CNJ cobra dos estados melhorias na internação de adolescentes em conflito com a lei

11 de setembro de 2012

Juíza Auxiliar da Presidência do CNJ e uma das Coordenadoras do Programa Justiça ao Jovem

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O Brasil tem aproximadamente 18 mil adolescentes reclusos por envolvimento em atos infracionais considerados de natureza grave. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), a internação desses jovens deve ser pautada no tratamento digno, na educação e na profissionalização, para que no retorno à sociedade eles se integrem totalmente e não voltem a reincidir. Com o objetivo de verificar as condições da internação dos adolescentes em conflito com a lei, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Programa Justiça ao Jovem. Entre 2010 a 2011, equipes compostas por juízes, servidores, assistentes sociais e psicólogos inspecionaram todas as unidades de internação do País. A constatação foi de que na maior parte dos estados, a medida socioeducativa não é executada conforme preconiza a legislação.

Para cada estado por qual passou, o CNJ elaborou um relatório em que apontou com detalhes as deficiências do sistema socioeducativo local. No documento, encaminhado às instituições responsáveis pelas medidas socioeducativas, o Conselho também fez sugestões para que os problemas fossem sanados. Esse trabalho foi consolidado pelo órgão de fiscalização e planejamento estratégico do Poder Judiciário com a divulgação do Panorama Nacional – A Execução da Medida Socioeducativas de Internação, pouco antes do fim da gestão do presidente Cezar Peluso, em abril deste ano.

Decidido a fazer com que o projeto não morresse na praia com a divulgação dos dados, o atual presidente do CNJ, ministro Ayres Britto elegeu a infância e juventude com uma das áreas prioritárias da sua curta gestão. Em relação ao Programa Justiça ao Jovem, a missão escolhida foi retornar aos Estados mais críticos até novembro – quando o ministro deixa o cargo de presidente do Conselho – para verificar o que os Poderes Executivo e Judiciário fizeram desde a primeira visita do CNJ para solucionar os problemas identificados.

Já foram revisitados o Maranhão, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Bahia, Alagoas, Pará, Amapá, Piauí e Rio de Janeiro. Ainda faltam Sergipe, Ceará, Roraima e Minas Gerais. Outros estados, naturalmente, poderão ser integrados à lista, explicou Cristiana Cordeiro, juíza auxiliar da presidência do CNJ e uma das coordenadoras do Programa Justiça ao Jovem.

“A ida aos Estados tem por principal objetivo apurar se as sugestões contidas nos relatórios finais do Programa Justiça ao Jovem foram acatadas, e – em caso negativo – verificar como o CNJ pode ajudar a transpor as dificuldades enfrentadas, especialmente pelo Poder Judiciário”, explicou a magistrada.

Neste trabalho, Cristiana conta com a companhia de Joelci Araújo Diniz, também juíza auxiliar do Conselho Nacional de Justiça e coordenadora do Programa Justiça ao Jovem. Acompanhadas de fotógrafo e jornalista da imprensa do CNJ e serventuários, as duas retornam aos estados considerados mais críticos. Elas inspecionam os estabelecimentos de internação e tentam estabelecer diálogo com os principais atores do sistema socioeducativo – como juízes e gestores das unidades. O momento mais esperado são os encontros com os chefes dos Poderes Executivo e Judiciário.

Joelci explicou que evita utilizar nessas reuniões um tom de cobrança. Em encontro no último dia 22 de agosto com a presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, Eulália Pinheiro, por exemplo, a juíza auxiliar tratou de deixar claro que a intenção do CNJ era de colaborar para que as deficiências fossem resolvidas. No retorno ao estado, Joelci e Cristiana notaram uma série de problemas nas unidades. “Pouca coisa mudou desde a primeira visita”, afirmou Cristiana.

