Edição 120
CNJ estuda políticas públicas para filhos de presas
31 de julho de 2010
Da Redação, por Giselle Souza
Entrevista com Morgana de Almeida Richa
Preocupada com as condições de vida dos filhos de mães detentas, a juíza Morgana Richa comanda uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que pretende mapear a situação dos presídios em que vivem essas mulheres e crianças, já que a Lei de Execuções Penais do Brasil determina que os filhos devam ser mantidos em berçários até os 6 meses e em creches até os 7 anos de idade. Como muitas mulheres chegam grávidas e dão à luz na prisão, a maioria dessas crianças acaba passando a infância na cadeia, submetidas à degradante e excludente realidade do sistema prisional do País. A iniciativa dará origem a um projeto que visa à implantação de regras mínimas para o encarceramento de mulheres nos estados, com base em iniciativas semelhantes promovidas pela ONU e pela OEA.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, a população carcerária feminina no Brasil hoje é de cerca de 30 mil mulheres, grande parte com idade entre 18 e 29 anos. A maioria das prisões não possui berçários ou creches. O projeto do CNJ quer encontrar uma solução para o problema, sem interferir no bem-estar e no desenvolvimento dos filhos das detentas. Para estudar detalhadamente o assunto, o órgão designou um grupo de trabalho, coordenado pela Conselheira Morgana Richa, e formado por juízas de 6 estados (São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Bahia, Acre e Minas Gerais) mais o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Luciano Losekann.
Morgana, que também é presidente da Comissão Permanente do CNJ de Acesso à Justiça e Cidadania, falou à revista “Justiça & Cidadania” sobre suas expectativas em relação ao projeto e sobre outra iniciativa do órgão direcionado para a área de infância e juventude. É o chamado depoimento especial, que tem o objetivo de colher cuidadosamente o testemunho de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual ou violência doméstica, sem expor ou constranger os menores.
Revista Justiça & Cidadania – Como surgiu a ideia de um projeto voltado para filhos de presas?
Morgana Richa – A questão do encarceramento feminino surgiu para o CNJ a partir dos mutirões carcerários, que foram e ainda são realizados em vários estados do Brasil. Deles nasceu uma verificação mais pontual de qual a situação completa em que as pessoas se encontram no sistema prisional brasileiro.
Em relação às mulheres, o que se verificou durante esses mutirões é que elas se encontram numa situação bastante difícil, até porque estão em número não tão expressivo — no Brasil, representam cerca de 6% da população carcerária, sendo que na América Latina esses percentuais variam de 3% a 9%, um patamar que não é muito significativo numericamente. Também se verificou que existe muito negligenciamento, que as condições de exclusão são muito acentuadas, a ressocialização é difícil e, por isso, acontece um desinteresse e uma invisibilidade das necessidades femininas, especialmente em relação às crianças, filhas de mulheres encarceradas, e das que estão grávidas e acabam dando à luz na prisão.
Isso fez com que o CNJ voltasse os olhos para a necessidade das crianças em tal situação, além da própria integração social dessas mulheres. O Conselho entra com esse estudo e aprofundamento do tema para propor políticas públicas eficazes.
JC – Já existe um projeto piloto?
MR – O projeto vai partir de um conhecimento mais aprofundado de algumas realidades e experiências já existentes no modelo hoje praticado nos estados, porque cada estado tem um sistema próprio, e o que estamos buscando é uma coleta de informações sobre essas condições de encarceramento nas diversas localidades. Esse é o primeiro ponto: coletar informações. A partir disso, vamos fazer algumas visitações aos centros e capitais de maior referência para verificar os aspectos multiplicadores, porque não adianta, num primeiro momento, sair multiplicando qualquer modelo que não possua noção completa da totalidade do que estamos tratando.
A partir do aprofundamento do tema, teremos referências pontuadas para multiplicar. O que também estamos buscando é verificar regras mínimas para o encarceramento a partir do que é feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), dentro da verificação das condições das crianças, o número, e como vivem concretamente. Para isso, já foi elaborado um questionário, que os tribunais vão remeter ao Conselho com o levantamento dos dados que precisamos. Só a partir daí é possível pensar numa política pública mais consistente e densa para resolver o problema. E outro ponto que é interessante: o que se já se tem muito claro é que o grande problema que envolve as mulheres encarceradas diz respeito a tráfico de drogas, são as chamadas mulas. Pensamos que é possível e necessária uma política social a esse respeito.
JC – Quanto tempo a senhora acredita que o projeto levará para ser de fato implantado?
MR – Creio que demore mais uns 6 meses para que tenhamos um aspecto mais maturado e uma resposta concreta. Por enquanto existe um grupo de trabalho constituído para estudar as questões que envolvem as condições do encarceramento feminino. Esse grupo será responsável pela apresentação do projeto, que está em fase embrionária. É composto de juízas que trabalham com a questão do encarceramento feminino e também pelo juiz auxiliar da presidência do CNJ, Luciano Losekann. Todos são especialistas na área.
JC – Quantas mulheres e crianças serão beneficiadas pela iniciativa do CNJ?
MR – O que nós temos hoje são alguns dados do Depen, de abril de 2008, com um “raio x” do sistema. Estima-se que a população carcerária seja de cerca de 27 mil presas. Considerando que o crescimento da população carcerária feminina gira em torno de 10% ao ano, devemos ter agora em torno de 30 mulheres encarceradas, sendo também que, por esta estimativa, em torno de 1,25% dessas mulheres estariam grávidas ou com o filho em sua companhia. Mas esse não é um contingente tão grande quantitativamente. Isso é até positivo na medida em que é mais fácil uma política pública num montante menor.
JC – O CNJ possui outros projetos voltados para área de infância e juventude?
MR – Sim. Um deles, que também é muito interessante, diz respeito à criança que acaba sendo vítima de violência doméstica ou muitas vezes de abuso sexual, e no Judiciário ela precisa ser ouvida quando é parte ou até mesmo como testemunha. Mas o depoimento dessa criança é muito complexo, doloroso, na medida em que trata de fatos que demandam uma sensibilidade ímpar. O Judiciário precisa se aparatar na avaliação de um depoimento chamado de especial, para o qual há uma sala de audiências montada para esse fim, com a preservação e a proteção integral da criança. Essa é até uma previsão constitucional que permite a obtenção da prova com maior fidelidade, qualidade, a fim de punir e responsabilizar o agressor. O depoimento especial foi objeto de um projeto do Conselho chamado mutirões da cidadania, e nós estamos fazendo uma proposta de recomendação a todos os tribunais do País para que se institua esse modelo em nome da preservação da integridade moral da criança.