Cidadania e salário mínimo

5 de janeiro de 2001

Paulo Paim Deputado federal pelo PT/RS

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Estamos entrando no terceiro milênio. Ao longo do tempo as pegadas das grandes potencias mundiais sempre seguiram seus interesses, progrediram imensamente e conseguiram transpor as barreiras cientificas, técnicas e tecnológicas. O Brasil, por sua vez, é um país em expansão com um povo diferente, miscigenado, predominantemente marcado por culturas regionais. Um povo que consegue ser alegre em sua tristeza, um povo que ultrapassa os limites de sua própria história. Um povo que não tem acesso a livros, jornais, revistas e a cultura em geral, que não participa das decisões que determinam os nossos destinos, pois está mais preocupado em conseguir o pão de cada dia, a moradia que não tem, o emprego que lhe falta.

Falar em conceito de Nação e cidadania significa expor uma chaga imensa que o nosso povo carrega. Uma ferida exposta marcada pela discriminação e descaso daqueles que reinam na absoluta indiferença de desmandos políticos e econômicos. Como falar em cidadania em um país regido por uma arbitraria ordem econômica e um desordenado crescimento que condena seu povo a eterna injustiça social? Como falar em cidadania se não há distribuição de renda? Como falar em cidadania se os mínimos preceitos constitucionais não são seguidos?

Não a é povo politicamente organizado: com anseios comuns e ligado por traços históricos e culturais. Na realidade este conceito tem sofrido um processo de corrosão constante. Estamos mergulhados num processo de inversão de valores. Ser cidadão brasileiro hoje vai além dos conceitos de indivíduo com direitos civis e políticos, com deveres e obrigações para com a ordem social. Ser cidadão brasileiro hoje é lutar pela sobrevivência, é sofrer as pressões do desemprego, é ver seus filhos sem escola, sua família sem saúde. Ser cidadão hoje é ser submetido a exclusão e a discriminação. Este contexto é resultado da ineficiência das instituições que transformaram a cidadania plena numa dura realidade.

Cidadania pressupõe o mínimo para a sobrevivência e a Carta Magna é clara ao definir “…salário mínimo capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e as de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social…”.

Temos uma clara visão quando ligamos a vivencia da cidadania ao salário mínimo. Cidadão é aquele que tem respeito por si mesmo em primeiro lugar. E como ter este respeito se lhe faltam condições básicas? É impossível falar em cidadania sem observar os paradigmas mínimos de sobrevivência. A elite brasileira tenta contestar que o SM é hoje o maior distribuidor de renda. Cerca de 100 milhões de pessoas dependem dele, incluindo os aposentados e pensionistas e dependentes dos que recebem o SM. O governo tenta mascarar esta realidade e usa argumentos como a “quebra” de prefeituras e da Previdência Social. Sabemos que esses argumentos não condizem com a realidade, pois nenhum aumento de SM até hoje foi responsável pela bancarrota de administrações municipais e a Seguridade Social, que engloba a Previdência Social, só em 1999 apresentou um superávit de 15 bilhões e 511 milhões de reais. No 1º semestre deste ano, 12 bilhões e 858 milhões de reais. Esses e outros argumentos surgirão para revitalizar a sociedade idealizada por uma elite que não vive a realidade brasileira e que ignora que dois terços da população brasileira vive em estado de miséria absoluta.

O governo não pode se omitir no processo de aumento do SM para 100 dólares, usando argumentos vencidos e mentirosos e o Congresso Nacional e a própria mídia não podem fazer de conta que acreditam nesses argumentos. Neste processo resta ao povo o sofrimento e a esperança de um Salário Mínimo digno que fortaleça o seu direito de ser cidadão.

Se o problema é apontar fontes de recursos podemos abordar a questão do superávit primário ou a cobrança da dívida ativa do INSS, a desvinculação dos recursos da Seguridade feita pela DRU, a quebra do sigilo bancário para fins fiscais, o fim de privilégios fiscais concedidos pelo governo e muitos outros.

A questão do SM no Brasil é tão grave que o Brasil deveria ser denunciado não só na OIT em Genebra, como já aconteceu, mas também no Tribunal de Haia e em todos os fóruns que possam julgar os criminosos que usam métodos de guerra contra o seu povo em tempo de paz. Um país que tem um SM como o nosso não tem moral para falar em igualdade, em solidariedade, fraternidade, justiça social e cidadania.

Não queremos impor conceitos, apenas queremos ser portadores da realidade. O momento exige reflexão e desprendimento. A realidade conflitava que vivemos pode ser atenuada se abrirmos a janela para a verdadeira cidadania que renova, que transforma. Para isso necessitamos de uma desvinculação total do interesses formados, de influencias comprometidas com corporativismo políticos, ideológicos ou econômicos. Precisamos de uma total revisão de métodos, precisamos parar de arbitrar conceitos e discursos vazios. Precisamos de uma distribuição de renda justa que resgate os valores básicos do ser humano para que ele vença as barreiras da não participação e ultrapasse as fronteiras da cidadania estereotipada em direção a uma cidadania plena.