dignidade.

“Ódio, infâmias, a calúnia não abateram o meu ânimo. Dei-vos a minha vida e agora ofereço a minha morte”.

Ofereceste mesmo tudo a este povo que neste instante está aqui derramando lágrimas sobre este caixão, com o coração dolorido e amragurado. Ofereceste a vida pelo povo por quem lutaste toda a existência. Mas, esteja certo, Dr. Getúlio, este povo que dá esta  prova de solidariedade nunca trairá os teus ideais. Este povo saberá lutar com todas as suas forças para a vitória de tuas idéias, que será a definitiva redenção social e econômica de nossa Pátria, para a felicidade de todos os brasileiros.

“Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo a caminho da eternidade. E saio da vida para entrar na História”.

Nada podem recear os homens que são capazes de todas as renúncias e que dizem ao despedir-se deste mundo: “Ao ódio dos meus inimigos eu respondo com o meu perdão”. As portas do além já estão abertas. Já estás lá, Dr. Getúlio, porque só os homens de bem e os superiores são capazes deste gesto. Foste bom e justo. A tua bondade e o teu espírito de justiça há de nos inspirar sempre.

Dr. Getúlio, já estás a esta  hora na história do mundo. Ainda ontem os jornais de Londres afirmavam que havia morrido o grande estadista do mundo. Saíste da vida para entrar na história e podes baixar ao solo que defendeste até as suas entranhas, através da lei regulando o nosso petróleo, levando a certeza de que este povo que amaste e que também te ama, jamais te esquecerá.

Tu estás vivo dentro do nosso coração e vivos os ideais que defendestes.

Até a volta, Dr. Getúlio! Vai como foram os grandes homens. Tu que soubeste morrer, levas neste momento o abraço do povo brasileiro, levas especialmente o abraço dos humildes, levas o abraço daqueles que de mãos calmas e honradas constroem a grandeza de nossa pátria.

Nós estamos contigo e contigo está todo povo brasileiro.”