Um dos problemas verificados está relacionado à internação provisória de adolescentes por prazo superior ao de 45 dias fixado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para que seja proferida a decisão judicial. Relatório entregue às juízas do CNJ mostrava que 10 jovens teriam passado por essa situação entre julho a início de agosto. No dia da inspeção no Centro Educacional de Internação Provisória, em Teresina, havia dois jovens reclusos por mais tempo que o permitido.

Era o caso de José (nome fictício), de 16 anos, que estava na unidade há 78 dias. “O juiz está esperando uma vaga para encaminhá-lo a comunidade terapêutica para que tenha tratamento por ser usuário de drogas”, explicou Etevaldo Brito, diretor de medidas socioeducativas da Secretaria de Assistência Social e de Cidadania, órgão do Governo do Piauí responsável pela execução da internação aplicada aos adolescentes em conflito com a lei.

No dia da inspeção, as juízas se depararam também com Fernando (nome fictício), de 17 anos, detido por roubo. O jovem estava na unidade há 58 dias. “A informação que temos é que o juiz determinou a internação no Centro Educacional Masculino, mas parece que o processo está com o defensor e a documentação não nos foi encaminhada para fazermos a transferência”, destacou Brito.

O problema foi relatado à presidente do TJ-PI. Segundo Cristiana, o não cumprimento do prazo pode ocorrer por uma série de fatores, entre os quais a desorganização cartorária. Joelci sugeriu a possibilidade de o CNJ ministrar no Tribunal as aulas do Projeto Eficiência, criado pelo Departamento de Monitoramento do Sistema Carcerário e Medida Socioeducativa do Conselho para ensinar boas práticas de gestão dos cartórios.

Segundo o Panorama Nacional divulgado pelo CNJ, a maior parte dos adolescentes que cumprem a medida socioeducativa de internação (73% dos 14.613 processos analisados) teve seus casos julgados pela Justiça com sentença definitiva, ou seja, contra a qual não cabe mais recurso. No entanto, ainda é alto o número de jovens à espera de uma decisão judicial. O Nordeste e o Norte são as regiões onde o CNJ verificou o maior percentual de jovens internados e ainda a espera de julgamento. Os índices chegam, respectivamente, a 33% e 27%.

Violência

A internação por tempo superior ao estabelecido pela lei, no entanto, é apenas um dos problemas do sistema socioeducativo. Na primeira rodada de visitas às unidades do país, o Programa Justiça ao Jovem detectou situações graves de maus tratos cometidos contra os jovens internados.

De acordo com o Panorama Nacional do CNJ, mais de 10% dos estabelecimentos registraram situações de abuso sexual e 5% deles apresentaram ocorrências de mortes por homicídio. Também, segundo o estudo, quase um terço dos adolescentes declarou sofrer algum tipo de agressão física por parte funcionários e um quarto dos estabelecimentos visitados já havia enfrentado situações de rebelião ou motins.

Em alguns estados, o problema parece não ter sido resolvido. É o caso de Santa Catarina. No retorno a essa unidade da federação, em julho último, a equipe do CNJ registrou reclamações dos internos do Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE), no município de Lages, de que seriam vítimas de agressão por parte dos agentes.

“Eles (os monitores) falaram que iriam quebrar minhas pernas”, denunciou Carlos (nome fictício), interno de 18 anos às juízas Cristiana e Joelci. Mateus (nome fictício), de 17 anos, denunciou que havia apanhado duas vezes dos agentes. “Aconteceu comigo duas vezes. Da última, tentei fugir. Fiz errado. Mas eles também não precisam agir assim. Eles deveriam ser educadores”, contou.

Os dirigentes da unidade informaram que ambos os adolescentes teriam passado por exame de corpo de delito. O caso também teria sido encaminhado ao Departamento de Atendimento Socioeducativo (Dease), órgão responsável pela internação em Santa Catarina, assim como ao Ministério Público e ao Judiciário catarinenses para apuração.

No final de junho, o CASE sofreu com uma rebelião. De acordo com os adolescentes, o motim teria ocorrido justamente por causa dos maus tratos. Nessa ocasião, eles pensaram que um dos jovens estava sendo espancado por um dos agentes e começaram a depredar a entidade.

