Carta para Rosa Cristina

31 de março de 2007

Pedro Simon Senador

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Mãe, conheço o tamanho de tua dor, que é a mesma do Élson e da Aline. Para mim é também uma dor vivida. A perda de um filho é, sem dúvida, o maior de todos os sofrimentos. Por que tamanha provação? Versões contemporâneas de Abraão? “Tome seu filho, o seu único filho Isaac, a quem você ama, vá à terra de Moriá e ofereça-o, aí, em holocausto, sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar”. Por que, então, o anjo de Javé não te ajudou a desatar aquela simples fivela, de um cinto dito de segurança, que permitiria devolver a teus braços de mãe o pequeno João Helio, o Isaac de nossos tempos, para que ele permanecesse entre nós, dividindo e multiplicando sua alegria de vida? “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”

É nestes momentos que nos sentimos ínfimos diante dos desígnios do Criador. Pior: é também nestes mesmos momentos que sabemos o quanto a humanidade se distanciou de Sua obra. Disseste: “Eles não têm coração”. Eles têm! É que nós utilizamos os dons que nos são ungidos e criamos, como novos deuses, a inteligência artificial, enquanto desdenhamos os sentimentos mais sublimes e naturais, aqueles que brotam, somente e semente, em corações fertilizados pelo amor e pela fraternidade. Ao contrário, permitem os que florescessem, em muitos corações, nas favelas e nos palácios, a barbárie. No Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília, em Washington ou em Bagdá. É a humanidade, enquanto gênero humano, que se distancia de seus próprios conceitos de benevolência, de clemência e de compaixão.

Que tuas lágrimas não se percam apenas nos índices de audiência e nos discursos de conveniência. Ao contrário, que elas mobilizem corações e mentes para a reconstrução dos valores que perdemos nesta travessia terrena. Em outros tempos, não tão distantes, os valores morais e culturais se construíam sobre o tripé família, escola e igreja. Hoje, a família foi dilacerada. A escola, sucateada. A igreja, excomungada. No lugar, um novo, e perverso, tripé: a droga, a rua e a arma. A droga, como estímulo. A rua, como palco. A arma, como poder.

Ainda naqueles outros tempos, as famílias se reuniam para contar e para trocar suas histórias de vida. Era um grande círculo de amizade e fraternidade. Família, escola e igreja, ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Respeito, aprendizado e bênção. Pais heróis. Hoje, o círculo familiar deu lugar a um semicírculo vicioso. No centro, a TV, e os novos heróis são aqueles que mais atiram, que mais batem, que mais matam. É a arte imitando a vida. Ou incentivando a morte. Ou vice-versa.

Vim, vi e envelheci. Mas, por mais que possam tentar tripudiar o meu discurso e a minha prática, porque, dizem, obsoletos, não mudei. Continuo vivendo os valores que herdei. Da família, da escola e da igreja. Para mim, não há diferença, na dor, entre o favelado que puxa o gatilho nas esquinas e o dirigente que manda despejar mísseis sobre cidades inteiras. Quantas serão as mães de Bagdá que choram a morte de seus pequenos inocentes, meninos da guerra, trucidados em nome do poder e da ganância? Pior: “Em nome de Deus”. São, todos, bárbaros, cruéis, desumanos.

É essa a minha luta: resgatar o verdadeiro sentido de humanidade. Que os homens retomem o projeto do Criador. Onde reina a barbárie, de nada vão adiantar novas leis que não se cumprem; novas punições, que servirão, tão-somente, para alimentar a impunidade. Há de se ressuscitar as letras mortas. E isso se faz somente com o grito estridente das ruas.

Como em outros casos tão recentes, temo que tua imolação seja esquecida quando a comoção dobrar a esquina. Talvez, a mesma esquina em que foste abordada tão covardemente. Mas tua dor, não. Nunca mais. A dor por um filho é eterna. Ela nos acompanha até que o encontremos, de novo, em outra dimensão. Por isso, tuas lágrimas têm de irrigar a indignação, que hoje toma conta de estádios, de ruas e de lares. Das famílias, das escolas e das igrejas. Quem sabe o sacrifício do teu filho signifique o renascimento do tripé que suporta outros valores, que não a barbárie.

Somos parceiros nessa dor. Em tempo: quando conversares com o João Helio, nos teus sonhos de mãe, diga-lhe que um menino alegre, feliz, bonito e inteligente como ele irá procurá-lo entre todos os anjos. Diga-lhe que eles têm muito em comum na inocência de criança. Ele partiu há alguns anos, mas, nas minhas mais belas lembranças, continua o mesmo guri que me encantava a alma. Também partiu precoce, como todas as vítimas de algum tipo de violência.

Diga-lhe que esse guri se chama Matheus. Eu já conversei com ele nos meus sonhos de pai.

 

Um abraço fraterno,

Senador Pedro Simon