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Breves considerações a respeito do viciado e do crime

5 de novembro de 2005

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Não se trata evidentemente de um trabalho aprofundado sobre o tema, mas apenas algumas reflexões a respeito do assunto.

Falamos do viciado – dependente – daquela pessoa que já caiu numa situação tal que pensa não haver retorno, que se sente acorrentada e absolutamente aprisionada pelo vício. Falamos ainda sobre o crime, sobre a violação da norma jurídica penal por aquele que não se encontra mais sob o seu juízo perfeito, não é mais senhor de sua personalidade normal, está com toda a representação da vida comprometida por intoxicação exógena. Crime cometido por dependente de substância entorpecente.

O emprego de substâncias tóxicas como as beberagens alcoólicas fermentadas remontam a muitos milhares de anos antes de Cristo, parece ter-se originado da Índia e daí ganhou o mundo. A fabricação do vinho ganhou a máxima difusão no Império Romano, assim como as substâncias euforísticas, acompanhando o curso e o ciclo da civilização.

Está provado cientificamente a existência de uma constante necessidade humana, como uma espécie de apetite profundo e irresistível, para as drogas euforizantes e onirizantes. Para tal fato explicava o grande médico e professor de psicopatologia forense J. Alves Garcia que “Os bebedores e os toxicômanos são, em geral, indivíduos bem constituídos mentalmente, inteligentes, sensíveis, ternos”. A volúpia tóxica corresponde, segundo ele, a uma necessidade de natureza puramente instintiva e afetiva, intimamente ligada à vida sentimental, na qual ela desempenha papel compensador e de substituição. (In Psicopatologia Forense, 2a. Ed.Irmãos Pongetti).

Não se pode dizer que o viciado em substancias tóxicas – qualquer que seja ela: álcool, maconha, cocaína e outras – esteja no seu juízo perfeito, salvo os que fazem uso eventual dessas substâncias. Aqui trataremos apenas daqueles que já se encontram dominados pelo tóxico, dependentes dele, sem forças para lutar contra a droga, que consome lentamente os seus dias, minando toda a sua estrutura familiar, profissional e individual, acabando por chegar aos crimes.

Deve ser distinguido o sujeito que faz uso de entorpecente, sem ser dele dependente, daquele que já se tornou um toxicômano com conseqüências na sua vida social e individual. Este último, que vamos chamar aqui de viciado, é objeto de nossas considerações, sendo absolutamente patológica a sua disposição de ser escravo do tóxico.

Tais pessoas acabam cometendo crimes em nome do prazer ou do hábito de se drogarem, pois perdem a noção de moral, de cidadania, de solidariedade, de família, de amor próprio, enfim, de tudo; descem todos os degraus da depravação e da inadaptação social/profissional. Mulheres e homens chegam à prostituição sem pudores, contando que dela venha a droga almejada.

O viciado começa então a partir para pequenos delitos dentro de sua própria casa, furtando objetos para transformá-los em tóxicos e, dali para crimes maiores é um pequeno passo. Alguns chegam aos roubos, latrocínios, homicídios, estupros e por aí vai, tudo porque estão sob o efeito doentio da droga.

Os pais, muitas vezes, sem alternativa, acabam entregando os filhos à polícia, onde são tratados como presos comuns e não como doentes, assim o viciado tende a piorar, saindo dali mais doente do que quando entrou.

Em outros casos, o viciado acaba assassinando quem ele mais ama, num momento de querer eliminar qualquer obstáculo que possa dificultar o prazer de drogar-se, naquele momento ele sequer reconhece a pessoa que está destruindo, seu intelecto está tão comprometido que podemos dizer que não é ele  – pessoa dotada de personalidade normal –  quem está ali, e sim um doente.

Numa outra vertente temos os parentes que acabam “matando” o viciado, até para não serem mortos por ele, mortos em todos os sentidos, não só o de perecer fisicamente, como também psicológica, moral e materialmente.

É um problema grave porque o viciado não é um criminoso, mas acaba se tornando um para poder chegar ao tóxico. Muitos pais acabam até sustentando o vício dos filhos – e com isso cometendo também um crime – para que eles não cheguem à delinqüência, segregando-os do mundo. Muitas vezes o fim dessas pessoas é a morte prematura em decorrência de complicações de saúde por causa dos males da droga ou por erro de dosagem no uso da mesma.

Por todos esses motivos, temos que, de lege ferenda, quando um viciado cometesse um crime qualquer seria ideal a realização obrigatória de exame médico a fim de que se apurasse a sua higidez mental, se ele é um intoxicado e se tem necessidade de tratamento, elucidando o estado mental daquele criminoso no momento da ação ou omissão, para que se pudesse ter um julgamento justo com aplicação das medidas corretas.

Quem pode afirmar estar no estado psíquico normal um filho que mata a própria mãe porque esta se recusara a lhe dar numerário para compra de entorpecente?

É claro que um crime desta espécie é repugnante, mas não podemos esquecer que foi cometido por alguém que não está mentalmente são.

Parece já existir uma unanimidade quanto à patologia do viciado, só não se tem um consenso médico e jurídico de como tratá-lo e nem uma legislação específica a respeito, já que, a rejeição das pessoas assim “doentes” começa em casa com as brigas, o desamor, a revolta etc. Muitos sequer percebem que o filho mudou os hábitos e está se iniciando no consumo das drogas, quando percebem a “doença” já está em estado avançado, sendo mais fácil repudiá-lo do que tentar curá-lo.

O Código Penal não prevê nenhuma atenuante para o caso do crime ter sido cometido em estado que resolvemos chamar de perturbação toxicológica. Por outro lado, não se pode perder de vista que o viciado tende a desenvolver doenças mentais como as psicoses, paranóias, esquizofrenias e outras. Talvez, a perícia devesse partir daí primeiramente, ou seja, apurar a integridade mental sob o ponto de vista das diversas doenças mentais, para depois perquirir da ação do tóxico no desencadeamento de tais doenças ou perturbações.

A causa primeira de tais resultados danosos é o tráfico e precisa ser combatida com veemência e energia, pois dali saem a maioria dos crimes. É uma ramificação sem limites, cria-se cada vez mais viciados e, por conseqüência, mais criminosos. É como se eles fossem robôs, o doente comete crimes como um autômato, sem consciência alguma da letalidade ou das conseqüências de seus atos, são como animais irracionais usados pelos traficantes para os mais variados fins.

Concluindo, os viciados que cometem crimes deveriam receber tratamento diferenciado posto que portadores de patologia que reclama cuidados especiais. Agrava as condições de saúde do dependente o fato dele ser tratado como um criminoso comum e colocado para cumprir pena junto com delinqüentes das mais diversas categorias. Ainda que o exame pericial conclua pela sanidade do viciado, já que não poderá ser atestado se momento exato do crime praticado possuía ele perfeito discernimento mesmo tendo agido sob o efeito de substancia tóxica, sua condição de dependente não pode prejudicá-lo e sim servir como atenuante.

O criminoso dependente de drogas é uma pessoa especial e como tal deve ser tratada. Caso não seja desde o primeiro delito, o que acontece geralmente no início de sua debilidade, dificilmente se poderá contê-la e tratá-la quando já tiver chegado a crimes mais graves, pois o perigo social que apresenta torna-se cada vez mais potente.

Paralelamente a isso, cada membro da sociedade, ao invés de dar as costas para o problema deve procurar fazer a sua parte para que não surjam novos viciados e isso pode começar em casa. Vale aqui um ditado bem apropriado: quando a família não cuida satisfatoriamente do seu filho, um traficante o adota.