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Brexit e Brasil: O que a saída do Reino Unido da União Europeia significa para o Brasil no comércio internacional?

10 de dezembro de 2018

Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB

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Será realizado no ano que vem o Brexit, a chamada saída da Grã-Bretanha da União Europeia.

Em março de 2017, após um referendo em que a população britânica votou para deixar o bloco, o governo do Reino Unido desencadeou o processo formal necessário à efetivação da sua saída. O processo tem duração de dois anos e, assim, o Reino Unido deverá deixar a UE em 29 de março de 2019.

Estão portanto em curso as negociações para definir os termos da retirada e a futura relação da
Grã-Bretanha com o bloco europeu. Contudo, faltando menos de seis meses para a data de retirada, ainda não está claro qual será o resultado dessas negociações e se um acordo será celebrado.

Ante essa incerteza, é importante analisar quais são as possíveis implicações do Brexit para empresas e investidores no Brasil.

Comércio e investimento

O Brasil já tem relações comerciais estreitas com o Reino Unido e o comércio bilateral entre os dois países mais do que dobrou entre 2005 e 2011. Por exemplo, em 2017 a fabricante britânica de automóveis Jaguar Land Rover abriu uma fábrica de 240 milhões de libras perto do Rio de Janeiro, a primeira na América Latina.

Depois do Brexit, o Reino Unido deve se movimentar de forma relativamente rápida para entrar em novos acordos comerciais com seus parceiros comerciais fora da UE. De fato, um dos principais benefícios que o Reino Unido obtém ao deixar a UE é a capacidade de estabelecer relações comerciais mais próximas com países não pertencentes àquele bloco. Quando o ministro das Finanças britânico, o chanceler Philip Hammond, participou de negociações comerciais em Brasília, em julho de 2017, ele disse: “Buscaremos fortalecer e aprofundar nossos laços com parceiros comerciais em todo o mundo, incluindo o Brasil”.

Relações comerciais mais próximas com o Reino Unido também poderiam ser benéficas para o Brasil e os demais membros do Mercosul, que manifestaram interesse em negociar um acordo de livre comércio com o Reino Unido. Em particular, as empresas brasileiras gostariam de aumentar suas exportações de carne bovina, aves, soja, vinho e ouro para o Reino Unido.

Eduardo dos Santos, quando ainda no posto de embaixador do Brasil no Reino Unido, incentivou empresas britânicas a investirem em projetos de infraestrutura brasileiros. Em um cenário pós-Brexit, essa passa a ser uma perspectiva atraente para as empresas britânicas, uma vez que a economia da Grã-Bretanha se torna menos focada na UE e mais investidores britânicos buscam oportunidades fora da Europa.

Uma área em que o Brasil e o Reino Unido já têm uma relação próxima é o setor de petróleo e gás, com empresas como a Shell, estabelecida há muito tempo no Brasil. Deve-se esperar um aumento do investimento do Reino Unido nas indústrias brasileiras de petróleo e gás nos próximos anos.

Venda de produtos brasileiros no Reino Unido e na UE após o Brexit

As empresas brasileiras que exportam para o Reino Unido e para outros países da UE têm, compreensivelmente, observado de perto as negociações do Brexit.

Se o Reino Unido deixar a UE sem um acordo de retirada (o chamado cenário no deal, que parece cada vez mais provável), os regulamentos da UE deixarão de vigorar no Reino Unido em 29 de março de 2019. Para aqueles que estão acostumados com um regime só para todos os 28 estados membros atuais da UE, esse seria o pior cenário possível.

Se um acordo for alcançado, haverá um “período de transição” até o final de 2020, durante o qual se espera que o regime atual continue vigente.

O governo do Reino Unido continua afirmando que o cenário no deal seria improvável, dado os interesses mútuos do Reino Unido e da UE em garantir um resultado negociado. Contudo, recentemente foram publicadas orientações para auxiliar as empresas a entender o que elas precisariam fazer no caso de um Brexit no deal, permitindo, assim, que elas façam seus planejamentos devidamente informadas.

