Um breve lineamento histórico acerca da ação

15 de maio de 2014

Bacharelando em Direito, pela Universidade Paulista. Estagiário no Tribunal Regional Federal 1ª Região

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Não houve na história do direito processual civil, questão mais polêmica do que a definição do conceito de ação. A doutrina não sedimentou uma definição universal para o conceito de ação. Deveras, houve tantas concepções que chegou a se cogitar que cada processualista tinha sua própria definição, essa universalidade de conceito é, essencialmente, decorrente das características do ordenamento, dos valores do Estado e da cultura em que se formou o conceito de ação.

Luiz Guilherme Marinoni explana sobre o histórico do direito de ação e sobre a importância dele no Estado Constitucional; na primeira parte do seu estudo o referido autor remonta a história da ação, contudo, daremos ênfase as cinco teorias da ação que a doutrina, na atualidade, reputa como essenciais para o estudo do conceito de ação.

A primeira teoria a emanentista ou civilista da ação, a muito já superada, fora defendida por pontífices mestres como Clóvis Beviláqua e Giuseppe Chivoenda. Tal teoria era calcada na premissa romanista de Celso que consistia no brocardo “actio autem nihil aliud est quam ius persequendi in iudicio quod sibi debetur” – a ação nada mais é do que o direito de alguém perseguir em juízo o que lhe é devido –, o referido autor aduz que juristas Italianos e Franceses adotavam integralmente tal teoria, conquanto, houvesse alguns que criticassem o “o que lhe é devido” – quod sibi debetur –, complementando a definição, com o “o que é seu” – vel quod suum est –. Advogavam assim, porque a ação não é apenas o direito de perseguir o que lhe é devido, mas também o que é seu, aclarando, aí, a proteção não somente dos direitos reais e a dos direitos obrigacionais, como infere-se da leitura do referido brocardo sem a devida complementação realizada.[1]

Aponta Alexandre Freitas Câmara que “tal teoria é reflexo de uma época em que não se considerava o Direito Processual com ciência autônoma, sendo o processo mero ‘apêndice’ do Direito Civil”.[2]

Noutro momento histórico, exatamente nos meados do século XIX, a teoria civilista da ação começou a ser superada. A doutrina Alemã deflagrou tal superação, uma vez que surgia a ideia da actio e (adotada fielmente na França e Itália) da Klage ou Klagerecht (direito de querela), que apregoava direito de queixa e direito de ação, como institutos inconfundíveis, foi o que Windscheid defendeu, pois vislumbrava na actio romana não um mecanismo de defesa de um direito, mas o próprio direito, e que o Klagerecht (direito de querela) não era um novo direito que nascia como consequência da violação, tampouco constituía um direito de agir ou direito de queixa dirigida ao próprio Estado, pois, para o referido a actio é pretensão (ansprush), para qual a persequendi in iudicio é somente consequência do direito, de alguém a uma prestação reconhecida judicialmente (Widscheid apud Marinoni, 2008, p. 161-163.), o que gerou  uma grande polêmica, tendo como ponto central a definição da actio romana no direito moderno.

Theodor Muther divergindo de Windscheid, respondeu em um trabalho, que o ordenamento jurídico Romano não era um ordenamento calcado na pretensão de Windscheid, tampouco poderia se afirma que actio eo conceito moderno de ação são institutos inconfundíveis; pois no direito romano era sine quo nom conditio queexistisse um direito subjetivo, para que se pudesse requerer ao pretor uma fórmula – tutela jurídica – de  modo que quem se obrigava diante daquele era o particular, e diante da fórmula o pretor ou o Estado. O que denominou de direito de agir (Muther apud Marinoni, 2008, p 163 e 164.).

Surgiu, daí, a ideia de que direito material e direito de ação per si seriam distintos, superando, desde modo, a ideia civilista da ação de que direito material e ação se confundiam. Em consequência do exposto, encontramo-nos, então, com a segunda das teorias que neste ensejo serão examinadas. É a teoria concreta da ação, ou teoria do direito concreto de agir. Tal tese era calcada na premissa de que a tutela jurídica apenas é prestada pela sentença favorável.

Wach partindo da teoria de Muther (apud Marinoni, 2008, p.166 e sgs.), que afirmou que o cidadão tem direito à tutela jurídica contra o Estado, idealizou sua tese com base na ação declaratória, que ao contrário de objetivar satisfazer um direito subjetivo, tinha por finalidade à declaração da existência ou da inexistência de uma relação jurídica, de sorte que, quando na sentença reconhece-se, respectivamente, procedência do pedido autoral a ele fora prestado à tutela jurídica, de modo inverso à tutela fora prestada ao réu, isto é, à tutela jurídica só é prestada quando houver uma sentença favorável. O que levou Wach a concluir que o réu obtinha o direito de rejeitar uma demanda infundada, surgindo para ele o direito à tutela jurídica.

