Edição 266
Bicentenário do ensino jurídico no Brasil, hora de corrigir rumos
17 de outubro de 2022
Beto Simonetti Presidente do Conselho Federal da OAB
Faltam apenas cinco anos para que se completem dois séculos desde a criação dos primeiros cursos de direito em nosso País. É necessário aprofundar a discussão sobre a imprescindibilidade de aperfeiçoar, constantemente, o ensino jurídico. Para a advocacia, a qualidade de seus quadros é um dever constitucional, uma vez que os cidadãos têm nas advogadas e nos advogados, muitas vezes, o único meio de buscar a solução de seus conflitos. A despeito dos esforços da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no entanto, é preocupante a disseminação, no Brasil, de cursos de péssima qualidade – que recebem parecer desfavorável da OAB, mas são aprovados pelo Ministério da Educação (MEC).
A carreira jurídica atrai, todos os anos, milhares de alunos. A média de novos advogados aprovados nas últimas dez edições do Exame Unificado de Ordem (EOU) é de quase 30 mil profissionais a cada prova. No último exame totalmente finalizado pela OAB (o 33º EOU) cerca de 50 mil pessoas se tornaram aptas para advogar. A média de aprovação é de um a cada cinco candidatos. Ou seja, 80% não foram considerados aptos a exercer a profissão.
O motivo da alta reprovação é a baixa qualidade dos cursos, uma vez que não há limite de vagas e cada candidato só concorre consigo mesmo. A última edição do Selo OAB Recomenda, que analisa todos os cursos de Direito do País a cada três anos, resultou em apenas 192 graduações recomendadas – pouco mais de 10% do total. Para se ter uma ideia do crescimento desordenado do ensino jurídico, em 1995, eram 235 cursos em funcionamento. Hoje, são mais de 1,9 mil autorizados pelo Ministério da Educação, um ritmo de cinco por mês.
É urgente frear esse modelo que priorizou a multiplicação de instituições de ensino superior, mas pouco exigiu delas em termos de qualidade. Boa parte dos graduados nessas más instituições não passa no Exame da OAB nem chegará ao mercado de trabalho. A visão mercantilista do ensino celebra o fato de chegarmos a 1,3 milhão de advogados e advogadas no Brasil, mas não presta contas da qualidade do ensino.
Em uma sociedade cada vez mais tecnológica e multidisciplinar, a modernização necessária dos cursos ganha uma nova fronteira educacional. Mas para quase 90%, nem sequer a primeira fronteira, a da educação analógica, foi ultrapassada.
A OAB, cumprindo o art. 54, XV, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), elabora pareceres sobre cada pedido de criação, reconhecimento ou credenciamento de novo curso de Direito. Esse parecer, hoje, tem caráter apenas consultivo. A Ordem tem trabalhado para que ele passe a ser vinculante, passando a ser seguido também pelo MEC. Outros mecanismos de controle e avaliação, para o fechamento de instituições de baixa qualidade, precisam ser adotados.
Recentemente, o MEC atendeu à demanda do Conselho Federal da OAB e promoveu importante avanço por meio da Portaria nº 668, de 14 de setembro de 2022. O Ministério determinou o sobrestamento dos processos de autorização, reconhecimento e renovação de cursos de graduação em Direito, na modalidade à distância, e criou um grupo de trabalho para apresentar subsídios com vistas a aperfeiçoar a regulamentação do ensino à distância (EAD). É um passo inicial.
Nesses quase dois séculos, a atuação da advocacia foi determinante para o desenvolvimento de um Brasil independente, soberano, republicano e democrático. Tal importância, no entanto, não seria a mesma, não fosse a excelência na formação jurídica, qualidade que, hoje, como exposto, é cada vez mais rara. Repensarmos o ensino jurídico no Brasil é, acima de tudo, zelar pelo Estado Democrático de Direito.