O Case de Lages foi construído em 1985. É uma unidade antiga e, portanto, não atende as especificações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, que entrou em vigor no início de abril. “Predomina aqui a cultura da tranca”, afirmou Joelci, referindo-se principalmente à ala destinada aos adolescentes considerados mais perigosos. Eles ficam isolados, cada um em um quarto fechado por uma espessa porta de ferro.

Sobre as denúncias de agressões, a juíza auxiliar disse que enviaria um ofício à Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania e para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para pedir providências e a apuração dos fatos relatados. “Recebemos muitas denuncias, algo generalizado. Queremos uma resposta”, afirmou na ocasião.

As situações de maus tratos parecem algo comum nas unidades. Em Maceió, capital de Alagoas, viver em um cômodo com pouco menos de 30 metros quadrados foi a punição destinada a cinco adolescentes que cometeram atos de indisciplina na Unidade de Internação Masculina (UIM). Os jovens contaram a Cristiana e Joelci, durante inspeção na unidade em julho último, que eles passam os dias trancados e sem direito a banho de sol.

A direção da unidade explicou os jovens foram colocados lá porque tentaram fugir. Na tentativa, teriam feito um dos monitores refém. Após resistir, os adolescentes admitiram o erro, mas se mostraram indignados com o isolamento que a punição lhes impõe. “É claro que eu vou pensar em besteira aqui dentro. Só vejo paredes”, disse um dos jovens às magistradas do CNJ, pelo pequeno espaço da janela gradeada, que mais lembrava uma cela de presídio.

Unidades

Cristina Cordeiro conta que a “contenção” é o princípio que norteia o sistema socioeducativo em diversos estados do Brasil. Talvez essa seja uma das razões que explique o fato de a maior parte das unidades de internação mais se parecerem a prisões do que a lugares destinados à educação e ressocialização dos jovens infratores. A precariedade da estrutura é um problema comum.

Em Maceió, as juízas constataram em um dos prédios das seis unidades de internação da capital que as goteiras no telhado deixam passar água pelo buraco da fiação. “É algo muito perigoso. Um adolescente pode querer puxar a fiação e tomar um choque. É o tipo de situação que não pode acontecer dentro de uma unidade”, afirmou Joelci durante a inspeção.

Em outra unidade, o mau cheiro toma conta do alojamento onde dormem quatro jovens. “Eles nos dão material de limpeza de vez em quando e nós limpamos o quarto por conta própria”, disse um interno de 17 anos, que cumpre medida socioeducativa por homicídio.

Também em Maceió, a equipe do CNJ visitou uma unidade com 11 alojamentos, dos quais apenas três encontravam-se em ocupados, ainda assim precariamente. Os demais cômodos estavam interditados há muito tempo. De acordo com Joelci, os alojamentos interditados teriam sido depredados e precisam de reparos.

A falta de estrutura se verifica em vários outros estados do País. No Centro Educacional de Internação Provisória em Teresina, no Piauí, por exemplo, chamou à atenção a má conservação do local: os alojamentos são escuros, as paredes das alas estão pichadas e a quadra se encontra depredada. Verificaram-se ainda problemas com a higiene.

Em Ananindeua, município Pará, em uma unidade destinada aos adolescentes de 12 a 15 anos, se verificou sujeira e até a presença de ratos. Bem ao lado da cozinha, por exemplo, as fezes de rato misturavam-se com o vazamento do esgoto, exalando mau cheiro. No entanto, enquanto preparava o almoço, uma cozinheira jurava: “Só tem rato lá fora, aqui na cozinha não tem não”.

As juízas auxiliares do CNJ ficaram consternadas. “O sistema é muito precário de modo geral em todos estados”, lamenta Joelci ao constatar que nada foi feito no Pará para corrigir os problemas detectados na inspeção passada. “O Pará não andou. Se não há evolução, a situação vai se deteriorando. Uma hora isso estoura em forma de violência”, frisou.

