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Cláusulas especiais do Contrato Individual de Trabalho

16 de fevereiro de 2017

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José-Geraldo1. Introdução

Como todo contrato civil, o contrato individual de trabalho é um negócio jurídico bilateral, no qual, em tese, há simetria de direitos e deveres entre os contratantes. Para a CLT, se não houver cláusula restringindo esta ou aquela atividade, ou prova de que certa atividade não podia ser exigida do empregado, entende-se que o trabalhador se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal[1]. Uma das particularidades do contrato individual de trabalho é, portanto, esta: não ter conteúdo específico e resumir uma obrigação de fazer[2]. Essa obrigação de fazer é definida, de uma parte, por um punhado de cláusulas livremente estipuladas pelas partes[3] e, de outra, por leis que disciplinam as questões de ordem pública, estabelecendo um conteúdo mínimo abaixo do qual as partes não podem transigir[4].

No rol de regras gerais do contrato de trabalho, sobre as quais as partes podem dispor, certas empresas costumam embutir cláusulas que contêm alguma regulação especial e que restringem a atuação do empregado até mesmo após o fim da relação de emprego. Sua validade é discutível. O intuito dessas cláusulas quase sempre é preservar segredos do negócio, recuperar capital investido na capacitação de altos empregados ou simplesmente impedir que o concorrente coopte mão de obra qualificada. Dentre essas, as mais comuns estão aquelas que impedem o trabalhador de se reempregar em empresa congênere por um certo tempo após deixar o último emprego; as que obrigam o empregado a permanecer na empresa durante a execução de um projeto ou após a conclusão de curso de capacitação pago pela empresa; as de não cooptar colegas da antiga empresa caso se reempregue em empresa concorrente ou as de não revelar segredos de negócio ou não concorrer com os antigos patrões. Como sua discussão não é frequente no foro, a jurisprudência é escassa e a doutrina ainda controverte sobre muitos pontos relevantes.

2. Boa-fé objetiva

Em todos os momentos do contrato de trabalho exige-se que empregados e patrões se comportem com lealdade, ética e boa-fé. Boa-fé e ética são as duas faces de uma só moeda. O conceito de boa-fé se extrai do de dolo. Dolo é o oposto de boa-fé. Se a boa-fé, que é a consciência de não agir ilicitamente, exclui o dolo, segue-se que o dolo outra coisa não é senão o agir com a consciência da ilicitude da ação. Na boa-fé objetiva não se trata mais de estado anímico, de consciência, daquela sensação de que o simples fato de agir segundo o seu direito basta para confirmar a sua boa intenção. A boa-fé objetiva é uma conduta apartada das intenções íntimas do contratante, que exige comportamento comprometido com os princípios de lealdade, honestidade e colaboração a fim de que se alcancem os fins pretendidos. Numa palavra, para a boa-fé objetiva não basta a ausência da intenção de prejudicar. É preciso correttezza (lealdade), isto é, concurso de ambos os contratantes para que o contrato se perfaça sem que nenhum dos dois se prejudique ou se onere além do normalmente esperado. O que distingue a boa-fé subjetiva da objetiva é que, na primeira — subjetiva —, o agente se conforma com a suposição de que não está prejudicando a ninguém porque está no seu direito de agir, ao passo que, na outra — objetiva —, o agente se obriga não apenas a agir dentro do seu direito, mas agir de tal modo que o exercício do seu direto não prejudique ou impossibilite o cumprimento da obrigação contratada. Mais que isso: implica o dever de colaborar para que o direito do outro se consume.

O empregado que aceita a inclusão de uma cláusula restritiva de sua autonomia na execução do contrato de trabalho deve estar ciente de que deve respeitá-la e de que não basta agir no limite do seu direito, mas que deve concorrer para que o direito da empresa também seja satisfeito. A empresa, de sua vez, deve informar ao empregado a extensão das cláusulas especiais e os riscos de seu descumprimento[5], inclusive na esfera penal.

