Edição 141
Atuação da atividade de corregedoria de polícia judiciária – Mandados de busca e polícia militar
8 de junho de 2012
Júlio César Ballerini Silva Juiz de Direito do TJESP
A atividade correicional como é de conhecimento para quem atua nessa área, tem suscitado inúmeros e acalorados debates nos Fóruns e Tribunais do país, o que decorre, às mais das vezes, da confusão entre função típica e atípica do Poder Judiciário, que se torna patente em um grande número de questões acerca do tema, como se buscará expor no presente trabalho, com ênfase na atividade correicional policial, ainda mais porque não se cuidaria de exercício de atividade típica do Poder Judiciário, ou seja, jurisdicional.
Em relação a tanto, questão que, muitas vezes, na prática forense, se torna apta a gerar certa confusão, seria
a referente a se estabelecer limites entre as searas típicas de dois órgãos radicalmente distintos, que seriam a Corregedoria de Polícia Civil e a Corregedoria de Polícia Judiciária (aliás, o próprio advento da norma contida no artigo 144 e seus consectários da Carta Política já assevera no sentido de que as polícias preventiva – de segurança – e judiciária, serão órgãos auxiliares do Poder Judiciário, mas não estão hierarquicamente subordinadas ao mesmo, mas sim, ao Governador do Estado – ou seja, detentor de mandato popular para o exercício de atividade da Administração Pública).
Uma delas, esta última, exercida pelo Poder Judiciário e outra exercida por órgão próprio da Polícia Civil, em que se encontra adstrito o policial (não se cuida de órgãos concorrentes, mas cada qual com a sua esfera de atribuição própria e distinta), sem prejuízo de outras providências cíveis ou penais a serem encetadas em vias próprias, em sendo o caso.
Aliás, não se nega que a gênese da confusão em testilha possa estar relacionada, justamente, com o fato de se cuidar, no caso do Poder Judiciário, de exercício de uma função atípica, eis que, como é cediço, num Estado Democrático de Direito, o fundamento de legitimidade o Poder Judiciário desempenharia o exercício de um poder (portanto ato de soberania estatal) ligado precipuamente à atividade de dizer o direito (júris dicere, em acepção, portanto, literal em relação ao exercício da jurisdição), de modo imparcial.
Desta feita, o exercício de função de fiscalização não lhe seria atividade própria, mas, ao contrário, uma função atípica decorrente da lei, já que, como igualmente sabido, tal função estaria mais aproximada do Poder Executivo ao qual estão ligados os órgãos policiais, mas, com ela, de modo algum se confundindo.
Tanto assim que não existe qualquer dúvida em relação ao fato de que a Polícia Judiciária, não obstante o nome seja órgão próprio do Poder Executivo, eis que o próprio nome indica, polícia derivaria do grego politéia, em alusão à polis, ou Cidade-Estado grega.
Ou seja, nessa acepção, o que se observa seria uma situação em que a atividade em questão seria eminentemente administrativa, decorrência remota do poder de polícia ínsito à administração pública em geral, sendo certo que historicamente o nome derivou para o próprio órgão mantenedor da ordem pública.
Com relação ao caráter genérico da expressão, de se pedir vênia para ponderar a respeito da sempre atual concepção de José Cretella Júnior, que aponta:
De um modo geral, polícia é o termo genérico com que se designa a força organizada que protege a sociedade, livrando-a de toda vis inquietativa (…) Durante a Idade Média o sentido do vocábulo alterou-se, tendo sido usado para designar a boa ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa da competência exclusiva da autoridade eclesiástica. Mais tarde, na França e na Alemanha, a police e a polizei passaram a designar o direito do soberano e do senhor feudal para zelar, de todos os modos possíveis, pelo bem estar daqueles que estavam sob suas ordens.
Sobre o tema, com delimitação específica, importante a distinção pontuada por Fernando da Costa Tourinho Filho, no sentido de que:
Em Roma, o termo politia adquiriu um sentido todo especial, significando a ação do governo no sentido de “manter a ordem pública, a tranqüilidade e paz interna”; posteriormente, passou a indicar “o próprio órgão estatal incumbido de zelar sobre a segurança dos cidadãos”.