Ainda no Pará, as magistradas registraram o pedido dos internos para terem acesso a cursos profissionalizantes e à educação. A reivindicação, já havia sido feita na primeira fase de visitas do programa Justiça ao Jovem, principalmente pelos jovens da unidade destinada a quem tem entre 18 a 21 anos de idade. Eles afirmaram que passam dia e noite trancafiados nas celas e sem ter o que fazer.

Os dirigentes do estabelecimento asseguraram que os internos têm aulas e cursos. Mas depois de muito interpelados, admitiram que  a Secretaria de Educação havia encerrado o convênio com a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará (Fasepa) e, por isso, os jovens estavam sem aula. A realidade descrita pelos internos, no entanto, foi diferente. De acordo com eles, a cada nove dias, três adolescentes eram sorteados para ir à aula.

A precariedade também foi constatada no retorno ao Mato Grosso do Sul. Nas quatro unidades de internação de Campo Grande, as coordenadoras verificaram as más condições em que vivem os jovens. Na maior unidade de internação do estado, UNEI Dom Bosco, os internos só têm permissão para deixar seus alojamentos no horário de aula na escola, às manhãs ou às tardes, e durante mais duas horas semanais, para jogar futebol. Mesmo assim, as atividades só são realizadas em sistema de rodízio. Se um alojamento tem quatro jovens, apenas dois podem deixar o local para ir à aula. O gestor da Superintendência de Assistência Socioeducativa, Hilton Willasanti, atribuiu a situação à falta de agentes para monitorar os deslocamentos e as atividades dos internos.

Controle

O Justiça ao Jovem não se resume ao trabalho de campo. Os responsáveis pelo Programa tentam, no âmbito administrativo, sugerir soluções para os problemas verificados in loco. Exemplo ocorreu com aprovação da proposta de resolução para regulamentar, no âmbito do Poder Judiciário, a Lei 12.594/2011, que criou o Sinase. O documento foi discutido pelos coordenadores da infância e juventude dos tribunais de Justiça dos estados, em reunião promovida pelo CNJ no início de julho, em Brasília. O texto será votado pelo Plenário do Conselho. Se aprovado, terá que ser obedecido em todo o Brasil.

Uma das 24 medidas previstas na minuta de resolução e a criação da guia de execução da medida socioeducativa – documento individual para cada um dos adolescentes internados no Brasil, que deverá conter informações relacionadas à sentença dele, como o início de cumprimento da internação e data prevista para esta terminar.

Também foram aprovados procedimentos e prazos relativos ao tratamento do jovem quando comete ato infracional. “No texto, especificamos quem serão os responsáveis pelas etapas do processo, desde a prisão do adolescente até o fim do cumprimento da medida socioeducativa. Aprovamos também prazos para que esses procedimentos sejam realizados”, explicou Joelci.

Perfil

De acordo com o Panorama Nacional – A Execução da Medida Socioeducativas de Internação do CNJ, a maior parte dos adolescentes internados tem de 15 a 17 anos (60%). Eles vêm de famílias desestruturadas, estão em defasagem escola e não raro são dependentes químicos. A grande maioria foi parar no sistema socioeducativo por cometeram infrações contra o patrimônio público, como furto e roubo.

Segundo o estudo, mais da metade dos jovens entre 15 a 17 anos não frequentava a escola antes de ser internado. A maioria dos adolescentes infratores parou de estudar aos 14 anos de idade, entre a quinta e a sexta série. Além disso, 8% deles não chegaram sequer a serem alfabetizados. Nesse tocante, a desigualdade entre as regiões do país ficou evidenciada no estudo. Entre os jovens entrevistados no Nordeste, 20% declararam que não sabem ler, enquanto no Sul e no Centro-Oeste essa proporção foi de apenas 1%.