3.Venire contra Factum Proprium

A expressão latina “nemo potest venire contra factum proprium” significa “ninguém pode contravir o próprio fato”, isto é, dizer uma coisa, combinar uma coisa a ponto de despertar na outra uma expectativa legítima e, sem razão justa, comportar-se de modo diferente. Isso se aplica a todas as situações da vida civil, em especial em matéria de contratos. Com a proibição do comportamento contraditório não se quer anular a liberdade de mudar de opinião, mas neutralizá-la, sempre que esse segundo comportamento puder causar prejuízo a quem tenha confiado na manutenção do comportamento inicial. Proibir o comportamento contraditório não é limitar o direito subjetivo que cada um tem de realizar o negócio jurídico como melhor lhe aprouver, mas tutelar a confiança e a boa-fé objetiva daquele que contratou com o outro e supôs que, no interesse de ambos, o comportamento inicial no qual depositou sua confiança legítima não seria alterado sem razão relevante. Quando uma parte celebra com outra determinado contrato, cria para ela uma expectativa legítima de que as coisas caminharão como combinado. Romper essa expectativa legítima sem razão justa é agir contra a boa-fé objetiva e comportar-se contraditoriamente.

O empregado não pode aceitar uma cláusula especial que limita a sua autonomia no contrato de trabalho e depois contravir o próprio fato descumprindo-a ou judicializando a questão alegando que não a conhecia, não a aceita ou não sabia o que estava contratando. Ao aderir ao pacto adjeto que contém essa cláusula acessória o empregado cria na empresa a expectativa legítima de que vai honrá-la e essa expectativa não pode ser quebrada sem razão justa.

4.Cláusulas especiais do Contrato Individual de Trabalho

A CLT reputa inválida qualquer cláusula que tenha por objetivo desvirtuar, impedir ou fraudar a sua aplicação[6]. Logo, desde que não agridam o caráter tuitivo da legislação trabalhista, patrões e empregados podem pactuar qualquer coisa no curso do contrato de trabalho[7]. Em princípio, toda cláusula restritiva do direito ao trabalho é nula porque o direito de trabalhar é uma das garantias constitucionais no direito brasileiro[8]. Na maioria dos casos, as regras especiais sobrepostas por vontade das partes ao contrato individual de trabalho procuram preservar a confidencialidade dos negócios dificultando o tráfico de informação depois que o empregado deixa a empresa. Quando esse é o objetivo, as cláusulas proíbem ou restringem a possibilidade de que o trabalhador se reempregue em empresas congêneres num determinado raio ou durante certo tempo, seja em função idêntica à ocupada no emprego anterior ou noutra em que o conhecimento adquirido possa ser utilizado, no todo ou em parte, nas novas funções. Pode ocorrer, ainda, que uma cláusula desse tipo tenha como finalidade obrigar o empregado a permanecer no emprego durante a execução de algum projeto de interesse estratégico do negócio. E, mais comumente, que o trabalhador permaneça na empresa durante certo tempo após conclusão de curso de capacitação, como forma de indenizar o valor despendido.

Essas cláusulas completam o conjunto normativo que disciplina a vida do trabalhador na empresa. Como são normas restritivas — e em geral voltadas para a proteção da empresa—, é preciso verificar em cada caso se a adesão do empregado ao seu conteúdo ético lhe é benéfica ou potencialmente danosa.

Vejamos algumas dessas cláusulas:

4.1.Cláusula de raio

Dentre as regras especiais das quais as partes podem lançar mão nos contratos individuais de trabalho, a “cláusula de raio” é, seguramente, a menos comum. Consiste na possibilidade — em tese — de que a empresa possa exigir, por contrato, que determinado empregado se abstenha de se empregar em empresa concorrente numa distância determinada, chamada “raio”, evitando, com isso, que o seu talento particular, expertise ou carisma possam influenciar no fluxo de vendas ou no nível de competitividade do antigo empregador. Embora seja um tipo de cláusula muito comum entre lojistas de shopping centers para evitar a concorrência direta no mesmo espaço físico, boa parte da doutrina entende que fere o direito de livre concorrência[9]. Aplicada às relações de trabalho, essa cláusula é inconstitucional porque agride o trabalho como um valor social[10] e o direito ao trabalho como garantia da dignidade da pessoa humana[11].