Nesse cenário, as principais questões que as empresas brasileiras exportadoras para o Reino Unido e a UE devem conhecer são as seguintes:

Produtos que estão sujeitos à regulamentação em toda a UE (EU-wide product regulations)

Na ausência de um acordo, imediatamente após o Brexit, as normas de regulamentação de produtos da UE não serão mais aplicadas automaticamente no Reino Unido. O governo do Reino Unido, então, tem procurado garantir que a normas de regulamentação de produtos da UE sejam incorporadas a sua legislação interna para que, ao menos inicialmente, não haja significativa alteração. Com o tempo, no entanto, os requisitos podem mudar, gerando alguma complexidade adicional para quem operar nesses mercados.

Os notified bodies no Reino Unido (organismos acreditados pela UE que avaliam a conformidade dos produtos com a regulamentação) receberão o novo status de approved bodies emitido pelo Reino Unido e serão incluídos em uma nova base de dados exclusivamente britânica. Eles serão responsáveis por avaliar a conformidade dos produtos para o mercado do Reino Unido e permitir o lançamento de uma nova marca naquele país.

Em sua recente orientação, o governo do Reino Unido afirmou que os produtos já colocados no mercado poderão continuar circulando no Reino Unido, ainda que atendam apenas os requisitos da UE. Essa autorização é provisória, embora ainda não tenha sido especificado por quanto tempo vigorará. Novas orientações devem ser publicadas ainda este ano.

A seu turno, as avaliações da conformidade emitidas pelos notified bodies do Reino Unido não serão reconhecidas pela UE pós-Brexit. Assim, as mercadorias comercializadas na UE que foram certificadas por um notified body do Reino Unido deverão ser reexaminadas por um organismo acreditado pela UE. O que não está claro é se essa regra também será aplicada a produtos certificados antes da efetivação do Brexit.

Produtos sujeitos ao regime de reconhecimento mútuo (mutual recognition regime) entre os estados da UE

Alguns produtos manufaturados, como móveis, têxteis, bicicletas e utensílios de cozinha, circulam no mercado da UE sob o princípio do reconhecimento mútuo. Isso impede que um país da UE proíba a venda de mercadorias que já tenham sido legalmente vendidas em outro país da UE.

Se houver um Brexit no deal, o Reino Unido deixará de operar imediatamente dentro do regime de reconhecimento mútuo. Os produtos brasileiros que são negociados na UE sob o princípio do reconhecimento mútuo precisariam, portanto, atender aos requisitos internos do Reino Unido. Da mesma forma, os produtos brasileiros que hoje são comercializados em outros estados da UE exclusivamente por estarem em conformidade com os padrões do Reino Unido, deverão passar a atender as leis nacionais aplicáveis.

Produtos alimentícios

O governo do Reino Unido deixou claro que manterá seus padrões atuais de segurança alimentar, rotulagem e qualidade após o Brexit. Pretende-se que as disposições da UE sejam incorporadas à legislação do Reino Unido, de modo que as regras continuem sendo aplicadas. O governo do Reino Unido também indicou que suas próprias regras sobre produtos contendo carne e a composição de pão e farinha não serão alteradas.

Disputas legais no Reino Unido após o Brexit

Atualmente, o Reino Unido se beneficia de diversos tratados que regulam aspectos importantes de disputas internacionais, como (i) lei aplicável às obrigações das partes, (ii) jurisdição para dirimir conflitos e (iii) reconhecimento mútuo de decisões judiciais e respectivas execuções.

A adesão do Reino Unido a estes tratados deriva da sua participação na UE. Isso significa que, após o Brexit, esses tratados deixarão de se aplicados ao Reino Unido. No entanto, se o acordo for negociado e houver o chamado transition period, eles permanecerão em vigor até o final de 2020.

O que isso significa para empresas brasileiras e indivíduos que estão pensando em firmar contratos com empresas do Reino Unido/ UE e/ou entrar em uma disputa do Reino Unido/ UE?

Devido à incerteza atual, se uma das partes da disputa tiver ligação com outro país da UE, Islândia, México, Montenegro, Noruega, Singapura ou Suíça, o potencial requerente, para garantir a jurisdição britânica, deveria iniciar o processo antes do Reino Unido deixar a UE em 29 de março de 2019. Alternativamente, como a execução de decisões arbitrais não será afetada pelo Brexit, potenciais requerentes devem considerar a arbitragem em substituição aos litígios nos tribunais.

Da mesma forma, aqueles que forem celebrar contratos regidos pela lei inglesa nesse momento, devem considerar a inserção de uma cláusula compromissória estabelecendo a jurisdição arbitral e a lei inglesa como a aplicável à resolução dos conflitos.