Ainda, o referido autor diferenciava a pretensão à tutela jurídica e pretensão à sentença favorável, vez que a primeira era devida a uma das partes e a segunda ambas, desde modo, mesmo que o autor ou o réu tivessem pretensão à sentença, a pretensão à tutela jurídica só seria satisfeita se aquela fosse favorável.

No século seguinte a de Wach, surgirá à teoria do direto potestativo de agir, idealizada por Chiovenda, o mesmo autor afirma que “a ação é o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei (…), a ação é um poder que nos assiste em face do adversário em relação a que se produz o efeito jurídico de atuação da lei. O adversário não é obrigado à coisa nenhuma diante desse poder, simplesmente lhe é sujeito (…)”,[3] assim, define o autor a ação, como sendo um direito potestativo. Que de sua vez é aquele direito em que a lei outorga a alguém o pode de influir, baseado numa mera declaração de vontade, sobre condição jurídica de outrem, restando a este somente sujeitar-se a vontade daquele. Contudo, e mesmo baseando-se em premissas da teoria de Wach, para Chiovenda só existiria ação quando houvesse também o direito material.

Heinrich Degenkolb e Alexander Plózs criticaram veementemente às teorias concretas da ação[4], e muitas destas críticas ficaram sem repostas convincentes, portanto, os referidos autores no estudo de suas interpelações à teoria concreta da ação, idealizaram uma nova teoria, qual seja, a teoria abstrata do direito de agir (Heinrich Degenkolb E Alexander Plózs apud Câmara, 2013, p. 142-143).

Surge então a teoria abstrata da ação ou teoria do direito de agir abstrato. Degenkolb (apud Marinoni, 2008, p. 165) teceu considerações, no sentido de que se fazia necessário lastrear um estudo da ação sob a perspectiva duma sentença favorável, e, também desfavorável. Disse, que, num conflito, qualquer das partes tem o poder de levar outro a face do juiz, de modo que, não era faculdade do demandado participar ou não participar do processo. Sendo que, o que obriga o réu comparecer em juízo não é o direito material per si, mas sim o direito de agir, que está calcado na própria personalidade do autor, isto é, aspiração ao direito, foi o que chamou de direito ao direito. E por conseguinte, a efetiva existência de direito material seria meramente consequência – Incidente –, não obstando, portanto, seu direito ao direito.

Plóz (apud Marinoni, 2008, p. 165), de sua vez, na mesma senda do autor supra, conclui que o direito abstrato de ação – Klagerecht – existe por si só independentemente de um direito material pressuposto, e que, tal exercício de ação estaria calcado na boa-fé de quem provoca-se o juiz.

Com efeito, esses juristas desvinculando-se da teoria concreta cujo pressupunha que para o exercício da ação a existência de um direito material subjetivo era imprescindível. Sustentaram tese diferente, no sentido de que o direito de agir é pré-existente ao seu exercício, que, surgiria com a propositura da ação – demanda –. Isto é, para tal teoria a ação é o direito de se obter do Estado um provimento jurisdicional, seja procedente ou improcedente, tal direito é afeto à personalidade do cidadão, sendo que todos detêm o direito de provocar a atuação do Estado-juiz, com escopo de fazê-lo prestar a função jurisdicional.

Capitaneada por Enrico Túlio Liebman, à teoria eclética da ação, dominante no Brasil, consiste nas denominadas condições da ação, de modo tal, que segundo este autor, a falta de uma destas condições em determinado processo significa que não há ação, surgindo, daí, o fenômeno intitulado por ele de carência da ação.[5]

Compartilha, a teoria supra da abstratividade da teoria do direito de agir, isto é o direito de ação não está condicionado a existência do direito do material afirmado pelo autor. Contudo, ambas teorias só guardam semelhança neste aspecto, uma vez, que, para à teoria eclética da ação além, da relação processual e material, existe uma categoria estranha a estas duas, a intitulada condições da ação, que são – sempre conforme o referido – requisitos sine quo nom para o direito de agir.[6]

São as condições da ação:

I – possibilidade jurídica do pedido: é a previsão ou não vedação pelo ordenamento jurídico, da postulação formulada pelo demandante;

II – interesse de agir: é tida como um binômio, pois decorre da necessidade e utilidade em provocar o Estado-juiz;

III – legitimidade das partes: significa dizer, que só pode existir ação se aquele que se afirmar titular do direito age contra quem lesou ou ameaçou lesar seu direito, ressalvado caso contrário previsto em lei.

O código de Processo Civil brasileiro seguiu integralmente à teoria eclética de Liebman, é o que se depreende da leitura, do artigo 267,VI,  do CPC, que com toda vênia, iremos transcrever, in verbis:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

 (…)

Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

(…)[7]

Tal tese tem seguidores fieis não só na doutrina pátria, mas também no exterior,[8] sem embargos disso, a passos lentos, uma boa parte da doutrina, na atualidade, formulam críticas,[9] umas mais incisivas outras nem tanto, mas, apesar de ser um tema interessante, não abordá-lo-emos neste ensejo, que, fique, então para outra oportunidade.