4.2. Cláusula de permanência ou fidelização compulsória

O capital humano é a parte mais valiosa do ativo de uma empresa. Embora o patrão não seja obrigado a investir na capacitação do empregado, é compreensível que, se o fizer, terá todo interesse em mantê-lo a seu serviço pelo maior tempo possível. É admissível que possa se cercar de cuidados mínimos para evitar que a saída de um alto empregado facilite o tráfico de informação ao concorrente. Em contrapartida, é razoável supor que o investimento feito pela empresa na formação de um empregado deve ser ressarcido se esse empregado se desliga do emprego tão logo concluída a capacitação e passa a trabalhar no concorrente. Um dos modos pelos quais as empresas procuram preservar o investimento nos empregados ou dificultar o tráfico de informação para a concorrência é a cláusula de permanência ou fidelização compulsória. Essa cláusula permite que a empresa exija do empregado permanência no emprego enquanto se executa um projeto de excepcional interesse do negócio ou por determinado tempo após a conclusão de um curso de capacitação, a fim de que o investimento feito possa, teoricamente, ser devolvido em forma de trabalho mais qualificado. A esse tempo de permanência compulsória dá-se o nome de “pedágio” ou “carência”. A CLT não contém regra específica disciplinando essa questão. É preciso recorrer à legislação comparada[12].

O art.21 do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha, diz:

Artículo 21.Pacto de no concurrencia y de permanencia en la empresa.–

1. No podrá efectuarse la prestación laboral de un trabajador para diversos empresarios cuando se estime concurrencia desleal o cuando se pacte la plena dedicación mediante compensación económica expresa, en los términos que al efecto se convengan.

2. El pacto de no competencia para después de extinguido el contrato de trabajo, que no podrá tener una duración superior a dos años para los técnicos y de seis meses para los demás trabajadores, sólo será válido si concurren los requisitos siguientes:

a) que el empresario tenga un efectivo interés industrial o comercial en ello, y

b) que se satisfaga al trabajador una compensación económica adecuada.

3. En el supuesto de compensación económica por la plena dedicación, el trabajador podrá rescindir el acuerdo y recuperar su libertad de trabajo en otro empleo, comunicándolo por escrito al empresario con un preaviso de 30 días, perdiéndose en este caso la compensación económica u otros derechos vinculados a la plena dedicación.

4. Cuando el trabajador haya recibido una especialización profesional con cargo al empresario para poner en marcha proyectos determinados o realizar un trabajo específico, podrá pactarse entre ambos la permanencia en dicha empresa durante cierto tiempo. El acuerdo no será de duración superior a dos años y se formalizará siempre por escrito. Si el trabajador abandona el trabajo antes del plazo, el empresario tendrá derecho a una indemnización de daños y perjuicios.

Por sua vez, o art.137 do Código do Trabalho de Portugal[13], diz:

Artigo 137— Pacto de permanência:

1 – As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional.

2 – O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas.

A cláusula de permanência é válida desde que o “pedágio” ou “carência” seja razoável. Como não há lei no Brasil disciplinando esses pontos, a duração razoável de um período de “carência” ou “pedágio” após a conclusão de um curso de capacitação poderia ser, por exemplo, o tempo de duração do curso de reciclagem ou capacitação, isto é, a cláusula poderia exigir a permanência do empregado na empresa por um tempo equivalente ao da duração do próprio curso de aperfeiçoamento ou especialização.