Prossegue referido autor separando as atividades próprias da atuação policial no contexto atual, no ordenamento jurídico pátrio, apontando:
Mas, enquanto a Polícia de Segurança visa impedir a turbação da ordem pública, adotando medidas preventivas, de verdadeira profilaxia do crime, a Polícia Civil intervém quando os fatos que a Polícia de Segurança nem sequer imaginava pudessem acontecer. (…) Até então, a Polícia incumbida dessa tarefa era denominada Polícia Judiciária. Todavia a Constituição Federal, no art. 144, par. 4o, dispõe que: “as polícias civis, dirigidas por delegados de Polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. (…) A função precípua da Polícia Civil consiste em apurar as infrações penais e a sua autoria.
Nesse sentido, de se destacar o quanto asseverado por Álvaro Lazzarini:
(…) a Polícia Judiciária corresponde à atividade policial desenvolvida após a eclosão da infração penal, com o objetivo de auxiliar a Justiça Criminal em sua atividade-fim, que é a aplicação da lei penal. (…) A atividade de Polícia Judiciária está voltada para a realização do escopo processual penal embora seja de nítida natureza administrativa e não jurisdicional, sendo controlada externamente pela autoridade judiciária e dirigida a fornecer a esta um primeiro material de averiguação e de exame. (…)
Mas, como deflui do apontado linhas acima, atuação de tal poder correicional parece estar ligada a uma ideia de fiscalização de atuação de serviços auxiliares do Poder Judiciário, no exercício de sua função típica, ou seja, na atuação jurisdicional, o que levaria à ideia de que a fiscalização encontraria limites na atividade processual, eis que, entendimento em sentido contrário, levaria à conclusão de desnecessidade da existência de uma Corregedoria de Polícia Civil.
Com propriedade, a Enciclopédia Saraiva do Direito, em vocábulo próprio, dá as linhas mestras de tal diferenciação, convindo pedir vênia para a seguinte transcrição:
CORREIÇÃO No âmbito judiciário é a atividade fiscalizadora exercida por magistrados sobre todos os serviços auxiliares, a Polícia Judiciária e os presídios, nela incluída a competência para aplicar penas disciplinares aos serventuários, escreventes, fiéis, porteiros e oficiais de Justiça. (…) Na administração pública significa fiscalização, mediante visitas, inspeções, exames de documentos, a vários ou determinados órgãos para a verificação da eficiência e lisura dos serviços. (…)
Do mesmo modo, e no mesmo sentido, conviria destacar o quanto asseverado por De Plácido e Silva, apontando que atos de correição judicial se aplicam e dirigem aos atos de índole processual:
(…) E, no desempenho de semelhantes atribuições, o corregedor ou qualquer outro órgão, a quem estejam afeitas as correições pode mesmo sindicar sobre erros, abusos, desrespeito e inversões tumultuárias de atos e a forma legal dos processos, ex officio, ou em virtude de reclamações, provendo sobre estes casos, o que for de Direito e de sua competência. (…)
Sobre o tema, reforçando essa ideia de searas distintas de atuação, inclusive, pontua, com propriedade, o Magistrado Octávio Augusto Machado de Barros Filho, para quem:
Sob o aspecto formal, as atribuições das corregedorias permanentes consistem na fiscalização, administração e orientação dos órgãos da justiça sobre os seus serviços auxiliares, disciplinadas por normas de serviço, como provimento, resoluções, portarias e comunicações, sendo exercidas nos limites legais de suas respectivas jurisdições, conforme a natureza cumulativa ou especializada das Varas para as quais for atribuída tal competência. Paralelamente, dada a dinâmica das atividades policiais e dos presídios, o juiz corregedor também atua como provedor, ex officio ou por provocação, corrigindo e reordenando serviços através de atos normativos, com vistas à correta e eficiente administração da justiça; já que o Poder Judiciário, em última análise, é prestador de serviços. Não é demais salientar que as funções correcionais recaem apenas sobre os serviços e funcionários subordinados diretamente ao juízo monocrático; posto que, a teor do artigo 129, par. 2o, incisos I, III, IV e VII, CF, acham-se “revogados todos os dispositivos tidos como legitimadores da atuação da denominada Corregedoria da Polícia Judiciária”, como adverte João Estevam da Silva, Promotor de Justiça em São Paulo. A fiscalização dos atos praticados por agentes da Polícia Militar e da Polícia Civil cabe às autoridades sob as quais estejam hierarquicamente subordinadas e às suas respectivas Corregedorias, ressalvado o controle externo a cargo do Ministério Público. Nesse sentido, a lição do Prof. Hélio Tornaghi: “enquanto as normas relativas à Polícia Administrativa são de Direito Administrativo, as que se referem à Polícia Judiciária são de direito processual”, portanto, “se organicamente a Polícia Judiciária entronca na máquina administrativa do Estado, funcionalmente ela se liga ao aparelho judiciário. Não há nenhuma subordinação hierárquica, disciplinar, entre a Polícia Judiciária e o Poder Judiciário ou mesmo o Ministério Público, mas interdependência funcional. Só nesse sentido é a polícia auxiliar da justiça.