Não poderíamos deixar de trazer à baila algumas definições contemporâneas de ação, rapidamente, o faremos a seguir.

Interessante é afirmação de Alexandre Freitas Câmara admitindo a coexistência das teorias exposta supra, a saber, abstrata, eclética e concreta, reconhecendo que cada uma integra a outra, pois são teorias inerentes a diferentes posições jurídicas, isto é, cuidam elas, respectivamente, do poder de demandar, do poder de ação e do direito à tutela jurídica, ressaltando o fato de que, atualmente, o poder de ação não o é só direito, mas garantia fundamental também, é o que consagra o artigo 8º, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), bem como é assegura pela Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5º, XXXV.[10]

Merece atenção também a definição advogada por Luiz Guilherme Marinoni, que sob uma perspectiva da tutela dos direitos pelo Estado Constitucional, leciona nos seguintes termos, confira-se:

A norma constitucional que afirma que a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV, CF/88) significa, de uma só vez, que: i) o autor tem o direito de afirmar lesão ou ameaça a direito; ii) o autor tem o direito de ver essa afirmação apreciada pelo juiz quando presentes os requisitos chamados condições da ação pelo artigo 267,, VI, do CPC; iii) o autor tem o direito de pedir a apreciação dessa afirmação, ainda que um desses requisitos estejam ausentes; iv) a sentença que declara a ausência de uma condição da ação não nega que o direito de pedir a apreciação da afirmação da leão ou ameaça foi exercido ou que a ação foi proposta e se desenvolveu ou for exercitada; v) o autor tem o direito de influir sobre o conhecimento do juízo mediante alegações, provas e, se for o caso, recurso; vi) o autor tem direito à sentença e ao meio executivo capaz de dar plena efetividade à tutela jurisdicional por ela concedido; vii) o autor tem direito à antecipação e à segurança da tutela jurisdicional ;e viii) o autor tem o direito ao procedimento adequado à situação de direito substancial carente de proteção.[11]

Por fim, o referido autor conclui que ação é muito mais do que o simples ato de invocar a jurisdição ou do que um simples direito ao julgamento do mérito, portanto, ação é um complexo de posições jurídicas e técnicas processuais que tem por escopo a tutela jurisdicional efetiva, constituindo, asbtrativamente, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

É de alta relevância, o entendimento tecido por Fredie Didier Júnior, no sentido de que não se deve confundir direito de ação com ação, vez que este é um ato jurídico, ato pela qual da se início ao processo (demanda), definindo o objeto litigioso, fixando-se os limites da atividade jurisdicional; sendo aquele um direito fundamental formado por um conjunto de situações jurídicas, que visam garantir ao seu titular o poder e acessar os tribunais e exigir deles uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva, é direito fundamental calcado nos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal.[12]

Diante deste prólogo, é tarefa fácil formar uma opinião acerca da definição da ação, mesmo cientes de que tal estudo demandou séculos de severa evoluções, o que leva a crer que, atualmente, ação é um aparato de situações, que tem por fim primordial garantir ao seu titular o poder de acessar os tribunais requerendo-se, assim, uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e eficaz.


[1] Marinoni, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo…, ob., cit., p. 159 e segs.

[2] Câmara, Alexandre Freitas. Lições de direito…, ob., cit., p. 149 e segs.

[3] Chiovenda, Giuseppe. Instituições de direito processual civil…, ob., cit., p. 37 e segs.

[4] Segundo Câmara “basicamente eram duas críticas que ficaram se resposta, a primeira consiste no qual seria o fundamento da provocação jurisdicional nos casos em que a sentença fosse de improcedência do pedido do autor, no caso, – segundo a teoria concreta – não haveria ação, mas o Estado-juiz teria sido provocado a atuar, qual seria o fundamento de tal provocação da atuação do judiciário se inexistia direito de ação na hipótese? A segunda dizia respeito à chamada “ação declaratória negativa”, ocorre que, na hipótese de ser o pedido do autor procedente, não haveria direito material de que o mesmo fosse titular, eis que entre ele o demandado não haveria relação jurídica. Ora inexistindo qualquer direito material, também não existiria direito de ação.” (CÂMARA, 2013, p. 143)

[5] Liebman apud Wilson Alves, 2001, p. 168.

[6] Câmara, Alexandre Freitas. Lições de direito…, ob., cit., p. 143.

[7] Brasil, Código de Processo Civil. 2013, p.

[8] (Câmara, 2013, p. 144.) São alguns doutrinadores brasileiro que adotam à teoria eclética: Theodoro Júnior; Amaral Santos; Greco Filho. Na Itália tem-se Liebman o idealizador, Tommaseo e Mandrioli.

[9] São alguns doutrinadores que criticam: Alexandre Freitas Câmara; Fredie Didier júnior; Luiz Guilherme Marinoni; e Wilson Alves de Souza.

[10] Câmara, Alexandre Freitas. Lições de direito…, ob., cit., p. 147.

[11] Marinoni, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo…, ob., cit., p. 221.

[12] Didier Júnior, Fredie. ob., cit., p. 225.