4.3. Cláusula de não-concorrência

O Brasil não tem lei específica proibindo o empregado de trabalhar em empresa concorrente após desfeito o vínculo de emprego anterior, mas a lei estrangeira pode ser aplicada por analogia[14]. O art. 146 do Código de Trabalho português admite cláusula de não-concorrência se a proibição não exceder dois anos, prorrogável por um ano se a função for de confiança. Exige, ainda, que a cláusula seja contratada por escrito e que preveja uma compensação financeira para o empregado ao término do contrato de trabalho. O art.21.2 do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha também admite esse tipo de cláusula se houver prova de um interesse comercial do patrão a ser protegido. O período de abstenção não pode exceder 2 anos (para trabalhadores técnicos) e 6 meses (para os trabalhadores em geral). Exige-se pagamento de uma compensação econômica adequada ao trabalhador, que pode ser fixada livremente entre as partes.

A doutrina brasileira aceita a cláusula de não-concorrência se o tempo de abstenção do trabalhador for “razoável” e expressamente delimitado. Os limites desse “tempo razoável” variam. A doutrina também recomenda que a proibição seja circunscrita a certo espaço geográfico para não inviabilizar o reemprego do trabalhador ou obrigá-lo a se deslocar para lugar distante de sua residência.

Todas as legislações estrangeiras que admitem a cláusula proibitiva de trabalho em empresa concorrente querem evitar a concorrência desleal. No Brasil, sempre que se discute a validade da cláusula de não-concorrência fala-se no art.482, “c”, da CLT, o que é um erro. O art.482, “c”, da CLT, não trata de não-concorrência. Ali está dito que a negociação habitual constitui justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, por falta grave do empregado, sempre que (1o) não tiver sido autorizada pelo patrão; (2o) houver prejuízo ao serviço; ou (3o) caracterizar concorrência desleal para com a empresa do patrão. A fidúcia (confiança) entre patrão e empregado é a base ética do contrato de trabalho. Quando qualquer das partes quebra essa confiança, o contrato de trabalho se desfaz. É claro que o empregado não pode concorrer com o seu empregador enquanto o contrato de trabalho está em vigor porque isso quebra a confiança entre as partes. Na letra “c”, do art.482, da CLT, normalmente invocada quando se examina a licitude da cláusula de não-concorrência, a falta estudada é a negociação habitual que não foi autorizada pelo patrão e prejudica o serviço ou concorre de modo desleal com a empresa onde o empregado trabalha. Ou seja: uma falta cometida enquanto o contrato de trabalho está em vigor. Mesmo assim, não é qualquer negociação habitual, mas somente aquela que constitua concorrência com a empresa do patrão ou seja prejudicial ao serviço. Se a negociação habitual não prejudica o serviço ou não concorre com atividade do patrão, não há falta grave. A expressão “negociação habitual“ está na lei em sentido amplo. Refere-se a qualquer atividade do empregado, e não apenas àquela ligada ao comércio. Pode ser praticada no local do serviço ou fora dele. É o caso, por exemplo, da empregada que, além do serviço habitual na empresa, faz manicura na vizinhança, revende produtos de limpeza ou de toucador. Mesmo aquela atividade caritativa ou religiosa pode vir a caracterizar um tipo de “negociação habitual” se provados (1o) a falta de autorização do patrão e (2o) o prejuízo ao serviço. Se uma empregada presta serviço comunitário ou participa de atividades religiosas e usa o telefone da empresa do patrão para estabelecer os vínculos entre outros partícipes dessas atividades ou marcar reuniões, discutir projetos, arrecadar alimentos, programar cultos, seminários ou retiros, por exemplo, e isso vier a comprometer a regularidade do serviço, pode configurar negociação habitual se não tiver sido autorizada pelo patrão. O intuito de lucro não é elemento determinante.

