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Atenuando privilégios, racionalizando o trabalho

5 de agosto de 2003

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Perdeu lamentavelmente a Constituinte a oportunidade histórica de tornar formalmente público o que por natureza é público. Refiro-me a atividade de registro público, à qual, se se queira atribuir-lhe o caráter de segurança, não se poderia deixar de emprestar a chancela do Estado. Esta, entretanto, como resultado da inserção na Constituição do artigo 236, pelo qual a atividade referida se desenvolve em caráter privado, mediante concessão, apenas indiretamente se verifica. Prevaleceu o interesse privado sabre a interesse público, a culminar tudo com a institucionalização do secular privilégio. Bastaria, no entanto, que a Constituição simplesmente silenciasse a respeito para abrir caminho à regulamentação da matéria por” lei, por via da qual, a par de se publicizar o que pro natureza e até por denominação é público (repita-se), instituir-se-ia nova fonte de custeio dos servidores públicos: outra fonte de renda para o Estado, tão carente de rendas em façe do assoberbamento crescente de despesas. O preceito, não obstante, consagrou-se e erigiu-se à categoria de constitucional. É mister, portanto,respeitá-lo até que se revogue, o que se figura não apenas Possível como sobretudo desejável e até imperioso. Tal, porém, é assunto a ser tratado a seu tempo.

Por ora, palmilhando-se o terreno da constitucionalmente possível, o que se verifica, particularmente em nosso  Estado, é algo há ser feito, em termos de atenuar-se o privilégio e democratiza-se, pelo menos, o ganho, que a Constituição quis fosse privado. Data de 1937, quando foram criados os últimos Ofícios de Registros de Imóveis, a estrutura da repartição das atribuições respectivas na Capital. De lá para cá permaneceu rígida, imutável. Ora, por aquela época a cidade do Rio de Janeiro não contava sequer um milhão de habitantes; hoje tem em torno de seis milhões, que ademais não se repartem em densidades uniformes relativamente aos bairros em que fixados. Disso resulta a constatação tranqüila de ser sobremodo reduzido o número de ofícios de registros de imóveis hoje existentes (apenas 11), e de ser paralelamente e sobremaneira elevada a renda dos titulares respectivos (um dos quais com média anual de ganho próxima de R$ 1.200.000,00 mensais), dificilmente justificável até mesmo à luz da doutrina do capitalismo, ante a consideração do nenhum risco empresarial, resultante de clientela certa e necessária e da relativa ausência de concorrência. Este é seguramente o negócio sonhado por todo capitalista: lucro certo e avultado e nenhum risco! Isto, num país de miseráveis…

Por outro lado, nada justifica a imposição do cidadão do sacrifício consistente em percorrer quilômetros e quilômetros para o propósito simples de registrar uma operação imobiliária. Refiro-me ao fato de que a repartição atual de atribuições dos ofícios de registro de imóveis da Capital, velha de 66 anos, repito, faz recair num só cartório a competência para o registro de operações relativas a imóveis situados em bairros tão distantes entre si como, por exemplo, Cosme Velho e Barra de Guaratiba; Alto da Boa Vista e Jardim Guanabara; Acari e Sepetiba!

Par estas razões todas é que, na qualidade de Corregedor-Geral da Justiça, propus ao órgão Especial de nosso Tribunal nova, mais racional e mais justa repartição de atribuições dos registros de imóveis, com a criação de mais 18 ofícios, e de sorte que a cada um dos 29 ofícios resultantes da modificação proposta competirá o registro correspondente a imóveis situados em bairros próximos das respectivas sedes. Estas, por outro lado, terão de obrigatoriamente situar-se no mais importante de cada bairro, de modo a ficarem o mais próximas possível dos interessados no registro.