Portanto, no âmbito administrativo, eventuais infrações imputadas a determinados policiais, devem ser apuradas, no âmbito administrativo, por seus órgãos próprios (no caso de policiais civis, as Corregedorias de Polícia Civil) e não pelo Poder Judiciário, que, no entanto, ao se depararem com denúncias versando a respeito de tais infrações, não podem se quedar inertes, devendo comunicar os órgãos próprios para as providências cabíveis.
Ou seja, diante de uma denúncia, após a cautela de reduzi-la a termo, deverá o Magistrado com atribuição de Corregedoria de Polícia Judiciária, determinar o envio de cópia à Corregedoria de Polícia Civil, sem prejuízo, em havendo indícios de prática de delito aferível mediante ação penal de iniciativa pública incondicionada, determinar a cientificação do dominus litis poenalis, ou seja, o representante ministerial, para que encete as providências que julgar adequadas em relação a tanto (ainda que, em ultima ratio, por extensão analógica do advento da norma contida no artigo 40 do Código de Processo Penal).
Isso porque, em condições como tal, pelo óbvio, cuidar-se-ia de situação de incidência do princípio da oficiosidade da ação penal, a demandar, portanto, tais providências de impulso oficial.
Do mesmo modo, não se poderia negar cuidar-se, nesses casos, de inequívoca situação de possibilidade de atuação do controle externo da atividade policial nos termos da LOMP (Lei Complementar no 75/93), como pode ser extraído do advento de suas normas contidas nos artigos 7o e 9o.
Sobre a oficiosidade aponta Fernando Capez no sentido de que:
As autoridades públicas incumbidas da persecução penal devem agir de ofício, sem a necessidade de provocação ou assentimento de outrem. O abrandamento é dado, novamente, pelos casos de ação penal de iniciativa privada (CPP, art. 5o, par. 5o) e ação penal pública condicionada. A regra não impede a provocação de órgãos públicos por qualquer do povo conforme o Código de Processo Penal, art. 27.
Tal situação, inclusive, não geraria situação de impedimento ou suspeição do Magistrado que teve a iniciativa de comunicação dos referidos órgãos, para o julgamento de eventual ação penal (que eventualmente lhe venha a ser distribuída), como já frisado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em mais de uma oportunidade (ao contrário, ao tomar cautelas como esta, tem-se que o Magistrado está se acautelando no interesse, justamente, da preservação de sua imparcialidade, enquanto fundamento político de existência de um Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito).
Neste sentido, seria de se pedir vênia para destacar o quanto decidido, a esse respeito, na Exceção de Suspeição no 75.716-0/1-00, Espírito Santo do Pinhal, Rel. Des. Álvaro Lazzarini, j. 15.02.01, cuja ementa seria a seguinte:
Exceção de Suspeição. Determinação de extração de cópias de depoimentos de testemunhas e encaminhamento ao Ministério Público. Posterior condução pelo Magistrado de processo instaurado em razão da providência tomada. Processos distintos. Hipótese que não se insere na previsão dos incisos do art. 254 do CPP. Exceção rejeitada.
Assim, não se poderiam confundir as searas de atuação da corregedoria de Polícia Judiciária e corregedoria de Polícia Civil, eis que a primeira não se prestaria, precipuamente, a apurar infrações funcionais dos policiais, mas, ao contrário, deverá atuar quando, em processos, tais desvios possam comprometer a lisura dos atos judiciais (o que, insista-se, não impede que, em havendo alguma comunicação responsável de violação de deveres funcionais, as esferas com atribuição sejam comunicadas).