Quem admite a validade da cláusula de não-concorrência no contrato de trabalho deve considerar que é imprescindível fixar um prazo máximo para a proibição de que o empregado se reempregue na empresa concorrente, que pode ser de até dois anos, como está na lei estrangeira. A cláusula de não-concorrência deve ser obrigatoriamente escrita. A área geográfica em que o reemprego na concorrência é proibido deve ser expressamente definida e não pode inviabilizar totalmente a recolocação do empregado nem lhe impor custo excessivo com mudança de domicílio ou viagens. Por fim, deve ser assegurada ao trabalhador uma indenização compensatória nunca inferior a 24 vezes o valor da maior remuneração recebida na empresa, acrescida de juros de mora e de correção monetária do período de inatividade compulsória.

4.4. Não-recrutamento

Por meio da cláusula de não-recrutamento a empresa proíbe ao empregado recrutar seus clientes ou empregados após o fim do contrato de trabalho. O objetivo é evitar desvio de clientela ou cooptação de staff treinado e com amplo conhecimento do segmento de mercado. Em princípio, não há ilegalidade porque se trata de imposição de obrigação de não-fazer que em nada prejudica o ex-empregado e preserva os interesses da empresa. Assim como as outras cláusulas que impõem inação do empregado, é preciso que essa proibição de recrutar seja delimitada no tempo.

4.5. Cláusula de exclusividade

Exclusividade não é pressuposto do contrato de trabalho. Desde que haja compatibilidade de horários, o empregado pode estabelecer tantas relações de emprego quantos forem os horários disponíveis. Pode ocorrer, contudo, que em razão do tipo de trabalho desenvolvido na empresa seja do interesse do empregador que o empregado não estabeleça outra relação de emprego durante o contrato, ainda que haja disponibilidade de tempo. Em tese, a cláusula de exclusividade será válida se se limitar a proibir uma segunda relação de emprego na constância do contrato de trabalho apenas com empresa concorrente ou com outra que, embora não concorrente, possa se aproveitar de informações confidenciais que esse empregado possa ter obtido em razão do seu trabalho. Não será lícita se proibir, genericamente, o exercício de qualquer trabalho.
4.6. Cláusula de sigilo ou confidencialidade

Embora sigilo e confidencialidade sejam comportamentos exigíveis em qualquer relação entre pessoas porque decorrem normalmente da eticidade e da boa-fé que permeiam os contratos, especialmente os de trabalho, é possível que esse comportamento conste de cláusulas específicas dos contratos de trabalho, especialmente se objeto social da sociedade empresária os exige como regra de mercado. Não se proíbe o emprego em outra empresa, ainda que concorrente, mas a revelação dos segredos que o empregado eventualmente detenha em razão do ofício[15]. Por analogia[16], o juiz do trabalho poderá dar aos casos de quebra do dever de sigilo por parte dos empregados o mesmo tratamento que o art.27-D da Lei no 6.385⁄76, com as alterações da Lei no 10.303⁄2001, dá aos casos de insider trading, isto é, uso de “informação relevanteainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários” por administradores[17]; conselheiros e diretores; integrantes de órgãos técnicos e consultivos[18] e subordinados ou terceiros de confiança dos administradores[19]; membros do conselho fiscal, acionistas controladores e minoritários[20]; prestadores de serviços jurídicos ou contábeis à companhia; agentes privados atuantes no mercado de valores mobiliários e agentes públicos encarregados da fiscalização do setor, além das pessoas referidas na Instrução CVM 358/02[21].

