Câmara não deveria esquecer PEC da 2ª instância

24 de janeiro de 2021

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Nem Lira nem Rossi, porém, incluirão projeto da antecipação da prisão na lista de prioridades

A escolha do novo presidente da Câmara não facilitará a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estipula o cumprimento das penas depois da decisão da segunda instância do Judiciário, jurisprudência derrotada no Supremo no final de 2019 por um voto. Nem Arthur Lira (PP-AL) nem Baleia Rossi (MDB-SP) assumem esse compromisso. É uma lástima, pois a medida melhoraria a legislação penal brasileira e reduziria os incentivos à criminalidade e à corrupção.

Não é difícil entender o motivo para a omissão de ambos. Há, nos partidos e nas coligações que os apoiam, parlamentares e políticos atingidos pela Lava-Jato e por outras operações anticorrupção, a começar pelo próprio Lira, denunciado em pelo menos dois processos.

No MDB de Rossi, entre investigados e processados, estão o ex-presidente Michel Temer e o senador Renan Calheiros. Um dos partidos da aliança que apoia Rossi é o PT, que não esquece a prisão de Lula nem sua inelegibilidade por oito anos, resultado de duas condenações na segunda instância.

A segunda instância, momento em que a sentença é submetida a um tribunal colegiado, marca o fim do exame das provas e do estabelecimento da culpa por um crime. Praticamente todas as democracias maduras dão início ao cumprimento da pena uma vez encerrada essa fase (algumas até antes). Era também assim no Brasil, até que a jurisprudência estabelecida pelo Código de Processo Penal de 1941 fosse revogada em 2009, por uma sentença do então ministro Eros Grau.

A prática foi restabelecida em 2016, numa decisão do ministro Teori Zavascki, mas caiu novamente em 2019 no Supremo, numa votação apertada, em que o então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, deu o voto decisivo. Desde então, prevalece o entendimento de que alguém só pode ser considerado culpado e começar a cumprir a pena depois de examinados todos os infindáveis recursos a que tem direito pela legislação.

É certo que há interpretações conflitantes sobre o que o artigo 5º da Constituição tem a dizer a respeito do cumprimento da sentença depois do “trânsito em julgado” (momento em que todos esses recursos estão esgotados e, muitas vezes, os crimes já estão prescritos). Por isso, ficou entendido que a melhor maneira de inserir no processo penal um dissuasivo mais robusto contra o crime é a PEC parada na Câmara.

Depois que caiu o cumprimento da pena após a segunda instância, houve grande retrocesso no enfrentamento do crime de “colarinho branco”. Foi um revés não apenas para o legado da Lava-Jato, mas para todos os que apostaram no atual governo para fazer avançar o combate à criminalidade e à corrupção, combalido também pelo esvaziamento do modelo de forças-tarefas. Mesmo que se admitam excessos na Lava-Jato, é melhor corrigi-los do que permitir o retorno da impunidade que tanto encorajou a corrupção. Restabelecer a prisão depois da segunda instância funcionaria como uma pedagógica barreira de contenção.

Publicação original: O Globo