Neste sentido, inclusive, já decidiu o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em precedente que peço vênia para destacar:
Polícia – Corregedor Permanente – Ampla defesa – Competência – No procedimento investigatório que não se destina a acusar e punir é dispensável o contraditório e a ampla defesa – O policial civil é auxiliar da justiça quando realiza a prisão em flagrante, ato de Polícia Judiciária e de apuração de infrações penais, submetendo-se no exercício desta função ao controle do juiz corregedor permanente por força do art. 77 da Constituição Estadual – Ordem denegada. (Mandado de Segurança no 384.462-5/8 – São Paulo – 8a Câmara de Direito Público – Relatora: Teresa Ramos Marques – 15.12.04 – V.U.).
Assim, por exemplo, restaria como patente a fiscalização da atividade de Polícia Judiciária, pela respectiva corregedoria (ou seja, não pela corregedoria de Polícia Civil), na atividade de concessão de mandados de busca e apreensão, o que não se daria com relação a uma imputação de concussão, que não deveria ser diretamente apurada pelo juiz corregedor, que deveria encaminhar o fato para a Corregedoria de Polícia Civil e, nesse caso, por igualmente a infração poder ser tipificada como crime, também ao Ministério Público para, se assim entender suficientes os indícios, dar início à persecução penal (nesse caso, nada impediria a própria requisição direta de instauração de inquérito policial para a autoridade policial com tal atribuição, diga-se en passant).
Em relação ao tema em questão, ou seja, concessão de mandados de busca, enquanto forma de atuação da corregedoria de Polícia Judiciária, igualmente haveria polêmica em relação à possibilidade, ou não, de sua concessão a agentes da Polícia Militar, não se desconhecendo que se cuide de providência peculiar, a ser examinada com certa cautela, mormente porque o domicílio seja tido, por regra (não sem exceções), como inviolável pelo texto constitucional.
Neste sentido, conviria ressaltar a opinião de Edílson Mongenot Bonfim, para quem:
A doutrina considera taxativo o rol do art. 240, par. 1o, porquanto a busca representa medida de exceção que atinge garantia fundamental do indivíduo. Com efeito, a Constituição Federal estabelece que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia, por determinação judicial (art. 5o, XI). Neste esteio dispõe o art. 245, caput, do Código de Processo Penal que as buscas domiciliares somente serão executadas durante o dia, salvo se o próprio morador consentir que se realizem durante a noite. Parte da doutrina identifica ainda a possibilidade de que, no caso específico do flagrante delito, a busca e apreensão possa ser efetuada mesmo durante a noite, já que a própria Constituição Federal excepciona tal situação.
Mas, mesmo assim, tem-se que o pedido de busca e apreensão pode ser efetuado em qualquer fase do processo, inclusive antes da instauração do inquérito policial (neste sentido a opinião de Fernando da Costa Tourinho Filho, como também se verifica em sede jurisprudencial, podendo-se invocar, em relação a tanto, à guisa de mera exemplificação, o quanto asseverado em clássico entendimento destacado em RT 665/333), cuidando-se, aliás, de medida expressamente prevista pelo advento da norma contida no artigo 240 e seus consectários do Código de Processo Penal.
Nessas condições, havendo fundadas razões, noticiadas por policial militar, no sentido da ocorrência de delitos aferíveis mediante ação penal de iniciativa pública incondicionada, portanto, em situação de possibilidade de incidência do mencionado princípio da oficialidade da ação penal, haveria possibilidade de deferimento de mandados de busca e apreensão (insista-se, tomadas as cautelas previstas pelo advento da norma contida no artigo 240 e seus consectários do Código de Processo Penal, notadamente em seu § 1o, alínea “d”), ainda que firmado o pleito por agente da Polícia Militar, malgrado doutos entendimentos em sentido contrário (não se desconhecem verdadeiros embates institucionais em relação a tanto, mormente motivados por associações de Delegados de Polícia, ou mesmo por membros da carreira policial, não sendo, no entanto, de se esquecer que se cuida de questão que pode ser influenciada por fatores ideológicos, até mesmo políticos, da questão suscitada).