5. Cláusula penal

Agir de boa-fé é agir sem dolo, sem intenção de prejudicar. Boa-fé objetiva é uma regra ética que permeia qualquer contrato. Não se trata mais da boa-fé subjetiva como um estado anímico, de consciência. O empregado que adere a um contrato de trabalho contendo uma cláusula especial aceita essa capitis deminutio na liberdade de contratar e implicitamente admite que o seu descumprimento poderá lhe acarretar alguma sanção. A CLT não prevê nenhuma sanção para essas possíveis infrações, mas permite a aplicação subsidiária da legislação extravagante[22]. Assim, são aplicáveis os arts.408 e 409, do Código Civil. A quebra do dever de sigilo de empresa pode ir além de uma simples infração contratual e constituir crime. Nos casos de fidelização compulsória, a cláusula penal mais corriqueira é a que prevê a possibilidade de a empresa exigir do empregado, no ato da rescisão do contrato de trabalho, a restituição de todo o valor investido na sua preparação. Essa retenção somente será possível quando a iniciativa de romper o contrato nesse “período de carência” tiver partido do empregado ou quando este tiver dado causa para o rompimento da relação de emprego, por falta grave[23]. Nos casos em que a decisão de romper o contrato de trabalho é da empresa, ou nos casos em que o empregador comete falta grave para a rescisão do contrato de trabalho[24], o desconto não é lícito. Quanto aos limites desses descontos, a doutrina é dividida. Para uns, todo o valor investido na preparação do empregado pode ser compensado no recibo de rescisão. Para outros, somente será possível reter até o equivalente a um mês de remuneração do empregado na empresa[25]porque o restante é considerado dívida civil que deve ser cobrada em reconvenção ou mesmo em ação de repetição de indébito, na jurisdição comum. Não há base legal em se exigir do empregado a devolução em dobro da quantia despendida na sua capacitação porque se trata de uma cláusula penal e o Código Civil brasileiro diz que o valor da cláusula penal não pode exceder o valor da obrigação principal[26]. O juiz pode reduzir o valor da astreinte se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida pelo empregado ou se a penalidade for manifestamente excessiva[27]. Se houver culpa recíproca para a terminação do contrato de trabalho, o juiz reduzirá a indenização à metade[28].

6. Conclusão

Em princípio, patrões e empregados são livres para definir as cláusulas que regerão direitos e deveres de um e de outro num contrato de trabalho, desde que respeitem o caráter tuitivo da CLT e da legislação extravagante. Para a CLT, se os contratantes não estabelecerem restrições de trabalho, entende-se que o trabalhador se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal. De acordo com a atividade da empresa ou da função a ser ocupada pelo empregado pode haver necessidade de cláusulas especiais que restrinjam a liberdade de contratar, na constância do contrato de trabalho ou mesmo após cessada a relação de emprego. Em geral, essas cláusulas especiais que criam uma capitis deminutio na vida do trabalhador têm como objetivo reter o empregado até a execução de certo projeto ou mantê-lo fora do mercado por um certo tempo após a extinção do contrato de trabalho para evitar que o conhecimento técnico obtido na empresa da qual está se desligando seja transferido para a nova empresa, ou para obrigá-lo a indenizá-la pelos custos dos cursos de capacitação ou especialização. Como a discussão dessas cláusulas não é frequente nos processos que tramitam na Justiça do Trabalho, a jurisprudência é pouca e a doutrina ainda insegura e insipiente.

O direito brasileiro não disciplina essas cláusulas e é preciso sempre estar atento ao que diz a doutrina estrangeira. Toda cláusula que impeça o trabalhador de se reempregar numa empresa concorrente deve definir o tempo em que isso pode ser exigido e fixar uma indenização compensatória para esse período de carência. Em regra, admite-se o prazo de até dois anos, como está nas legislações espanhola e portuguesa. Para os casos em que a empresa exige a permanência do empregado no emprego pós a conclusão de curso de capacitação o período de carência poderia ser o da duração do curso.

Na inserção de uma cláusula com esse conteúdo as partes devem agir com lealdade, corretezza, transparência e boa-fé. O empregado não pode aceitar a imposição da cláusula, gerar na empresa uma expectativa legítima e depois desdizê-la sem razão justa, contravindo o próprio fato. Assim como a empresa é obrigada a indenizar o empregado que não cumpre o combinado, o empregado deve indenizá-la se se demitir do emprego na constância dessas cláusulas de permanência ou der motivo para a rescisão do contrato. As partes são livres para estabelecer as astreintes, mas o juiz pode reduzi-las se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida pelo empregado ou se a penalidade for manifestamente excessiva. Se houver culpa recíproca para a terminação do contrato de trabalho, o juiz reduzirá a indenização à metade.