No que diz respeito à estrutura familiar, o Panorama Nacional mostra que 14% dos jovens infratores possuem pelo menos um filho, apesar da pouca idade, e também que apenas 38% deles foram criados pela mãe e o pai.

Também segundo a pesquisa, sete em cada 10 adolescentes ouvidos pelo Programa Justiça ao Jovem na primeira rodada de visitas se declararam usuários de drogas, sendo este percentual mais expressivo na Região Centro-Oeste (80,3%). A maconha aparece como o entorpecente mais consumido, seguida da cocaína e do crack.

De acordo com a pesquisa, a metade dos adolescentes ouvidos é reincidente na prática criminal. O roubo e o tráfico de drogas são as infrações que levam a maior parte dos jovens ao cumprimento de medidas socioeducativas (60%). Mas, entre os reincidentes, a prática de homicídio foi três vezes superior à verificada entre aqueles que cumpriam a primeira internação, aumentando de 3% para 10%.

Diferente da média nacional, nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, as infrações que resultaram em morte aparecem como segundo principal motivo de internação dos adolescentes, ultrapassando inclusive o tráfico de entorpecentes.

Segundo Cristiana, a reincidência se deve há alguns fatores. “Entre eles, à ineficiência do trabalho de ressocialização nas unidades de internação, à precariedade das medidas em meio aberto que, quando existem, quase sempre não conseguem a adesão dos jovens, e principalmente, à falta de trabalho mais eficaz com as famílias – afinal, é para lá que o adolescente retorna ao readquirir a liberdade”, explicou.

Apesar do quadro perverso, a juíza auxiliar do CNJ acredita na mudança. Perguntada se o sistema socioeducativo no geral e – principalmente – a execução da medida de internação têm jeito, ela foi categórica: “Claro que tem jeito. Existem experiências exitosas, especialmente quando as pessoas envolvidas no trabalho com este público tão peculiar estão devidamente capacitadas e preparadas para fazê-lo”, afirmou Cristiana, esperançosa.

Entrevista 

Confira a íntegra da entrevista da juíza auxiliar do Conselho Nacional de Justiça e coordenadora do Programa Justiça ao Jovem, Cristiana Cordeiro, à Revista Justiça & Cidadania.

Revista Justiça & Cidadania – O Programa Justiça ao Jovem foi criado para avaliar as condições de internação de adolescentes envolvidos em atos infracionais em todo o país. O que o programa constatou em relação às condições das unidades e atendimento prestado aos jovens?

Cristiana Cordeiro – Após o diagnóstico traçado nos anos de 2010 e 2011, as equipes envolvidas apontaram a existência de abissal distância entre o que preconizam o Estatuto da Criança e o Adolescente e a nova Lei do Sinase (Lei 12.594/12) e a realidade da quase totalidade das unidades de internação de nosso País. Há um modelo de gestão muito mais focado na simples “contenção” dos adolescentes do que em sua dita ressocialização.

RJC – O Programa inaugura agora uma nova fase com o retorno aos estados mais críticos, para um novo diálogo com os Poderes Executivo e Judiciário. Qual é o objetivo dessas conversas?

– A ida aos Estados tem por principal objetivo apurar se as sugestões contidas nos relatórios finais do Justiça ao Jovem foram acatadas, e – em caso negativo – verificar como o CNJ pode ajudar a transpor as dificuldades enfrentadas, especialmente pelo Poder Judiciário. No que diz respeito ao Executivo, não há dúvida de que a nossa presença e a cobertura da imprensa, que tem nos acompanhado, inclusive às unidades de internação, tem um caráter de trazer ao conhecimento público uma ideia mais clara sobre como seu governante tem cuidado da questão do adolescente em conflito com a lei.

RJC – Qual foi o resultado desse novo diálogo no Espírito Santo, estado denunciado a OEA em razão do tratamento dispensado aos adolescentes em conflito com a lei? 