Por primeiro, em relação a tanto, já seria de se asseverar no sentido de que a possibilidade de ser o pedido formulado pela Polícia Militar já foi autorizada, desde há muito, pelo Superior Tribunal de Justiça, podendo se destacar, v.g., o seguinte Julgado:
Mandado Judicial. Alertada por notitia criminis oriunda de órgão policial militar, não macula a busca e apreensão cumprimento do respectivo mandado judicial pelo mesmo órgão, tanto mais que se seguiu a regular instauração de inquérito pela Polícia Civil, à qual foram entregues os bens apreendidos. RSTJ 27/101
E não se observa que o referido entendimento tenha sido alterado por acórdãos posteriores, devendo-se reputá-lo eficaz, nessas condições, como é cediço, malgrado, insista-se, respeitados entendimentos em sentido contrário.
Para corroborar tal entendimento, poder-se-ia salientar também no sentido de que os artigos 13, alínea “h” e 176 do Código de Processo Penal Militar, permitiriam à Polícia Militar efetuar buscas nos inquéritos da Polícia Militar, e que, muito embora se trate de matéria de direito castrense, pode ser aplicada subsidiariamente à questão, reforçando o entendimento cristalizado no Julgado retro-mencionado, pois, se existe lei autorizando a Polícia Militar a realizar buscas, nada impede que, na ausência de proibição normativa, se empregue o juízo analógico (artigo 4o da Lei de Introdução ao Código Civil), na busca do bem comum e dos fins sociais a que a lei se destina (artigo 5o do mesmo diploma legal).
E nem se venha pretender aduzir que a norma contida no artigo 144 e seus consectários da Carta Magna, geraria ilegalidade de pleito ou de deferimento do mandado em questão a agente da Polícia Militar.
Tal se dá na medida em que o parágrafo 4o do mencionado consectário constitucional estabelece que à Polícia Civil incumbiriam as funções de Polícia Judiciária e apuração de infrações penais, nada mais. No mesmo sentido, o teor da norma contida no artigo 140 da Constituição do Estado de São Paulo.
Contudo, não se pode conceber a medida de busca e apreensão como função exclusiva de Polícia Judiciária, até porque o artigo 242 do Código de Processo Penal, estabelece que a busca e apreensão poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.
Não há norma estabelecendo a exclusividade da Polícia Civil para a realização de busca e apreensão, nem tão pouco fixando tal diligência como ato de Polícia Judiciária (isso sem que se mencionem hipóteses excepcionais como o procedimento dos crimes contra a propriedade imaterial, dentre outras, que comprovam a falta do caráter exclusivo que se mencionou).
Com precisão, aliás, a respeito da questão, o posicionamento de Álvaro Lazzarini, para quem:
É, porém, verdade que o órgão incumbido da polícia preventiva – no ordenamento constitucional vigente, a incumbência em nível estadual municipal é da Polícia Militar (art. 114, par. 5o, da Constituição da República) – necessária e automaticamente, diante da infração penal que não pode evitar, deve proceder à repressão imediata, tomando todas as providências elencadas no ordenamento processual para o tipo penal que, pelo menos em tese, tenha ocorrido. Lembre-se que a repressão imediata pode ser exercida pelo policial militar, sem que haja violação do dispositivo constitucional, pois, quem tem incumbência de preservar a ordem pública, tem o dever de restaurá-la, quando de sua violação.
Nessas condições, também a Polícia de Segurança poderia desempenhar atividades de índole processual, na necessidade de restauração da ordem pública, o que não impediria, sob tal perspectiva, que a Polícia Militar obtenha mandados judiciais, sem qualquer vulneração ao texto constitucional, como já definido pelo Superior Tribunal de Justiça.
A partir dessa consideração, pelo óbvio, cairiam por terra alegações no sentido de que se cuidaria de medidas atentatórias à legalidade, ou que o pleito ou sua concessão consistiriam em atos de improbidade ou de usurpação de função pública.
Ao contrário, como é cediço, cuidar-se-ia de orientação que melhor atenderia ao princípio da eficiência, expressamente previsto pelo advento da norma contida no artigo 37, caput, da Constituição.
Isso porque à sociedade não interessa o debate institucional travado pela Polícia Civil e pela Polícia Militar a respeito dos limites de suas funções, eis que o que se busca é a manutenção da ordem pública de modo eficiente, o que restaria melhor alcançado com a colaboração desses órgãos, por razões de singular obviedade franciscana.
Ora, o entendimento no sentido de que os dois órgãos teriam atribuição para tais pleitos se revela como mais apto a atender os fins sociais a que a lei se destina e às exigências do bem comum (e novamente se invoca, em relação a tanto, o quanto estabelecido no advento da norma contida no artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil), eis que, com isso, a própria possibilidade de corrupção policial se tornaria mais difícil (por exemplo, de nada adiantaria subornar-se um investigador ou o delegado, se toda a corporação policial militar puder adotar medidas tendentes à restauração da ordem pública).
Assim, malgrado até possam existir doutos entendimentos em sentido contrário, se de um lado a Carta Política assegura o sobreprincípio liberdade, no seu artigo 5o, caput, do mesmo modo assegura, no mesmo consectário normativo, um direito de índole coletiva, qual seja, a segurança, o que deve ser sopesado sob uma perspectiva de proporcionalidade, sobretudo nessa questão trazida à cognição.
Do mesmo modo, em Comunidades de pequenas dimensões populacionais, comuns no interior do país, o monopólio da prerrogativa na figura exclusiva da autoridade policial poderia ser deletéria acaso houvesse notícia da prática de algum crime pelo detentor deste cargo.
É bem verdade que, em situações como tal, poder-se-ia sugerir que outro delegado fosse instado à apuração, mas, como dito acima, razões corporativas não parecem indicar que essa seja a melhor opção (não pela falta de isenção do apurador, mas, até mesmo para a preservação da imagem de isenção, em atenção ao princípio da moralidade previsto pelo referido artigo 37, Lex Mater), convindo que outro órgão intervenha, com mais vantagem, portanto, para o interesse público, que, como igualmente visto alhures, se orientaria na consecução da ordem e da paz pública.
A discussão, ademais, parece ser de um certo bizantinismo, eis que, pelo óbvio, em se cuidando de medida de interesse do dominus litis poenalis, dar-se-á prévia vista ao representante ministerial, sendo certo que o Juiz Corregedor também toma inequivocamente ciência da medida, de sorte tal que, nessas condições, nada impediria que o Juiz ou o Promotor, a partir daí, determinasse ou solicitasse determinação, da diligência de busca e apreensão em questão.
Ou seja, bastaria que o agente da Polícia Militar instasse o Juiz Corregedor para que este, até mesmo ex officio (princípios da oficialidade e da oficiosidade da ação penal – esse último destacado linhas acima) determinasse a medida, nos termos da legislação de regência (como se exporá adiante se o Juiz for lançar provimento deverá atuar como Juiz de Direito e não como Corregedor, o que pressupõe distribuição prévia, se não estiver de plantão ou fora dos horários da distribuição no Fórum, nos termos preconizados pelas NSCGJ por exemplo), o mesmo se dando, mutatis mutandi, em relação ao douto representante do parquet a quem se der vista do pedido.
De igual sorte, ante todo o exposto linhas acima, quando se esclareceu que a atividade correicional seria atípica, na medida em que implicaria em atividade fiscalizatória própria do Poder Executivo e não do Poder Judiciário, não se poderia deixar de consignar que quando a medida levar à prolação de um provimento, medida própria ao exercício do júris dicere, ou poder de dizer o direito, atividade tipicamente judicial, não mais haverá que se cogitar de atividade de Corregedoria de Polícia Judiciária.
Muitas vezes a providência poderá se revelar até mesmo de índole extrapenal, ou seja, a ser pleiteada em outra seara, como por exemplo, em seara cível, portanto, não sendo passível de análise sequer perante a Corregedoria de Polícia Judiciária (totalmente fora do âmbito de atuação previsto para a incidência da atuação da atividade atípica destacada acima).
Em relação a tal aspecto dessa abordagem, bastante pertinente o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido de que:
COMPETÊNCIA – Pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de policial civil – Solicitação feita ao Corregedor da Polícia Judiciária – Inadmissibilidade – Hipótese de verdadeira medida cautelar – Pretensão a ser deduzida junto à Vara Cível – Recurso não provido. (Recurso em Sentido Estrito n. 227.488-3 – Santos – 6a Câmara Criminal – Relator: Fanganiello Maierovitch – 30.10.97 – V.U.).