– No Espírito Santo, a pressão internacional para rápidas mudanças fez com que um vultoso investimento fosse realizado. Infelizmente, vêm agora à tona notícias preocupantes, com a prisão de diversas pessoas ligadas à execução das medidas naquele Estado, o que será acompanhado de perto por nós do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Medidas Socioeducativas do CNJ.

RJC – E como foi retorno ao Maranhão?

– No Maranhão, percebemos um empenho grande do Poder Judiciário, com a implementação da Coordenadoria da Infância e Juventude e a melhor distribuição de competências na Comarca de São José do Ribamar, por exemplo. Todavia, o Poder Executivo nada tem investido para reverter o triste quadro encontrado pelo Justiça ao Jovem, tendo perdido verba federal que poderia ter sido utilizada para a construção de novas unidades.

RJC – Qual foi a situação verificada em Santa Catarina?

– Em Santa Catarina, há uma excelente organização das questões da infância e a Coordenadoria da Infância e Juventude está funcionando muito bem. A unidade de São Lucas, em São José, foi implodida, após decisão judicial de interdição. Mas o Executivo, mais de um ano depois da desativação da única unidade que atendia aos adolescentes internados da Grande Florianópolis, ainda não ergueu a nova estrutura, que contará com verba federal. Observa-se, contudo, uma melhor organização da Secretaria que cuida da matéria, que tem uma academia que vem promovendo a capacitação de seus servidores.

RJC – E o que pode dizer do Mato Grosso do Sul, outro estado também visitado recentemente? 

– O Mato Grosso do Sul tem um juiz fortemente comprometido com a causa, na Capital. Aliás, de modo geral, os juízes mostram-se abnegados e vocacionados, em todos os estados visitados. Há unidades com problemas, contudo, cuja melhoria foi assegurada pelo Executivo

RJC – Que outros estados deverão ser visitados até o fim do ano?

– Além do Maranhão, de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul, também já estivemos na Bahia, Alagoas, Pará, Amapá, Piauí e Rio de Janeiro. Estão previstas visitas a Sergipe, Ceará, Roraima, Espírito Santo, Minas Gerais e um retorno ao Espírito Santo. Eventualmente, outros estados poderão ser incluídos na programação.

RJC – Na sua avaliação, faltou comprometimento dos Poderes Executivo e Judiciário dos Estados para sanar as deficiências apontadas pelo CNJ em seus relatórios?

– Talvez possa ser dito que o Poder Judiciário, especialmente na era pós-CNJ, tem se visto compelido a reconhecer a prioridade que a questão da criança e do adolescente deve ostentar em seu seio: na instalação de varas, na lotação de servidores e técnicos, no orçamento. Para os Executivos, é possível verificar que nem sempre os investimentos na área da infância são priorizados, sendo comuns os “cortes” de orçamento.

RJC – Na sua avaliação, o sistema socioeducativo e o modelo de internação, tal como adotado no Brasil, tem jeito? Um dia poderemos ressocializar de fato os adolescentes em conflito com a lei ?

– Claro que tem jeito. Existem experiências exitosas, especialmente quando as pessoas envolvidas no trabalho com este público tão peculiar estão devidamente capacitadas e preparadas para fazê-lo.

RJC – A reincidência dos jovens é um problema? Qual é o perfil desses jovens?

– A reincidência está relacionada à ineficiência do trabalho de ressocialização nas unidades de internação, à precariedade das medidas em meio aberto que, quando existem, quase sempre não conseguem a adesão dos jovens, e principalmente, à falta de trabalho mais eficaz com as famílias: afinal, é para lá que o adolescente retorna ao readquirir a liberdade.

RJC – No retorno, os adolescentes têm reclamado de agressões. O que será feito em relação a isso?

– Os casos de agressões sempre nos preocupam e cada vez que uma notícia destas chega ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Medidas Socioeducativas do CNJ, buscamos saber quais providências estão sendo adotadas pelo órgão de origem, no caso o Executivo, e pelo Poder Judiciário, além do próprio Ministério Público.